'Degradação ambiental só gera mais pobreza': quais os desafios do próximo governo no Meio Ambiente?
09:00, 6 de setembro 2022
O Dia da Amazônia é marcado por lei na segunda-feira (5), mas pouco há o que se comemorar. Desde que a legislação ambiental começou a ser criada, no começo dos anos 1980, passando pelos avanços da Constituição de 1988 até meados de 2014, o Brasil obteve diversos avanços. Isso, no entanto, foi interrompido ora gradativamente, ora de forma acelerada.
SputnikÉ o que avaliam
especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil, que projetaram os principais desafios do próximo presidente eleito no mês que vem, seja ele o
atual líder das pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva (PT),
Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição, ou outro candidato.
1 de setembro 2022, 21:31
Para Braulio Dias, professor do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (Unb) e ex-secretário-executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), da Organização das Nações Unidas (ONU), esses progressos ao longo de décadas se refletiram em políticas públicas e programas governamentais estabelecidos. Isso é um referencial, um pano de fundo que contextualiza o que veio a seguir.
"Nos últimos oito anos, pelo menos, tem havido retrocessos, em parte associados à recessão econômica, com corte de gastos e restrições orçamentárias, aliados ao sucateamento do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] e do ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade], além do retorno das queimadas e do desmatamento no Brasil", aponta, em entrevista à Sputnik Brasil.
Embora ele note que as queimadas e os incêndios florestais tenham aumentado nos últimos dez anos, ele diz que decisões políticas, sobretudo por parte do atual governo, têm seu peso, a ser revertido (ou não) na próxima gestão.
"Existe a questão de política. Bolsonaro falou que o objetivo era reduzir o controle ambiental do governo, flexibilizar atividades privadas reduzindo aplicação de multas e fiscalização. Esse governo descumpriu a legislação ambiental, o que ampliou as queimadas e os garimpos em áreas ilegais. O desafio do próximo mandato é restaurar o papel do governo para cumprir a legislação ambiental. Dentro disso, o principal desafio é reverter todos os decretos e portarias que acabaram com a fiscalização dos órgãos ambientais", pondera Dias.
1 de dezembro 2020, 10:58
O especialista sinaliza que a preservação dentro do programa de conservação de animais ameaçados é um dos poucos pontos positivos do atual governo, que tem dado continuidade à proteção.
A questão do saneamento básico, problema crônico do país, também teve uma evolução.
A lista de boa manutenção de políticas ambientais, no entanto, para por aí.
As decisões governamentais pesam, por exemplo, no Fundo Amazônia, que sofreu um embargo por ordem do ex-ministro Ricardo Salles e está com R$ 3 bilhões em recursos congelados — eles são destinados a órgãos federais e organizações civis.
O entrave para o fundo, na verdade, é uma decisão política e ideológica sobre o tema, prossegue o professor da Unb, porque Salles não admitia que entidades civis recebessem o dinheiro.
De acordo com dados divulgados pela rede Observatório do Clima ontem (5), durante os quatro primeiros dias deste mês, o número de queimadas no bioma amazônico é oito vezes maior do que no ano passado: já são 12.133 focos de incêndio em quatro dias contra 16.742 em todo o mês de setembro de 2021.
Para efeito de comparação, durante o famigerado Dia do Fogo, que causou uma crise internacional em 2019, houve o registro de 2.366 focos.
"O que estamos vendo em setembro é mais do que um Dia do Fogo por dia", disse a organização nas redes sociais. "Em agosto já tivemos o maior número de queimadas para o mês desde 2010."
26 de novembro 2020, 16:55
Paralisação institucional
À Sputnik Brasil, Suely Araújo, especialista sênior em políticas do Observatório do Clima, aponta que o desafio é "enorme": reconstruir tudo aquilo que "foi implodido pelo governo Bolsonaro".
"Não é que a política ambiental fosse isenta de problemas; eles sempre existiram. Temos uma legislação ambiental forte com dificuldades históricas de implementação. Mas o governo Bolsonaro desconstruiu institucionalmente a política ambiental, de uma forma que os programas estão paralisados. Os órgãos ambientais estão desestruturados, sem recursos e sem legitimidade. Há um esforço enorme a ser feito de reconstrução. Será necessário atualizar o que foi feito até 2018 e corrigir problemas. Mas, de imediato, o governo que vai entrar precisa iniciar uma retomada da política ambiental, já na primeira semana e com medidas fortes nesse sentido", avaliou.
A especialista nota que a política ambiental foi relativamente estruturada a partir de 1981, com a lei da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), que monta o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), cria o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e obriga a formalização do licenciamento ambiental no país como um todo.
São, portanto, 40 anos de política ambiental.
"Mas, pela primeira vez na história, tivemos um governo que opta pela desconstrução. Até 2018, há variações entre governos acerca das políticas ambientais, há diferenças de ferramentas priorizadas, mas nunca o movimento foi no sentido da destruição, como fez o governo Bolsonaro", afirma Araújo.
13 de dezembro 2021, 16:22
Quanto ao aprendizado com o passado, ela indica que é preciso investir muito no controle do desmatamento da Amazônia e de outros biomas.
A especialista também mencionou a reativação do Fundo Amazônia, com seu saldo bilionário congelado, além do reposicionamento em termos de atuação dos órgãos ambientais federais.
"O Ibama e o Instituto Chico Mendes precisam ser fortalecidos. A Agência Nacional de Águas precisa voltar para o âmbito do Ministério do Meio Ambiente, assim como o Serviço Florestal Brasileiro. Na verdade, é preciso reorganizar toda a governança federal ambiental; ela precisa ter força, precisa ser influente. A questão ambiental precisa perpassar todos os ministérios, com o fortalecimento do Ministério do Meio Ambiente e de suas autarquias. Eles se somam, e não são coisas excludentes", diz a especialista.
Ela lembra que é preciso fazer uma varredura em terras indígenas protegidas, mencionando que há mais de 20 mil garimpeiros somente nas terras Yanomami.
Tudo sob um olhar que leve em consideração a mudança climática nas políticas públicas, em diferentes áreas.
"A questão climática envolve desmatamento, agropecuária, indústria, energia, resíduos… É preciso ter um olhar sobre políticas públicas que considere os aspectos de mitigação de gases do efeito estufa e de adaptação às mudanças climáticas. Isso também é uma medida urgente, e o próximo governo tem que estruturar suas ações olhando para o clima e para a biodiversidade. Só assim nós garantimos condições de crescimento econômico. A degradação ambiental só gera mais pobreza", conclui.
2 de setembro 2022, 11:05