Quão confiáveis são as pesquisas eleitorais no Brasil?
A menos de quatro meses das eleições de 2022, uma pauta que tem tomado conta do debate político são as pesquisas eleitorais e seus resultados. Em meio a críticas e polêmicas, a Sputnik Brasil explica o que está por trás dos números e porcentagens divulgados pelos institutos.
Sputnik"Se as eleições para presidente do Brasil fossem hoje, em quem você votaria?" É geralmente com essa pergunta que começa a maior parte das entrevistas para pesquisas eleitorais pelo país.
Nesse recorte, chamado de espontâneo, o entrevistado pode usar a imaginação e escolher o nome favorito que vier à sua cabeça. Em eleições mais acirradas, como a de 2022, os participantes costumam ter seus candidatos mais na ponta da língua, e o resultado indica se há ou não consolidação do voto.
Na sequência vem a questão mais importante e mais divulgada: "Se as eleições para presidente do Brasil fossem hoje e os candidatos fossem esses, em quem você votaria?" Nesse cenário, chamado de estimulado, quando são apresentados os nomes em disputa, o que se vê são as intenções de voto dos eleitores no momento em que foram abordados.
O professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Fabio Pereira de Andrade, doutor em administração pública e governo, afirma que a maioria das pesquisas eleitorais no país é feita por amostra não probabilística.
Em português mais claro, ele explica que os participantes não são selecionados de maneira totalmente aleatória — mesmo seguindo as proporções de representatividade — dentro do universo completo de 152.303.709 eleitores brasileiros, conforme dados de maio do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Segundo o especialista, isso implicaria custos bem mais altos e não geraria impacto significativo no resultado.
Ou seja, em geral as amostras costumam ser divididas em partes que reflitam proporções da população, de acordo com sexo, renda, idade, região etc., mas não há um sorteio que leve um pesquisador a entrevistar, por acaso, apenas uma pessoa em um município de difícil acesso.
Além disso, boa parte das pesquisas se baseia em três fontes de dados para estabelecer os estratos populacionais: informações oficiais do TSE, o censo demográfico (o último foi realizado em 2010) e, principalmente, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua). Tanto o censo como a PNAD são realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
"Pela questão de 'custo versus efetividade', os institutos desenham as amostras a partir de dados da PNAD, tentando espelhar ao máximo a população. Essa é a forma de combinar a metodologia científica com os dados disponibilizados trimestralmente pelo IBGE", indicou Andrade.
Os dois institutos de pesquisa mais reconhecidos do país, o Datafolha e o Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria, antigo Ibope), usam diferentes metodologias, mas têm chegado a resultados parecidos. Enquanto no primeiro as entrevistas são realizadas nas ruas, em pontos de fluxo nas cidades, no segundo os pesquisadores vão às casas das pessoas.
Segundo o
último levantamento do Datafolha, divulgado em 26 de maio, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lidera com folga a corrida presidencial, com
48% das intenções de voto, contra
27% do presidente Jair Bolsonaro (PL). Ciro Gomes (PDT) é o terceiro, com
7%.
Considerando apenas os votos válidos — com a exclusão de brancos, nulos e indecisos —, o petista chega a 54%, o que indica possibilidade de vitória no primeiro turno.
Foram entrevistadas 2.556 pessoas, distribuídas em 181 municípios, nos dias 25 e 26 de maio de 2022. Segundo o Datafolha, a margem de erro da amostra é de até dois pontos percentuais, para mais ou para menos, dentro de um nível de confiança de 95%.
Já a
última pesquisa do Ipec foi feita no fim do ano passado e divulgada em 14 de dezembro. Na ocasião, o instituto apontou Lula com
48% e Bolsonaro com
21%. Ciro aparecia com 5% no levantamento, que ainda tinha os nomes do ex-juiz Sergio Moro (6%) e do ex-governador de São Paulo João Doria (2%).
Segundo o Ipec informou à Sputnik Brasil, "a grande maioria das entrevistas é feita nos domicílios, mas o entrevistador também pode abordar pessoas que estejam circulando, desde que residam no setor censitário selecionado na amostra".
O levantamento foi feito de 9 a 13 de dezembro e ouviu 2.002 pessoas em 144 municípios. A margem de erro também é de dois pontos percentuais, com nível de confiança de 95%.
Defasagem por falta de novo censo demográfico?
Apesar de as pesquisas não serem comparáveis, por diferenças em metodologia e de cenários, ambas indicam a tendência de Lula de fato estar liderando a disputa, com Bolsonaro em segundo.
Eleitores de Bolsonaro têm desdenhado dos
números do Datafolha. Nessa última divulgação, os apoiadores do presidente
usaram o termo "DataPovo" nas redes sociais para se contrapor ao instituto, exibindo imagens de manifestações de rua favoráveis a Bolsonaro, ferrenho crítico do Datafolha.
Além de Bolsonaro, Ciro Gomes (PDT) já minimizou as pesquisas. Em entrevistas recentes, o pré-candidato chegou a afirmar que a amostragem empregada estaria defasada devido ao período transcorrido desde o último censo demográfico no país, há 12 anos.
"O terreno mais propício para fake news não é o da completa mentira. É o das meia-verdades. De fato, alguns pontos ficam um pouco desfocados, mas não inviabilizam as pesquisas. É um ponto de atenção. É perigoso quando se caminha para desacreditar totalmente as pesquisas", afirmou Andrade, professor da ESPM.
