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Falta de investimento em ciência e tecnologia é gargalo para a Defesa, dizem especialistas

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas criticam o excesso de tecnologia e capital estrangeiro na área de segurança nacional e alertam para a necessidade de se elevar a proteção nas fronteiras.
Sputnik
O Brasil é um país com proporções continentais e uma biodiversidade extremamente rica. Essa posição coloca na mesa a necessidade de proteção, especialmente em um contexto global de agravamento da escassez de recursos.
Porém a nova ordem global, com o advento da Quarta Revolução Industrial, com novas tecnologias, como a Internet das Coisas, trouxe o desafio de se modernizar as Forças Armadas e ampliar a autonomia do Brasil nas áreas de ciência e tecnologia no cenário internacional.
É o que aponta o recente estudo "Tensões Geopolíticas Globais e os Desafios de Fortalecimento da Defesa e Segurança Nacional: apontamentos preliminares", do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). No estudo, os autores alertam que o Brasil não pode ter a ilusão de que não corre risco devido à sua posição geográfica. Eles também destacam que a falta de investimentos em ciência e tecnologia deixa o país vulnerável.
Para saber quais são os desafios enfrentados pelo Brasil na área de defesa nacional nessa nova ordem global, a Sputnik Brasil conversou com Pedro Paulo Rezende, jornalista especializado em defesa e assuntos militares, e Aiala Colares, professor de geografia política e professor e pesquisador de geografia e espaço mundial da Universidade Federal do Pará (UFPA).
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Pedro Paulo Rezende concorda com as conclusões do estudo e destaca que "o maior problema do Brasil, hoje, realmente é falta de investimento em ciência e tecnologia".

"Quando o governo [Jair] Bolsonaro assumiu, os investimentos em pesquisa e em ciência e tecnologia no Brasil, que foram ampliados em 400% durante a gestão do PT, foram reduzidos a quase nada. Além disso, o governo [Michel] Temer, durante a breve gestão dele de dois anos, desarticulou programas importantes das Forças Armadas brasileiras", diz Rezende à Sputnik Brasil.

Rezende cita como exemplo de revés a venda do satélite brasileiro de comunicação, um erro que ele avalia ter deixado o Brasil em uma situação vulnerável.
"O projeto foi todo desenvolvido em conjunto entre os ministérios da Defesa e das Comunicações, e o satélite simplesmente foi vendido para o México. Para Carlos Slim, aquele hiperbilionário mexicano. Foram mantidos dois canais criptografados para as Forças Armadas, mas isso era o mínimo necessário. O México, se quiser, corta o acesso brasileiro a esses canais", argumenta Rezende.
Rezende também critica a desarticulação de grandes empresas do setor de defesa, que impediu um potencial avanço no setor. Ele destaca que, por volta de 2008, "houve um movimento das grandes empreiteiras para o mercado de defesa".

"Grandes empreiteiras, como a Odebrecht, resolveram participar do mercado de defesa. Com isso, as empresas da base industrial da defesa começaram a ter um aporte financeiro importante para os trabalhos que executavam. Um bom exemplo foi o investimento da Odebrecht Defesa e Tecnologia, a ODT, no desenvolvimento de radares e mísseis brasileiros. Ela participou do desenvolvimento de mísseis ar-ar, tanto próprios quanto em sociedade com a África do Sul", destaca Rezende.

No entanto, ele aponta que esse avanço foi cessado pela forma de atuação da Operação Lava Jato. "Com a Lava Jato, a ODT se desestruturou. A ODT, por incrível que pareça, ainda toca, por meio de uma subsidiária, o programa de submarinos da Marinha do Brasil, o Prosub".
Outro ponto criticado por Rezende em relação à autonomia do Brasil em segurança e defesa é o fato de que "a maior parte das empresas brasileiras, hoje, têm capital estrangeiro".

"Na nossa parte de eletrônica embarcada em aviões, que se chama de aviônica, a Aeroeletrônica, em Porto Alegre, está sob controle de Israel, da empresa Elbit. A Akaer, que produz estruturas para os caças Gripen, que a gente adquiriu recentemente da Suécia, está sob controle sueco. Os nossos blindados guaranis que são fabricados pela Iveco, em Lagoa Santa, estão sob controle italiano. A Helibras, nossa fabricante de helicópteros, está sob controle europeu. Ou seja, empresas tipicamente nacionais temos apenas duas, a Avibras e a Embraer", diz Rezende.

