Notícias do Brasil

BRICS é a saída? Presidente eleito terá 'perspectiva de caos sistêmico' global

O Brasil enfrenta grandes desafios no cenário internacional no próximo período. Diante da possibilidade de uma recessão global, o governo que assumir em 2023 terá que estar muito atento à conjuntura internacional.
Sputnik
Especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil acreditam que o Brasil passou por uma inflexão nas relações exteriores nos últimos anos, deixando de lado o papel de liderança regional e global que o país representou em outros momentos.
Para Giovanna Zucatto, pesquisadora do Núcleo de Estudos de Teoria Social e América Latina (NETSAL), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a partir do governo de Michel Temer (MDB), em 2016, houve um "desmonte" da política externa consolidada anteriormente, com foco no crescimento do papel de liderança do país. Segundo a especialista, desde então, o Brasil tem abandonado certas práticas da sua tradição diplomática.
"Há uma diplomacia de realinhamento também, um realinhamento de pautas nos fóruns internacionais. A gente vai ver de uma maneira muito forte na questão ambiental, nos direitos das mulheres. Um realinhamento à diplomacia do Donald Trump [...] e o fortalecimento das redes de extrema-direita no mundo, ainda que não exatamente da diplomacia oficial, mas da atuação internacional do governo Jair Bolsonaro", explicou à Sputnik Brasil.

"O principal desafio é remontar a atuação internacional do Brasil para voltar a ser um player relevante nos fóruns internacionais. Voltar a se colocar como mediador de conflitos, voltar a priorizar o entorno estratégico na América do Sul, voltar a fortalecer as relações bilaterais com nossos parceiros históricos. [...] Reconstruir as relações diplomáticas e comerciais com os países da África e do sul global como um todo", aponta Zucatto.

Palácio Itamaraty, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF). Foto de arquivo
Para a especialista, a questão ambiental é fundamental nesse processo de reposicionamento do país, principalmente pela emergência de lideranças na América Latina alinhadas com essa agenda.
Nesse sentido, a pesquisadora também destaca que houve retrocessos nas relações com os países do BRICS e no Mercosul. Para ela, os parceiros históricos devem ser priorizados e tanto o BRICS quanto o Mercosul devem ser fortalecidos.

"O Brasil deve, nesse sentido, apoiar a entrada da Argentina no BRICS, construir um bloco forte sul-americano dentro do BRICS. Isso serve muito para reforçar o papel do BRICS no mundo, e a gente está pensando em um cenário [...] [de] uma recessão global, que não sabemos quanto tempo vai durar [...]. Ao mesmo tempo entender que o comércio internacional vai aos poucos se realinhando", disse Zucatto.

"Vejo como uma potencialidade muito grande a entrada da Argentina no BRICS, pensando esse bloco para além da questão política, reforçar o Banco do BRICS [Novo Banco de Desenvolvimento, NBD], tudo isso justamente tendo em vista que a gente vai entrar em uma recessão global, ou já entrou. Vejo isso como um passo para a gente se fortalecer economicamente nos próximos anos e para pensar em novas formas de fazer comércio que não sejam exatamente com o dólar", reforçou a especialista.
Panorama internacional
Banco do BRICS alcançou mais sucesso que muitas instituições europeias, diz embaixador da Índia

'Perspectiva de caos sistêmico' para quem ganhar eleições

A situação global atualmente é bem diferente das encontradas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, e pelo presidente Jair Bolsonaro, em 2019, afirma o professor de relações internacionais das Faculdades de Campinas (Facamp) Pedro Costa Junior.
Segundo o especialista, independentemente de quem vencer as eleições em 30 de outubro, o próximo líder enfrentará uma "perspectiva do caos sistêmico", devido ao conflito ucraniano e seus efeitos subsequentes, como a corrida militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e as sanções econômicas do Ocidente.
Na sua avaliação, o presidente eleito ao fim do mês precisará estudar o "redesenho" global a partir de 1º de janeiro.

"É um mundo vivendo uma guerra na Europa envolvendo a maior potência nuclear global, a Rússia, com outras potências globais por trás dessa guerra. É um mundo radicalmente diferente de 2003 e de 2019. Esse é um primeiro elemento: quem ganhar vai encontrar um mundo completamente desafiador, na perspectiva do caos sistêmico", analisou Costa Junior, em entrevista à Sputnik Brasil.