Segundo ele, a pesquisa eleitoral "é um retrato, não uma previsão", e o comportamento do eleitor é "algo muito volátil".
"A base de 2010 foi mudando ao longo do tempo. Então há algum comprometimento, mas que não é significativo. Temos que confiar nas atualizações que a PNAD tem nos mostrado sobre os dados populacionais", disse o especialista.
A CEO do Ipec, Márcia Cavallari, afirmou à Spuntik Brasil que a defasagem da base de dados oficial "é sempre um problema", mas a falta de um novo censo demográfico "está sendo contornada com as PNADs".
Segundo ela, com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, o instituto "tem as informações necessárias para a elaboração das amostras".
"Os políticos que não estão na frente sempre vão desacreditar as pesquisas. Sempre foi assim, e continuará sendo. Nunca vi alguém que estivesse na frente na pesquisa criticá-la", disse Cavallari.
Ela explica que as pesquisas apontam as tendências do eleitorado e mostram como está o desempenho das candidaturas. Já o resultado oficial da votação, segundo Cavallari, "é um ponto a mais na curva de tendência" dos levantamentos.
"As pesquisas são um retrato do momento. Elas não podem ser projetadas para o futuro, pois refletem o momento no qual foram coletados os dados", afirmou a CEO do Ipec.
Para José Paulo Martins Júnior, professor de ciência política da Universidade Federal Fluminense (UFF), faz sentido a população ter desconfiança por desconhecimento, mas ele afirma que quem conhece estatística e pesquisa quantitativa sabe que, se a seleção for bem distribuída, uma amostra com três mil pessoas já é "excelente".
O especialista diz que nenhum vídeo com aglomeração de apoio a algum candidato comprovaria seu favoritismo. Segundo ele, "a base do bolsonarismo é engajada e luta para mostrar força, mas as pesquisas indicam grande vantagem para o Lula".
"Ter apoiadores reunidos em motociatas e eventos festivos não quer dizer absolutamente nada. É possível haver dezenas de vídeos com apoio a Lula, a Ciro e até mesmo a [Simone] Tebet [MDB]", disse.
O especialista aponta que os seguidores do presidente "precisam criar uma narrativa para sustentar que as pesquisas fazem parte de um grande pacote de fraude que o sistema vem usando para derrotar o Bolsonaro".
"Para mim, é delírio acreditar nisso. Mas está claro que o Bolsonaro não acredita e está usando isso [críticas às pesquisas] para tentar mobilizar sua base e desestabilizar o sistema político brasileiro", afirmou. "O mesmo vale para o Ciro. Procura desacreditar porque está atrás."
A cientista política Mayra Goulart, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), avalia que todos os candidatos levam a sério os levantamentos.
"Há uma ampla profissionalização da atividade política. As pesquisas são a principal ferramenta de quem trabalha com campanha. Então não acredito que haja desconfiança por parte desses operadores da política", analisou a especialista.
Goulart ressalta ainda que é um "equívoco" supor que as pesquisas seriam algum tipo de previsão do resultado das eleições. "São uma fotografia de momento. Se depois se altera, não tem problema. Não tira a confiabilidade", disse.
A famosa 'margem de erro'
Uma dúvida muito comum na população em geral é com relação à amostra. Como a opinião de 2 mil a 3 mil pessoas é capaz de representar um universo de quase 150 milhões de eleitores? A resposta está no cálculo estatístico da amostra.
"Primeiramente, a amostragem funciona. Não precisa tirar todo o sangue de uma pessoa para saber se ela tem colesterol [alto] ou não. Em exames médicos, existe um valor de referência para pessoas saudáveis", lembrou o especialista Fabio de Andrade, reforçando que os resultados são avaliados de acordo com um intervalo.
E é exatamente a escolha do valor da margem de erro, segundo ele, que define o tamanho da amostra. Isso porque quanto menor for a margem de erro desejada pelo instituto em sua pesquisa, maior deverá ser a amostra, ou seja, a quantidade de entrevistados. E com menos de 3 mil pessoas já é possível trabalhar com uma margem de erro de 2%, segundo cálculos estatísticos.
O Datafolha
afirma que os resultados obtidos a partir da amostra podem ser generalizados para o universo, sem desconsiderar seus "limites". Assim, o possível "erro admitido" foi nomeado de margem de erro.
O professor Andrade, da ESPM, afirma que há um problema na forma como o conceito é divulgado. Ele critica a afirmação de que todos os candidatos estariam entre dois pontos percentuais para menos e para mais na taxa encontrada pela pesquisa.
De fato, o Datafolha esclarece que a margem de erro "varia de acordo com o percentual obtido por cada candidato".
"O Datafolha divulga a margem de erro 'máxima', isto é, a margem de erro para percentuais próximos a 50%. Quanto mais distante de 50% for o percentual obtido por um candidato, menor será a margem de erro", aponta o instituto.
Ou seja, o candidato Lula, que aparece perto dos 50% nas pesquisas, poderá ter uma variação maior em suas reais intenções de voto, para mais ou para menos.
Independentemente disso, quem não pode mesmo ter muita "margem" para errar são os candidatos do último pelotão, já que, se a tendência das pesquisas continuar se confirmando, as chances de segundo turno para uma "terceira, quarta ou quinta via" vão ficando cada vez mais próximas de zero.