"Para nós, a questão da América Latina é central", sublinhou durante sua fala de ontem (10) a ex-presidente, que esteve presente ao lado de Lula em diversos momentos da campanha presidencial e no dia da vitória do segundo turno, em 30 de outubro.
"Com certeza o encontro do Grupo de Puebla é um dos primeiros e muitos passos que o Brasil vai ter que dar para romper o isolamento internacional adquirido durante os quatro anos do governo [de Jair] Bolsonaro — que deixaram o Brasil não só isolado de seus vizinhos, como de antigos parceiros. Então, nesse sentido, o novo governo Lula vai ter que trabalhar muito para retomar essas alianças. Mas o Lula sabe o caminho das pedras", sugere.
"Eu não sei se podemos falar em uma onda de esquerda ou se podemos falar de um ciclo natural de mudanças de governo da democracia. Mas, com certeza, o fato de as cinco maiores economias latino-americanas estarem sob governos de esquerda e de centro-esquerda facilita muito. Primeiro porque, historicamente, a esquerda latino-americana é quem tem esse olhar mais forte e mais destacado da unidade e da integração regional. Historicamente, as direitas latino-americanas têm um olhar muito mais para o norte geopolítico do que para a construção de um processo de integração regional. E também porque são governos que têm algum grau de afinidade nas suas formas de fazer política."
"Se o Brasil puxar o freio de mão em relação a essa integração latino-americana, teremos problemas. Mas precisamos do Banco do Sul (devido a depósitos volumosos, capital de empréstimo e uma ligação direta com o BRICS). Sem isso, não conseguimos nos recuperar como um pivô regional e como uma liderança nas relações Sul–Sul. Então a política internacional do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], não por acaso muito atacada pela Lava Jato e pela extrema-direita, vai ser fundamental neste momento. As políticas de coordenação de ações integradas, de investimentos conjuntos, do complexo energético (óleo e gás), também. A tudo o que é chave no crescimento e desenvolvimento latino-americano, as oligarquias e a extrema-direita fazem ataques", analisa.
"O Grupo de Puebla segurou o olho do furacão quando estava operando o chamado Grupo de Lima, que era a projeção da política externa de John Bolton e Donald Trump para a América Latina. É preciso lembrar que o Grupo de Lima encabeçou a tentativa de invasão da Venezuela, que não ocorreu por pouco. Então uma participação, ainda que mais simbólica, do Brasil nesse agrupamento de líderes políticos [de esquerda] tem uma relevância", avalia.
"Está se fazendo política em dois níveis, pois tem relevância dos governos subnacionais, e é muito interessante isso. A esquerda reformista latino-americana começou ganhando municípios, depois regiões, e voltou a ter mais presença no Poder Executivo nacional do que na política em níveis local e estadual. Entender que é um jogo de dois níveis, até pelo fato de [o encontro] ser realizado em Santa Marta, porque o distrito de Magdalena é um governo progressista, o que é muito difícil na Colômbia, ainda mais nessa região coalhada de guerrilhas, paramilitarismo e operações contra o narcotráfico. Chama a atenção e é o que descrevemos na literatura como paradiplomacia ou diplomacia entre governos subnacionais", indica.
"A superação do realismo regional é fundamental, dessa sandice de projetar o conflito intralatino-americano na Amazônia, por exemplo. É preciso entender os interesses estratégicos [locais] em jogo em escalas continental e planetária."