Forças Armadas ou agronegócio: quem ficará com a vaga de vice de Bolsonaro?
A Sputnik Brasil conversou com especialistas para entender quais as intenções e estratégias do presidente Jair Bolsonaro em sua busca pela reeleição. Apesar de Tereza Cristina aproximar a campanha do agronegócio e do eleitorado feminino, o general Walter Braga Netto tem maior proximidade com o chefe do Executivo.
SputnikA princípio, o vice-presidente da República pode não ter grandes atribuições, mas o cargo vem ganhando cada vez mais visibilidade no Brasil. Enquanto a chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já tem o nome do ex-governador Geraldo Alckmin definido desde abril, o
presidente Jair Bolsonaro indica que protelará a escolha de seu vice para as eleições de 2022.
Após ter o general Hamilton Mourão como segundo na linha sucessória há quatro anos, Bolsonaro busca novo nome para tentar a reeleição, em outubro. Até o momento, o presidente acena para dois setores que deram sustentação à sua candidatura no último pleito: os militares e o agronegócio, nas figuras do ex-ministro da Defesa e da Casa Civil Walter Braga Netto e da ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina, respectivamente.
"No limite... Quanto mais tarde melhor. Porque essa pessoa que, a princípio, deve ser a vice está também se adaptando... Porque se eu falo que é o 'João', você hoje vai para cima do 'João', e pode ser que ele não esteja preparado para responder as perguntas que vocês merecem", despistou Bolsonaro em entrevista a repórteres no Palácio do Planalto, conforme noticiou o jornal Extra, na última segunda-feira (13).
Na ocasião, o presidente aproveitou para elogiar Braga Netto, afirmando que o ex-interventor federal no Rio de Janeiro (2018–2019) é "
um nome palatável, de consenso e que
sabe conversar com o Parlamento". Mas frisou que alguns aliados gostariam de ver como vice a ex-ministra da Agricultura, que, segundo ele, seria "um
excelente nome também".
O professor de ciência política José Paulo Martins Júnior, da Universidade Federal Fluminense (UFF), avalia que Braga Netto está mais alinhado ao histórico político de Bolsonaro. Para o especialista, com o ex-ministro da Defesa e da Casa Civil o presidente teria "não uma garantia, mas maior tranquilidade" em eventuais conspirações do Legislativo contra seu mandato, devido à proximidade de classe.
Tereza Cristina é deputada federal desde 2015 e conta com prestígio no bloco do "centrão", no Congresso Nacional, que dá sustentação ao governo.
"Sem dúvida é o militar o campo que ele transita melhor, haja vista os milhares de militares em cargos de confiança. Um pouco diferente da Tereza Cristina, que certamente não é alguém com quem Bolsonaro tinha relação antes. Ela comandou um ministério importante, fez uma boa figura, diferentemente de outros ministros. Manteve-se no governo desde o início, fiel a Bolsonaro, mas é política. Isso pode preocupar o presidente", ressaltou Martins Júnior.
O cientista político Danilo Bragança, professor de relações internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em Defesa, não acredita que o presidente fará movimentos em busca de ampliação de sua base. Segundo ele, além de "mal assessorado", Bolsonaro já avalia que tem "base extensa o suficiente".
"Não há nada que indique, neste momento, que o vice não será um general de novo. E o Braga Netto faz parte de uma linha de pensamento dentro das Forças Armadas ainda mais radical e próxima ao bolsonarismo do que o Mourão", disse Bragança, que também é pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política Externa Brasileira da UFF (LEPEB-UFF).
Para o especialista, por mais que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, dê suporte a Bolsonaro, "quem sustenta o governo, na prática, são as Forças Armadas", representada, em sua ala mais radical, por Braga Netto.
"Mourão talvez tenha sido um casamento de conveniência [em 2018], e agora Bolsonaro casaria por afinidade, por gosto", disse.
Tereza Cristina como estratégia contra Lula?
Para Martins Júnior, Bolsonaro já tem boa relação com empresários do agronegócio e não seria uma indicação de Tereza Cristina que ajudaria ou impediria um eventual crescimento da chapa de Lula no setor.
"Acho que simplesmente consolidaria o avanço de Bolsonaro no agronegócio e talvez dificultasse um pouco para Lula e Alckmin", afirmou.
Danilo Bragança avalia que, independentemente da chapa nas eleições presidenciais, a boa relação de Bolsonaro com o agronegócio continuará.
"Mesmo em situação de insegurança alimentar, o agronegócio segue mantendo bons patamares de produtividade, não necessariamente por políticas do Bolsonaro, mas por afagos, subsídios que foram dados ao setor", frisou.
Para ele, Tereza Cristina seria uma escolha "mais racional", devido à maior aceitação no mercado e em outros setores da economia, representando uma "moderação" na campanha.
"Mas não acho que o momento agora seja o da moderação. Não sei se essa é a vontade da base eleitoral mais fiel, que vai até reclamar que ela não é da base bolsonarista e que o presidente estaria se vendendo para o centrão, e isso, na prática, pode ser mais um tiro no pé", ponderou.
Impactos no eleitorado feminino
De
acordo com a última pesquisa eleitoral do instituto Datafolha, Bolsonaro está 21 pontos percentuais
atrás de Lula em intenções de voto no primeiro turno. No recorte entre as mulheres, a distância sobe para 26 pontos. De
48% a 27% no geral, as intenções são de
49% a 23% para Lula entre elas.
Segundo Martins Júnior, politicamente "seria mais importante" ter uma vice mulher para "tentar romper a resistência" que Bolsonaro tem no público feminino. Mas o especialista avalia que para o presidente o quesito não teria peso maior do que a fidelidade do ocupante do cargo.
"Ela é política, pode azeitar mais sua relação com políticos, mas Bolsonaro teme a indicação de nomes políticos como vice, porque vice é alguém que ele não pode demitir e tem que engolir até o final. Isso pode ser arriscado para ele", afirmou.
Já Danilo Bragança não acredita que Tereza Cristina seria o nome ideal para alavancar a chapa em meio ao eleitorado feminino. Para ele, o perfil das eleitoras de Bolsonaro seria mais atraído, por exemplo, pela ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Alves, pré-candidata ao Senado pelo Distrito Federal.
"Se a escolha fosse por Damares, talvez a questão com o eleitorado feminino fosse mais acentuada, mas Tereza Cristina não representa a pauta da mulher na visão do eleitorado feminino. Isso não converteria votos", avaliou.
Segundo ele, até a pré-candidata à Presidência pelo MDB, Simone Tebet, "teria mais chance de amealhar" o segmento pela representação, histórico e combatividade no Senado.
"Estamos falando de um 'conceito Damares' de feminilidade, de família e de direitos humanos. A Tereza se propôs a uma atuação bem mais discreta na vida política, mantendo-se alheia às crises criadas pelo governo, exatamente porque era a pauta de costumes que fazia a diferença", disse.