A maior economia do mundo está em apuros. O produto interno bruto (PIB) dos Estados Unidos fechou o primeiro trimestre deste ano em 1,6%, um recuo significativo frente aos 6,9% registrados no trimestre anterior; a inflação chegou perto dos dois dígitos em maio, fechando o mês em 8,6%, o maior percentual dos últimos 40 anos; os preços dos combustíveis dispararam, e atualmente o galão de gasolina nos EUA é vendido por cerca de US$ 4,8 (cerca de R$ 25,60); e os produtos agrícolas foram impactados pela alta dos combustíveis, e os alimentos ficaram mais caros para o consumidor.
Essa espiral descendente da economia americana tem como pano de fundo — e um dos fatores causadores — o conflito entre Rússia e Ucrânia. O presidente americano, Joe Biden, está engajado em uma política de intervenção no conflito, que tem como principal arma as sanções econômicas contra a Rússia.
Para entender quais podem ser as consequências dessa política de Biden, a Sputnik Brasil entrevistou Vinícius Rodrigues Vieira, doutor em relações internacionais pelo Nuffield College e professor de relações internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP).
Primeiro, Vieira explica que Biden e a União Europeia (UE) foram levados a intervir no conflito por conta da pressão gerada pela decisão do presidente ucraniano, Vladimir Zelensky, de ficar em Kiev. Essa decisão eliminou para os EUA e a UE a opção mais sensata de resolver a questão da adesão ucraniana à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) por meio de um acordo com a Rússia. E a opção que restou foi apoiar Zelensky a qualquer custo.
Segundo Vieira, não intervir de alguma forma geraria críticas a Biden por parte da opinião pública americana, em especial a parcela da população que ele intitula de "base urbana metropolitana cosmopolita do Partido Democrata", que elegeu Joe Biden. Vieira afirma que essa parcela da população enxerga a intervenção "como uma defesa dos valores liberais defendidos pelos EUA" e ainda considera o país "uma potência unipolar". Entretanto essa mesma parcela "tem dificuldade em entender que seu apoio à guerra contra Putin, seu apoio à Ucrânia, é o que provoca a inflação nos EUA".
Vieira lista como principal erro de Biden e da UE o uso de sanções como forma de tentar constranger Vladimir Putin. Segundo ele, essa decisão "foi um tiro no pé do Ocidente", pois causou indiretamente inflação nos EUA.
"Sanções impedem o livre fluxo de bens, de comércio. O conflito por si só já causaria turbulências nesse sentido, mas as sanções apenas agravaram essas turbulências", diz Vieira.
Em contraponto, "a Rússia tem hoje o rublo mais valorizado do que antes, consegue comercializar com ajuda da China e da Índia".
Vieira diz não ter dúvida de que o uso das sanções foi responsável, mesmo que indiretamente, pelo derretimento da popularidade de Biden. Uma recente pesquisa de opinião da Reuters/Ipsos apontou que 57% dos americanos estavam insatisfeitos com o governo Biden. Paralelamente, 71% dos eleitores americanos não querem que ele tente a reeleição, e, nos bastidores, o Partido Democrata já estuda descartar o presidente, dependendo dos resultados das eleições legislativas de novembro.
Para os democratas, as perspectivas para as eleições legislativas não são boas. Vieira explica que o aumento da inflação ameaça levar o partido a uma derrota acachapante. Ele destaca que, embora outras questões comportamentais e culturais tenham causado agitação no cenário interno, é a economia que se configura como o principal fator que pode fazer com que o partido do governo seja punido com perda de assentos no Congresso.
Questionado sobre a possibilidade de o cenário atual levar a um recrudescimento de força do Partido Republicano, Vieira diz que "não há dúvidas que sim", a chance de os republicanos retornarem ao poder é real. Mas, segundo Vieira, não "os republicanos tradicionais, que são conservadores, mas são (ou eram) favoráveis ao livre mercado e tinham respeito pelas instituições americanas". Quem pode retornar ao poder, segundo ele, é a ala mais populista de direita do partido, apoiada por Donald Trump, com viés isolacionista e interesses de "solapar a democracia americana".
"Uma derrota de Biden hoje, infelizmente, é uma derrota da democracia americana. A ala populista do Partido Republicano cresceu muito e é aquela que mais se beneficia com a queda de Joe Biden", diz Vieira.
Vieira finaliza afirmando que "se os republicanos forem capazes de não apenas ganhar maioria neste ano [no Congresso], mas de voltar à Casa Branca em 2024, será bastante forte essa reação, mais isolacionista e refratária ao envolvimento com grandes questões internacionais".