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'Polícia é polícia, bandido é bandido': o que diferencia a milícia do tráfico?
'Polícia é polícia, bandido é bandido': o que diferencia a milícia do tráfico?
Sputnik Brasil
Em entrevista à Sputnik Brasil, o pesquisador Bruno Paes Manso explica que a ascensão das milícias reflete a histórica relação de proximidade entre a polícia... 16.08.2022, Sputnik Brasil
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A expansão das milícias é uma realidade no estado do Rio de Janeiro. Criadas no início dos anos 2000, em duas décadas elas se alastraram como fogo em rastilho de pólvora. Atualmente elas controlam cerca de 57% dos bairros cariocas, segundo o levantamento "Mapa dos Grupos Armados do Rio de Janeiro", feito em 2020 pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (UFF). Com isso, elas se tornaram um dos principais desafios para a segurança pública.Para entender como as milícias ganharam tanto poder e influência, a Sputnik Brasil conversou com Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro "A República das Milícias".Paes Manso lembra que a raiz das milícias está na Zona Oeste do Rio de Janeiro. "É um modelo que começou a se formar nos anos 1990, em Rio das Pedras [território localizado nessa região da cidade]. Começou articulado por policiais civis, que passaram a controlar o negócio de vans clandestinas."Ele destaca que a Zona Oeste era um território desabastecido de transporte, o que facilitou a exploração do negócio. Essa pode ser considerada uma das primeiras fontes de renda da milícia. Posteriormente, policiais passaram a se organizar em grupos "se apresentando como um sistema de defesa contra a violência e a desordem representadas pelo narcotráfico".Mas por que o Rio de Janeiro foi o local de concepção das milícias? O que há no estado que facilitou a ascensão desse tipo de organização? Segundo Bruno Paes Manso, a resposta está na histórica relação da polícia do Rio com a contravenção, desde sua relação bem consolidada com o jogo do bicho, nos anos 1950. "Sempre foi uma relação muito próxima", destaca o pesquisador. Ele acrescenta que, embora se coloque como uma "força protetora" em princípio, em pouco tempo a milícia expandiu seu controle territorial, com base em extorsões de moradores, em cobrança de taxas, no monopólio da venda de gás. Atualmente tem diversificado suas fontes de renda, incluindo exploração imobiliária e venda de aparelhos de IPTV.Mas se a população é extorquida e coagida pela milícia, o que leva parte dela a apoiar sua retórica, classificando-a de "um mal menor"? Paes Manso explica que a retórica miliciana toca em um dos pontos mais nevrálgicos do ser humano: o risco à própria existência. O fato de o Brasil ser um dos países mais violentos do mundo faz com que a população fique traumatizada, logo a retórica de proteção da milícia, mesmo que deturpada e equivocada, se torna bastante atrativa. Ele acrescenta que, no início da ascensão das milícias, "em 2003, 2005, ainda não havia a noção do que as milícias poderiam se tornar".Com atuações tão parecidas, seria possível dizer que hoje a milícia e o tráfico são dois lados da mesma moeda? Na avaliação de Bruno Paes Manso, sim.Mas ele ressalta que isso não é novidade e torna a apontar que a polícia do estado do Rio tem uma relação antiga com a contravenção e sempre foi violenta. Ele lembra a famosa frase do contraventor Lúcio Flávio, que na década de 1970, queixando-se de policiais que integravam organizações criminosas, declarou em uma de suas prisões: "Polícia é polícia, bandido é bandido. Não podem se misturar, é igual água e azeite".Por fim, o especialista destaca que a ascensão de milicianos na política, bem como a relação próxima com parlamentares, facilitou a expansão e o fortalecimento das milícias. Questionado sobre se essa relação, aparentemente benéfica para os dois lados (exceto para a população), torna de desinteresse político o combate à milícia, ele afirma que "há, sim, parlamentares que estão comprometidos com o Rio de Janeiro, com a democracia no estado, que estão engajados nessa luta [de combate à milícia]". Ele acrescenta que parte da sociedade também, "uma vez que muitos acordaram para o risco à democracia que elas representam"."Porém reverter esse cenário degradado em que o Rio de Janeiro se encontra não é uma tarefa fácil. A gente está em uma fase muito difícil", argumenta Bruno Paes Manso. Ele finaliza destacando que os resultados das próximas eleições terão um papel crucial nesse contexto, "podendo enfraquecer ou fortalecer a milícia".
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'Polícia é polícia, bandido é bandido': o que diferencia a milícia do tráfico?
19:01 16.08.2022 (atualizado: 19:02 16.08.2022) Especiais
Em entrevista à Sputnik Brasil, o pesquisador Bruno Paes Manso explica que a ascensão das milícias reflete a histórica relação de proximidade entre a polícia do Rio de Janeiro e o crime.
A expansão das milícias é uma realidade no estado do Rio de Janeiro. Criadas no início dos anos 2000, em duas décadas elas se alastraram como fogo em rastilho de pólvora.