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Rezende destaca que o Brasil tem bastante potencial na área de defesa e cita como exemplo "a fabricação do que talvez seja o melhor sistema de lança-foguetes do mundo, o Astros". Porém ele acrescenta que, "infelizmente, falta investimento na área de desenvolvimento de defesa e falta investimento para aquisição de material".
Aiala Colares concorda com as críticas à forma como o atual governo conduz a questão da defesa nacional. E ainda aponta outro elemento: o desvio de foco, trazendo o debate da segurança para o armamento da população.

"A gente tem que destacar um elemento central, que foi esta pulverização de um discurso relacionado ao armamento da população. Isso em hipótese alguma deve ser comparado a uma política de defesa. Houve uma inversão. Ou seja, o Brasil pouco investiu na defesa nacional, na área de segurança, sobretudo no que diz respeito a proteger suas fronteiras, e mais incentivou que a população pudesse comprar armas e promover esta autodefesa", destaca Colares, em entrevista à Sputnik Brasil.

Ele acrescenta que há um "equívoco na dinâmica de interpretação do que seria necessário para promover de fato uma autonomia brasileira na área da defesa". E segundo ele, esse equívoco não apenas eleva a vulnerabilidade no cenário internacional, mas também abre margem para a expansão do crime organizado.
"Nós encontramos, sobretudo na região amazônica, áreas fronteiriças que são extremamente vulneráveis e que, portanto, enfrentam problemas de insegurança pública e de ameaças transfronteiriças, sobretudo com a atuação do crime organizado", alerta Colares.
Ele aponta a proteção das fronteiras como uma das prioridades para a segurança nacional, principalmente na região amazônica, "não apenas a partir de uma presença muito mais intensa nas fronteiras, não só no âmbito da militarização, mas também nas perspectivas de implementação de políticas públicas para reduzir a vulnerabilidade social" nessas regiões.
Para Rezende, "no Brasil, há muita preocupação em se investir em equipamentos tradicionais quando é necessário investir em inovações".
"A gente tem de pensar fora da caixinha, precisamos de um satélite de posicionamento de solo brasileiro, para servir de alternativa ao GPS, ao Glonass russo e ao BeiDou chinês", destaca Rezende, acrescentando que o Brasil "precisa de um satélite de reconhecimento equipado com sistemas de radar, não só para ter uma visão real da Amazônia, mas para garantir a vigilância de fronteiras".
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A desinformação como arma de desestabilização de Estados

Outro ponto levantado pelo estudo é o uso da Internet para cibercrimes e das redes sociais como arma dissimulada para a quebra da coesão nacional. Nesse quesito, Rezende afirma que "o Brasil é extremamente vulnerável a um ataque cibernético".

"Por duas razões: primeiro, por falta de desenvolvimento de produtos na área de defesa cibernética. Havia um projeto de desenvolver sistemas de defesa brasileiros em Campinas, no Centro [de Tecnologia da Informação] Renato Archer, mas isso praticamente foi desativado. Com a saída do governo do PT, passou a ser secundário. O Exército não tem capacidade tecnológica suficiente no comando cibernético, de guerra cibernética, para substituir o que havia antes, essa parceria com o Renato Archer", argumenta Rezende.

Ele acrescenta que a falta de hábito em usar sistemas de criptografia também é um problema. "O funcionário público brasileiro não se habituou a utilizar os sistemas de criptografia que estão disponíveis para ele. É um problema cultural, simplesmente não usa porque tem preguiça. Ou seja, favorece ataques cibernéticos. Isso inclusive na área de relações exteriores. O Itamaraty tem sistemas de proteção e sofre com esse problema cultural", conclui Rezende.
Já Colares destaca que o Brasil tem "uma dinâmica muito complexa nos fluxos de informação". Ele alerta que essa dinâmica complexa, somada ao status do Brasil de ser um dos países com mais usuários de redes sociais, representa "um grande desafio para o próximo governo" na questão de segurança nacional, tanto para impedir que o crime organizado use as redes para expandir sua atuação quanto para impedir que elas se tornem uma arma para governos estrangeiros.
"Acho que esse é um desafio que o próximo governo vai ter de enfrentar, seja de esquerda ou de direita. É fazer com que as informações não representem algum tipo de instabilidade social, política e econômica internamente", finaliza Colares.
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