Panorama internacional

Especialista explica interesse dos EUA pelo Brasil: 'Isolar a Rússia passou a ser mais importante'

O governo Joe Biden rompeu recentemente a tendência de afastamento dos EUA em relação ao Brasil, buscando diálogos em diferentes frentes. Segundo especialista ouvido pela Sputnik, tal interesse nada teria a ver com um desejo genuíno de melhorar as relações bilaterais, mas, sim, com os esforços de Washington para enfraquecer outra potência.
Sputnik
Com os dilemas comerciais que se apresentam devido ao conflito na Ucrânia, os Estados Unidos vêm ensaiando uma aproximação ao governo brasileiro nos últimos meses. De um lado, por exemplo, pedindo que a Petrobras aumente a produção de petróleo em meio ao aumento dos preços de energia, e de outro, prometendo ajudar a encontrar saídas para diminuir a dependência brasileira dos fertilizantes russos.
Panorama internacional
EUA ouvem 'não' da Petrobras após pedirem para Brasil aumentar produção de petróleo, diz Reuters
Desde o início da atual crise ucraniana, o Brasil tem mantido uma postura mais imparcial do que grande parte dos países ocidentais, seguindo sua tradição de política externa de defender o diálogo construtivo como melhor forma de solucionar problemas. Mesmo lamentando os enfrentamentos entre russos e ucranianos, o governo brasileiro, assim como grandes nomes da oposição, tem evitado aderir aos discursos de Washington no sentido de culpar a Rússia por toda a situação, de tentar isolar Moscou e de promover uma escalada no Leste Europeu.
As relações entre Brasil e Estados Unidos não têm sido as melhores nos últimos anos. Na primeira parte do governo do presidente Jair Bolsonaro, o país buscou um grande alinhamento aos EUA de Donald Trump. Na visão da maior parte dos especialistas, no entanto, muitas concessões foram feitas e poucos ganhos reais foram obtidos. Com a troca de comando na Casa Branca, a falta de afinidades entre Biden e Bolsonaro e o apoio do brasileiro a Trump nas eleições acabaram levando a um afastamento das duas nações, só interrompido recentemente, com a tentativa norte-americana de trazer Brasília para sua esfera de influência no contexto do novo racha entre o Ocidente e a Rússia, conforme avalia o professor de relações internacionais Charles Pennaforte, da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel).

"Na minha concepção, o governo Biden não teria o menor interesse (fora do estritamente necessário) em retomar o contato com o atual governo brasileiro. Contudo isolar a Rússia passou a ser mais importante", comenta o acadêmico em declarações à Sputnik Brasil.

O Brasil consome anualmente 40 milhões de toneladas de fertilizantes, sendo 85% importados e com a Rússia encabeçando a lista de fornecedores do insumo, fundamental para as produções do agronegócio brasileiro. Quinto maior vendedor de fertilizantes para o Brasil, os EUA têm buscado formas de reduzir as trocas comerciais entre o país e os russos, seja tentando aumentar sua própria produção ou facilitando conversas do governo brasileiro com outros aliados. Para Pennaforte, esses movimentos não podem ser considerados uma ajuda, mas apenas "uma forma de retirar o Brasil do que Washington acredita ser um possível 'campo de influência russa'".
Em abril, durante audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado, o chanceler brasileiro, Carlos França, explicou que outra fonte interessante para aquisição de fertilizantes seria o Irã, país que, assim como a Rússia, também é alvo de sanções e políticas pouco amistosas por parte de Washington. Apesar do grande estoque iraniano, o ministro confessou que as empresas brasileiras não se sentiam seguras em negociar com Teerã por temer punições norte-americanas.
"No Irã, há um grande excedente de fertilizantes, mas os importadores brasileiros têm dificuldades para negociar. Na prática, o que fazemos com o Irã é um escambo, porque depositamos os recursos numa conta no Brasil, que é usada pelo Irã na compra de insumos médicos e alimentos. Por isso negocio com os Estados Unidos uma trégua temporária nesse embargo, para que empresas brasileiras possam negociar com o Irã sem sofrer represálias dos Estados Unidos", disse França na ocasião.
De acordo com o especialista ouvido pela Sputnik, os objetivos de Washington com essas recentes movimentações em direção ao Brasil seriam estritamente vinculados a aspectos econômicos, geopolíticos e estratégicos. Ele compara essa aproximação ao que vem ocorrendo na Europa, onde Washington levou seus parceiros a adotarem medidas prejudiciais aos países do continente em nome dessa agenda antirrussa.

"A Europa pagará um preço muito alto pelas sanções à Rússia, enquanto os EUA serão menos afetados. Contudo os governos europeus estão vinculados aos preceitos de Washington e ganhando muito com isso sob o ponto de vista pessoal de seus governantes. Já a população é que será afetada."

Ainda segundo Pennaforte, os Estados Unidos viram a operação russa na Ucrânia como uma grande oportunidade para tentar enfraquecer o presidente russo, Vladimir Putin, e buscar até uma mudança forçada de governo na Rússia.
"Com a parceria de governos europeus que se comportam como 'satélites' da política externa dos EUA (Grã-Bretanha, Alemanha, França e Itália), jogaram no lixo toda e qualquer coerência. Aliados europeus e dos EUA, como a Arábia Saudita, por exemplo, contam com total apoio militar, político e moral. Mesmo perseguindo, torturando e matando opositores. Onde está a preocupação com os direitos humanos? O objetivo primordial dos democratas e seus 'satélites' é tentar alterar ou pelo menos enfraquecer Vladimir Putin até a consolidação de seus objetivos militares", opina.
Comentar