Atualmente elas controlam cerca de 57% dos bairros cariocas, segundo o levantamento "Mapa dos Grupos Armados do Rio de Janeiro",
feito em 2020 pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (UFF). Com isso, elas se tornaram um dos principais desafios para a segurança pública.
Para entender como as milícias
ganharam tanto poder e influência,
a Sputnik Brasil conversou com Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP) e autor do
livro "A República das Milícias".
Paes Manso lembra que a raiz das milícias está na Zona Oeste do Rio de Janeiro. "É um modelo que começou a se formar nos anos 1990, em Rio das Pedras [território localizado nessa região da cidade]. Começou articulado por policiais civis, que passaram a controlar o negócio de vans clandestinas."
Ele destaca que a Zona Oeste era um território desabastecido de transporte, o que facilitou a exploração do negócio. Essa pode ser considerada uma das primeiras fontes de renda da milícia. Posteriormente, policiais passaram a se organizar em grupos "se apresentando como um sistema de defesa contra a violência e a desordem representadas pelo narcotráfico".
Mas por que o Rio de Janeiro foi o local de concepção das milícias? O que há no estado que facilitou a ascensão desse tipo de organização? Segundo Bruno Paes Manso, a resposta está na histórica relação da polícia do Rio com a contravenção, desde sua relação bem consolidada com o jogo do bicho, nos anos 1950. "Sempre foi uma relação muito próxima", destaca o pesquisador. Ele acrescenta que, embora se coloque como uma "força protetora" em princípio, em pouco tempo a milícia expandiu seu controle territorial, com base em extorsões de moradores, em cobrança de taxas, no monopólio da venda de gás. Atualmente tem diversificado suas fontes de renda, incluindo exploração imobiliária e venda de aparelhos de IPTV.
Mas se a população é extorquida e coagida pela milícia, o que leva parte dela a
apoiar sua retórica, classificando-a de "um mal menor"?
Paes Manso explica que a retórica miliciana toca em um dos pontos mais nevrálgicos do ser humano: o risco à própria existência. O fato de o Brasil ser um dos países mais violentos do mundo faz com que a população fique traumatizada, logo a retórica de proteção da milícia, mesmo que deturpada e equivocada, se torna bastante atrativa. Ele acrescenta que, no início da ascensão das milícias, "em 2003, 2005, ainda não havia a noção do que as milícias poderiam se tornar".
"Tinha uma sociedade muito traumatizada com o tráfico, tiroteios constantes, balas perdidas. Tudo isso deixou a população em estado de alerta, e foi usando esse medo que os policiais se venderam como um 'antídoto'. Só que eles foram ganhando cada vez mais poder, exercendo cada vez mais controle, extorquindo cada vez mais. Porque o poder desmedido acaba nisso", explica.
Com atuações tão parecidas, seria possível dizer que hoje a milícia e o tráfico são dois lados da mesma moeda? Na avaliação de Bruno Paes Manso, sim.
"Eles [milicianos] têm inclusive exploração de droga, estão cada vez mais parecidos. A diferença é que nas áreas ligadas ao tráfico a polícia realiza operações, matando um monte de gente, fazendo espetáculo para parecer que está trabalhando", diz o pesquisador.
30 de dezembro 2020, 14:52
Mas ele ressalta que isso não é novidade e torna a apontar que a polícia do estado do Rio tem uma relação antiga com a contravenção e sempre foi violenta. Ele lembra a famosa frase do contraventor Lúcio Flávio, que na década de 1970, queixando-se de policiais que integravam organizações criminosas, declarou em uma de suas prisões: "Polícia é polícia, bandido é bandido. Não podem se misturar, é igual água e azeite".
"Sempre foi assim. A ilusão de que a violência gera ordem é um grande equívoco. A ligação da polícia com o crime e a atividade ilegal sempre existiu. Já havia reclamação desde aquela época, só que agora perderam o pudor", diz Paes Manso.
Por fim, o especialista destaca que a ascensão de milicianos na política, bem como a relação próxima com parlamentares, facilitou a expansão e o fortalecimento das milícias. Questionado sobre se essa relação, aparentemente benéfica para os dois lados (exceto para a população), torna de desinteresse político o combate à milícia, ele afirma que "há, sim, parlamentares que estão comprometidos com o Rio de Janeiro, com a democracia no estado, que estão engajados nessa luta [de combate à milícia]". Ele acrescenta que parte da sociedade também, "uma vez que muitos acordaram para o risco à democracia que elas representam".
"Porém reverter esse cenário degradado em que o Rio de Janeiro se encontra não é uma tarefa fácil. A gente está em uma fase muito difícil", argumenta Bruno Paes Manso. Ele finaliza destacando
que os resultados das próximas eleições terão um papel crucial nesse contexto, "podendo enfraquecer ou fortalecer a milícia".