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Bolsonaristas não serão expurgados do Itamaraty no governo Lula 3, diz analista

Foi dada a largada para a corrida ao cargo de chanceler do governo Lula 3. Mas, antes disso, o presidente eleito já avisou que poderá barrar embaixadores indicados por Bolsonaro.
Sputnik
Nesta quinta-feira (10), o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, viajou a São Paulo para se reunir com o ex-chanceler de Lula, Celso Amorim. Os diplomatas debateram a transição do governo na área de política externa.
A viagem foi um gesto cordial de Carlos França, uma vez que Celso Amorim se recupera de uma cirurgia de hérnia realizada no início da semana.
Os diplomatas devem alinhar temas urgentes, já que 19 embaixadas brasileiras estão vagas, inclusive em países como Argentina e França, com nomeações pendentes na Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal.
Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos França, durante conferência de imprensa conjunta com seu homólogo russo, Sergei Lavrov, em Moscou, Rússia, 30 de novembro de 2021
O presidente Lula, no entanto, planeja rever as indicações de embaixadores feitas por Bolsonaro. A expectativa é que diplomatas alinhados com a política externa bolsonarista sejam retirados de posições-chave.
Embaixadores já empossados no exterior também poderão ser removidos. O caso mais notório é o do embaixador do Brasil em Washington, Nelson Foster Jr, nomeado após o fracasso da indicação do filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, para o posto.
Eduardo Bolsonaro durante visita ao lado do pai, Jair, à Casa Branca em Washington (EUA)
No entanto, Celso Amorim garantiu em entrevista ao Estadão que não quer "antagonizar com ninguém" e prometeu que as mudanças serão realizadas "de modo civilizado [...] sem nenhum espírito persecutório".
"As revisões de cargos no Itamaraty são naturais. Fazem parte do processo de substituição de governos, afinal embaixador é um cargo de confiança", disse professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC Gilberto Maringoni à Sputnik Brasil.
O professor de Relações Internacionais da FACAMP Pedro Costa Júnior concorda, mas lembra que rearranjos no Itamaraty devem ser feitos de maneira dosada.
"As mudanças devem ser feitas dentro de um padrão normal e aceitável [...] outra coisa é querer bagunçar o coreto, fazendo muitas mudanças [...] e desrespeitando a hierarquia do Itamaraty de maneira sistemática, o que foi uma marca do [ex-chanceler de Bolsonaro, Ernesto] Araújo", disse Costa Júnior à Sputnik Brasil.
O analista lembrou o caso do diplomata ligado à política externa lulista Audo Araújo Galeiro, que foi removido por Araújo de "um alto cargo na Europa e colocado na geladeira". Além dele, diversos outros diplomatas relataram um clima de “caça às bruxas” sob o comando de Ernesto Araújo.
Passadas as eleições de 2022, um dos primeiros – e por enquanto únicos – nomes divulgados pela equipe de Lula para integrar a transição em política externa é justamente o do diplomata Audo Araújo Galeiro, que vai preparar as viagens internacionais do presidente eleito.
Gleisi Hoffmann, presidente do PT e deputada federal, e o ex-ministro Aloizio Mercadante (à esq.) durante entrevista após visitar o CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), em Brasília (DF), onde trabalhará a equipe do governo de transição
Já o time de Carlos França será composto pelo atual secretário-geral das Relações Exteriores, Fernando Simas Magalhães, e seu chefe de gabinete, Gabriel Boff Moreira.
De acordo com a professora de Relações Internacionais da PUC-SP, Flávia Campos Mello, não haverá necessidade de reconciliação entre grupos à direita e à esquerda dentro do Itamaraty.
"A ala mais ideológica do governo [Bolsonaro] não estava no Itamaraty, mas sim na presidência, em particular na sua assessoria internacional", declarou Mello à Sputnik Brasil. "Nos últimos anos, o corpo diplomático preferiu manter baixo perfil e se dedicar a funções administrativas."

