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Internacionalização do PCC: como enfrentar o avanço do 'profissionalismo de gestão' da facção?

© FolhapressAtaque do PCC (Primeiro Comando da Capital): marca de bala disparada contra agência bancária no Morumbi, em São Paulo, em 9 de agosto de 2006
Ataque do PCC (Primeiro Comando da Capital): marca de bala disparada contra agência bancária no Morumbi, em São Paulo, em 9 de agosto de 2006 - Sputnik Brasil, 1920, 17.08.2022
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Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas apontam que foco no atacado, diversificação de receita e corrupção levaram a facção a ultrapassar as fronteiras do país.
Criada na década de 1990, pouco após o Massacre do Carandiru, o Primeiro Comando da Capital (PCC) se tornou a maior e mais poderosa organização criminosa do Brasil.
Ao longo das últimas três décadas, ela subjugou suas rivais em São Paulo, expandiu seus domínios até a região Norte do país e ultrapassou as fronteiras, chegando ao Paraguai, Bolívia, Peru e Colômbia. Agora a facção está expandindo sua atuação para além da América do Sul. Hoje ela é foco de preocupação de autoridades da Espanha e Portugal, além de ter ligações confirmadas com a 'Ndrangheta, a maior máfia da Itália. E, no ano passado, o presidente americano, Joe Biden, classificou a facção como uma organização criminosa internacional.
Para entender como uma facção brasileira conseguiu angariar poder suficiente para se internacionalizar, a Sputnik Brasil conversou com três especialistas: Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro "A República das Milícias"; Vinícius Domingues Cavalcante, especialista em segurança pública e diretor para o Rio de Janeiro da Associação Brasileira de Profissionais de Segurança (Abseg); e Paulo Storani, antropólogo e especialista em segurança pública, ex-capitão do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro.
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Bruno Paes Manso e Paulo Storani apontam que, para entender o contexto atual de internacionalização do PCC, é preciso analisar como a organização se formou. Eles destacam que ela foi criada dentro dos presídios, seguindo o modelo do Comando Vermelho, a primeira organização criminosa do país nos moldes das que existem atualmente, originada no Rio de Janeiro.
Porém as semelhanças entre as duas organizações param por aí. Isso porque, segundo os especialistas, enquanto o Comando Vermelho e outras facções que atuam no Rio dependem do controle territorial e são voltadas para o varejo do narcotráfico, o PCC tem uma atuação mais voltada para o atacado e para a diversificação de fontes de renda.

"O PCC cobra taxa de toda atividade criminosa que ocorre em determinadas regiões. O narcotráfico é uma das modalidades à disposição para se arrecadar. No Rio, especificamente, as três facções que lá existem atuam controlando o tráfico de entorpecentes desde que foram criadas. O PCC tem uma estratégia de mercado. Eles buscaram controlar a grande produção, o atacado. E o varejo quem faz são exatamente os criminosos que são pequenos grupos que compram e vendem as drogas e estabelecem essa relação comercial", explica Storani à Sputnik Brasil.

Paes Manso aponta para o que chama de "profissionalismo de gestão" da facção. "O PCC se organiza a partir das prisões, tem ligação com o tráfico internacional de drogas, não depende tanto do controle territorial. Eles criaram um profissionalismo no modelo de gestão. O PCC fez contato com produtores de drogas na Colômbia, no Peru, na Bolívia e passou a buscar acesso aos portos. Conseguiram, dessa forma, estabelecer contato com máfias internacionais, como a 'Ndrangheta. Eles já têm laços com a Europa, não só na América do Sul", explica à Sputnik Brasil.
Segundo o pesquisador, a facção "age mais no atacado, vendendo para varejistas que conhecem os bairros, a cena local". "É um acordo mais de negócios do que de violência", diz Paes Manso.
Porém isso não significa que a facção seja pacífica. Em 2006, ela deu uma demonstração de força com o que ficou conhecido como Crimes de Maio. Na ocasião, a facção organizou rebeliões em dezenas de penitenciárias e embates com a polícia que levaram a mais de 500 mortes. O ataque seria uma represália a transferências de líderes do PCC para presídios de segurança máxima. Porém, conforme aponta Storani, haveria um outro objetivo, oculto: a demonstração de força. Segundo ele, foi nessa época que o país "tomou ciência da capacidade de articulação da organização".
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Storani destaca que a resposta dada pelo então governo de São Paulo foi mais um elemento que fortaleceu o PCC. "Em vez de uma resposta dura, para que aquilo não voltasse a acontecer, o que houve foi a negociação de um afrouxamento das medidas disciplinares nas cadeias com a liderança dessa organização criminosa. Na verdade foi um reconhecimento do poder deles. Então o que aconteceu lá atrás, no governo Geraldo Alckmin, repercute até hoje negativamente."
Ele acrescenta que a negociação "resolveu um problema de curto prazo, pacificando a situação, mas resultou em um problema mais grave em médio prazo, que foi o fortalecimento do PCC, que possibilitou o que se presencia hoje com a internacionalização da facção".
Vinícius Domingues Cavalcante, por sua vez, chama a atenção para outros dois fatores que contribuíram para fortalecer a facção a ponto de ela se internacionalizar: a fragilidade do sistema prisional e a corrupção existente dentro das próprias forças de segurança.

"Se o detento consegue falar com o advogado diretamente, sem parlatório, isso dá a possibilidade de atravessar bilhetes e mensagens veladas, das quais as forças de segurança não tomam conhecimento. A gente não dá trabalho para os criminosos. Nas penitenciárias federais, que são mais modernas, isso é dificultado, mas essas não são a maioria das instituições", diz Cavalcante em entrevista à Sputnik Brasil.

Ele acrescenta que "ainda existe outra situação, que é a da corrupção [dos agentes de segurança pública]". "O tráfico movimenta muito dinheiro, e a corrupção não é punida exemplarmente. Se não houvesse a corrupção, isso seria dificultado, mas as nossas leis são muito frouxas. Nós poderíamos apenar em regime de coautoria o agente que colabora com o criminoso", argumenta Cavalcante.
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Storani concorda e aponta para outro fator, que é a cooptação de "advogados que atuam como pombos-correios da facção".

"Eles conseguem transmitir ordens de dentro do presídio não somente por uma fragilidade física do sistema de segurança das unidades carcerárias, mas por conta de uma legislação de execução penal muito condescendente, quase permissiva. Toda vez que se tenta implementar medidas mais restritivas, há uma grande dificuldade em razão da mobilização por parte de alguns advogados, logicamente financiados por essas facções, e também alguns políticos no Congresso, que causam uma resistência muito grande a qualquer medida nesse sentido."

Questionado sobre se a ascensão do PCC no cenário internacional estaria levando o Brasil em direção ao que a Colômbia vivenciou nos anos 1990, com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), Cavalcante discorda. Porém ele não descarta que isso possa estar no horizonte em um futuro próximo.

"Eu acho que a gente está longe de enfrentar o que a Colômbia enfrentou e o que o México enfrenta atualmente. Mas nós não estamos punindo exemplarmente. Nós estamos nos salvaguardando de forma a fazer com que essa realidade, no futuro, venha a ser a nossa realidade", diz o especialista.

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