Em compasso de espera: como o fisiologismo trava a atuação do Congresso em período eleitoral
09:45, 13 de outubro 2022
A Sputnik Brasil explica como a cultura do fisiologismo pode travar a tramitação de projetos de lei na atual legislatura do Congresso. Segundo cientistas políticos, o mais provável é que parlamentares aguardem o resultado das eleições presidenciais para definir como atuar e que ideologia defender.
SputnikEm 1º de fevereiro de 2023, será iniciada
a nova legislatura do Congresso Nacional. Um dos fatos destacados é a maior presença de parlamentares
alinhados ao conservadorismo. O Partido Liberal (PL), de Jair Bolsonaro, foi o que conquistou o maior número de assentos tanto na Câmara (99) quanto no Senado (13).
Ademais, nove ex-ministros de Bolsonaro conquistaram assentos no Congresso. No Senado foram eleitos: Marcos Pontes (PL-SP), da Ciência, Tecnologia e Inovações; Rogério Marinho (PL-RN), do Desenvolvimento Regional; Sergio Moro (União-PR), da Justiça e Segurança Pública; Tereza Cristina (PP-MS), da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; e Damares Alves (Republicanos-DF), da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Já na Câmara foram eleitos os ex-ministros: Eduardo Pazuello (PL-RJ), da Saúde; Ricardo Salles (PL-SP), do Meio Ambiente; Osmar Terra (MDB-RS), da Cidadania; e Marcelo Álvaro Antônio (PL-MG), do Turismo.
1 de fevereiro 2022, 21:45
Essa nova configuração acendeu o alerta entre apoiadores de pautas rejeitadas por parlamentares conservadores. É o caso do
Projeto de Lei (PL) 442/91, que legaliza e regulamenta os jogos de azar no Brasil. A demanda é antiga e busca trazer para a legalidade jogos de azar como bingos, cassinos, jogo do bicho e apostas on-line, que, embora proibidos, continuam operando na clandestinidade, como aponta o texto original do projeto.
"A prática do jogo, por si, não ofende, não expõe a perigo de lesão ou lesa bens jurídicos fundamentais da sociedade ou do Estado, não sendo relevante, na atualidade, que se o mantenha, demagogicamente, na clandestinidade", diz o documento.
Trata-se de uma abordagem pragmática a uma atividade que atualmente é estigmatizada entre conservadores por questão de moralismo. Aprovado na Câmara em 2016, pela comissão especial do Marco Regulatório dos Jogos, o projeto seguiu para o Senado, onde aguarda votação em plenário. Um grupo de trabalho foi criado para debater o projeto em comissões na Câmara e no Senado.
Um dos defensores do projeto, o deputado Bacelar (Pode-BA), destacou, em uma audiência pública da Comissão de Turismo da Câmara
realizada em setembro de 2021, que a legalização dos jogos pode contribuir com a geração de 700 mil empregos diretos e indiretos e R$ 20 bilhões anuais em arrecadação de impostos. "A legalização de todas as modalidades de jogos de azar pode ajudar o país a sair da crise, principalmente no período pós-pandemia", disse o deputado à época.
Contudo poderia o avanço do conservadorismo colocar em xeque a aprovação dessa e de outras propostas rejeitadas por parlamentares conservadores? Que impactos a nova composição do Congresso poderia gerar na tramitação de pautas nos últimos meses da atual legislatura?
Mayra Goulart, professora de ciências políticas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e coordenadora do Laboratório de Eleições, Partidos e Política Comparada, tem uma visão cética quanto à nova composição do Congresso.
Ela questiona a ideia de que houve uma renovação e argumenta que "a renovação é um rodízio" entre parlamentares que já ocupavam cargos e seus familiares.
"É um rodízio entre elites políticas: sai o pai, entra a filha; o filho se candidata à prefeitura, e entra o genro. Acho que a renovação efetiva está muito baixa. Temos um Congresso no qual são consagrados os grandes líderes políticos das suas localidades, aqueles que controlam suas bases territoriais, que têm voto local", argumenta Goulart.
Por sua vez, a cientista política Clarisse Gurgel, professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), concorda que houve uma certa expansão de partidos conservadores no Congresso. Porém ela ressalta que "o governo Bolsonaro tem como característica atender a reivindicações pontuais de determinados setores que servem de base eleitoral para ele".
Segundo ela, um desses setores é o empresarial, que tem grande interesse na legalização dos jogos. Em sua avaliação, o setor já deve estar até mesmo se antecipando a um
eventual veto de Bolsonaro ao projeto caso ele seja aprovado.
"O setor empresarial ligado às casas de jogos, aos cassinos e a coisas do gênero já deve estar imprimindo uma certa pressão para que esse projeto drible esse veto", diz Gurgel.
O papel do fisiologismo na tramitação de pautas
Mayra Goulart destaca que o fisiologismo político dará mais as cartas do que a vertente ideológica no que diz respeito à aprovação de pautas. Isso significa que o mais provável é que haja um freio no debate de
projetos em trâmite para se aguardar o resultado das eleições presidenciais.
Ela diz acreditar que os chamados "novos congressistas não são verdadeiramente novos e nem particularmente ideológicos".
"Claro que eles tendem, por serem tradicionais, a ter uma preferência por uma agenda conservadora, menos progressista. Mas são sobretudo fisiológicos. Se o atual presidente renovar seu mandato, sim, eles podem tender mais para o lado de uma agenda conservadora. Mas em uma eventual vitória do [Luiz Inácio] Lula [da Silva, PT], a maioria não vai ser um grande entrave à governabilidade", diz a cientista política.
Já Clarisse Gurgel destaca que é provável que congressistas que apoiam pautas rejeitadas por conservadores façam um cálculo do que será mais vantajoso: investir na aceleração da aprovação nesta legislatura ou na próxima.
Segundo ela, é bem provável que aqueles que não foram reeleitos evitem um desgaste no fim de seus mandatos, fugindo de pautas impopulares em suas bases locais, passíveis de gerar perda de capital político.
"É possível que eles prefiram encerrar o mandato do que votar medidas impopulares, já que devem satisfação às suas bases locais e isso repercute mal", diz Gurgel.
Gurgel finaliza afirmando que tudo dependerá do resultado do segundo turno. A cientista política destaca que o Senado "está tomado, não é só pelo PL, mas pelo PP, Republicanos e União Brasil, composição que é bastante favorável ao bolsonarismo".
"Agora, claro que, com Lula ganhando, o grau de lealdade dessas legendas [ao bolsonarismo] pode se reduzir. Porque como se trata de legendas com uma cultura fisiológica, um pragmatismo político, os compromissos que eles têm com determinado quadro ou campo político podem mudar à medida que Lula demonstrar que tem uma capacidade de capilarizar e penetrar nessas novas composições", conclui.