Em Moscou, o presidente da China, Xi Jinping (à esquerda), cumprimenta o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em 5 de junho de 2019. Foto de arquivo
O especialista aponta ainda dois elementos-chave para a elevação das tensões globais: a expansão da OTAN sob o comando do Partido Democrata, após a eleição do presidente Joe Biden, nos EUA, e, em oposição, a aproximação entre China e Rússia contra o avanço da organização militar.

"A Eurásia vai reconfigurando as relações internacionais, a partir do eixo sino-russo. Junto a isso, temos uma reconfiguração 'atlanticista'", disse.

O professor lembra que, no governo do ex-presidente Donald Trump, os EUA buscaram reduzir os gastos com a OTAN e confrontaram aliados europeus. Segundo ele, com Biden e o início do conflito, a OTAN ressuscitou, capitaneada pelos EUA, que passaram a injetar bilhões de dólares e armamentos na Ucrânia, sustentando o governo de Vladimir Zelensky.

"Nas palavras de [Emmanuel] Macron [presidente da França], a OTAN vivia uma morte cerebral, porque o Trump a tinha implodido, chegando a falar em tirar os EUA da organização", recordou. "Temos um mundo onde o 'atlanticismo' vai sendo reordenado, com problemas sérios, pois os EUA estão divididos, porque há eleições e o trumpismo segue vivo, enquanto a Eurásia se reconfigura".

O secretário de Estado Antony Blinken (à esquerda) e o secretário de Defesa Lloyd Austin (à direita) ouvem o presidente Joe Biden falar durante reunião de gabinete na Casa Branca, em 6 de setembro de 2022. Foto de arquivo
Para o especialista, outro elemento importante presente atualmente é a questão climática. Costa Junior avalia que o país precisa de uma "política ambiental séria" para as próximas décadas, usando seu capital internacional.
"O Brasil tem a joia da coroa do mundo. A maior parte da Amazônia está no Brasil. Hoje isso tem um peso muito maior. O Brasil está nas Américas, sofre pressão draconiana do eixo atlântico, mas também está no BRICS, com Rússia e China, jogando dos dois lados, e é o centro da questão climática", afirmou.
O professor aponta que, na nova configuração global, o BRICS é fundamental. Ele diz que o mundo se deslocou para o Pacífico e que a China é "o novo cofre e a nova oficina do mundo".
Quanto ao Mercosul, Costa Junior afirma que o bloco sul-americano foi relegado pelo governo brasileiro. Para ele, a integração regional "foi desmoralizada" no mandato de Bolsonaro.

"Mais uma tragédia do governo é que o Itamaraty deixou de ter uma relação de Estado a Estado e passou a ter uma relação de governo a governo. O presidente Bolsonaro não foi à posse de diversos líderes da região por não serem alinhados à sua ideologia. Pega mal em termos de diplomacia", avalia.

Ele diz que, ao contrário de Bolsonaro, a política externa do governo Lula sempre priorizou a integração regional e as relações Sul–Sul. "Uma coisa que o Lula tem dito é sobre o processo de aprovação da Bolívia ao Mercosul, que só depende do Parlamento brasileiro aprovar", lembrou.
Panorama internacional
Membros do BRICS se comprometem a respeitar a integridade territorial de todos os Estados

'ONU está completamente ultrapassada'

O professor de relações internacionais aponta que um tema importante a ser debatido é o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Em sua visão, há anos o órgão já não representa a nova reordenação mundial.
Ele defende uma reforma para democratizar o conselho e contemplar importantes economias de todos os continentes.
Segundo o especialista, hoje a ONU é uma instituição "antiquada e engessada", que representa um mundo "que não existe mais" ao manter a mesma estrutura do período pós-Segunda Guerra Mundial.

"Precisamos que o conselho tenha, além de Alemanha, Japão e outras importantes economias, a Índia, uma potência populacional e nuclear, e algum país do sul global. Precisamos de um país africano, do Oriente Médio e da América Latina para falar em representatividade. A ONU está completamente ultrapassada", indicou.

Panorama internacional
Putin classifica ataque a gasodutos de 'ato de terrorismo internacional' e vai levar o caso à ONU
Comentar