Chanceler de Lula 3

Apesar dos nomes para a equipe de transição serem relevantes, o que todos realmente querem saber é quem será o chanceler – ou a chanceler – do governo Lula 3.
Os analistas ouvidos pela Sputnik Brasil estão certos de que Celso Amorim terá um papel central na política externa do governo, mesmo que não assuma a chancelaria.
"Aos seus 80 anos, o Celso Amorim está no seu melhor momento como pensador e estrategista", acredita Maringoni. "O que ele não quer – e ele já disse isso – é ficar a cargo do dia a dia do Itamaraty."
Maringoni não acredita que "exista um quadro no Itamaraty com a sagacidade política, inteligência e credibilidade do Celso Amorim", o que teria ficado claro com as gestões apagadas de alguns de seus sucessores, como Antonio Patriota, Luiz Alberto Figueiredo ou Mauro Vieira.
Ex-chanceler Celso Amorim em sua residência no Rio de Janeiro, em 28 de dezembro de 2017
A expectativa é que Celso Amorim assuma o cargo de assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República, que tem "lugar privilegiado no palácio da Alvorada, no mesmo andar do gabinete do presidente", notou Costa Júnior.
Nomes aventados por fontes ligadas ao Partido dos Trabalhadores (PT) para ocupar a chancelaria são os de Fernando Haddad, Alexandre Padilha, Aloísio Mercadante e Jacques Wagner.
No entanto, "nenhum deles tem atuação de destaque na área internacional, apesar de serem bons quadros", considerou Maringoni.
Fernando Haddad (PT), durante ato de campanha na Avenida Paulista, em São Paulo, em 15 de outubro de 2022
Campos Mello nota que a indicação do chanceler ainda depende do perfil escolhido para chefiar as demais pastas. Caso um nome próximo ao PT seja indicado para o ministério da Economia, o chanceler precisará ser alguém menos alinhado ao partido.
Como o governo será constituído por uma frente ampla, é necessário considerar nomes fora do PT para a chancelaria. Para Costa Júnior, a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, é forte candidata ao cargo.
"Em primeiro lugar, me parece consensual de que será uma mulher. Celso Amorim deixa isso claro: há uma vontade de que nesse governo o Brasil tenha rosto de mulher", disse Costa Júnior.
Para Maringoni, seria positivo para o Brasil ter a sua primeira mulher ministra das Relações Internacionais, mas lembra que "é necessário combinar isso com desenvoltura política e afinidade com uma política externa soberana, voltada para o desenvolvimento".
A pauta ambiental será utilizada por Lula como cartão de visita para a reincorporação do Brasil no debate internacional, reaquecendo os músculos do chamado "soft power brasileiro", acredita Costa Júnior.
"Nesse caso, a Marina teria uma vantagem enorme: além de ser mulher, é ligada às questões ambientais”" considerou Costa Júnior. "Acho essa possibilidade interessante."
Além disso, o nome de Marina demonstraria que o governo Lula 3 vai levar a frente ampla a sério, acredita o especialista.
Marina Silva durante participação em seminário de tecnologia e inclusão digital realizado em São Paulo (SP) em 7 de agosto de 2018
Os analistas, no entanto, acreditam que Celso Amorim pode preferir indicar uma diplomata de carreira. Neste quesito, os nomes mais cotados são os de Maria Laura Rocha e Maria Luiza Viotti.
"No contexto atual, é importante uma escolha que valorize e prestigie o Itamaraty, depois do ocorrido nos últimos anos", acredita Campos Mello. "Temos uma agenda internacional muito particular pela frente, o que exige uma ministra que tenha muita experiência diplomática."
Após conduzir carreira invejável dentro do Itamaraty, Maria Luiza Viotti é atualmente chefe de gabinete do secretário-geral da ONU, António Guterres. Viotti serviu como embaixadora do Brasil na Alemanha e representante do Brasil nas Nações Unidas, onde chegou a presidir o Conselho de Segurança da instituição.
Maria Luiza Viotti
Por outro lado, Maria Laura Rocha garantiria a representatividade feminina e negra, sem abrir mão do amplo conhecimento técnico e político na área de Relações Internacionais. Laura Rocha foi chefe de gabinete de Amorim nos governos Lula e embaixadora em instituições relevantes, como a UNESCO e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
Embaixadora Maria Laura da Rocha durante sabatina no Senado Federal, Brasília, Brasil (foto de arquivo)
Enquanto o chanceler não é nomeado, Lula já deu a largada em sua agenda internacional. O presidente deve viajar à COP-17 no Egito, e depois desembarcar em Portugal. Para Campos Mello, a diplomacia presidencial será incisiva e “vai de forma imediata reverter o desastre desses últimos anos”.
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