Panorama internacional

Guerra comercial EUA-UE: preocupada com política de Washington, Bruxelas pede por mudanças na lei

As nações europeias, já atingidas por uma crise energética imposta pela pressão dos burocratas de Bruxelas para afastar o petróleo e gás russos da região, agora enfrentam a perspectiva de desindustrialização e empobrecimento graças a uma lei norte-americana que incentiva as empresas europeias a transferir a produção para os EUA.
Sputnik
De acordo com alguns legisladores europeus, a União Europeia (UE) não deve recuar na defesa de seus interesses econômicos contra a legislação dos EUA, que ameaça destruir a base manufatureira do bloco.
A Lei de Redução da Inflação, sancionada pelo presidente dos EUA, Joe Biden, em agosto, destina mais de US$ 390 bilhões (cerca de R$ 2 trilhões) para segurança energética e mudanças climáticas — incluindo créditos fiscais para veículos elétricos, baterias e projetos de energia renovável feitos nos EUA — outros subsídios para fabricantes, além de dezenas de bilhões de dólares para atualizações de capacidade de energia solar e nuclear e eficiência energética doméstica. A lei também inclui US$ 57 bilhões (aproximadamente R$ 297 bilhões) em subsídios para manufatura avançada e "projetos agrícolas inteligentes para o clima".
No entanto, a legislação provocou alvoroço do outro lado do Atlântico, com observadores avaliando a iniciativa como uma manobra destinada a "sugar investimentos da Europa". O presidente francês Emmanuel Macron atacou a medida como "superagressiva", que "irá dividir o Ocidente" caso não sejam feitas mudanças para atender aos interesses europeus.
Markus Ferber, porta-voz de política econômica do grupo Popular Europeu no Parlamento Europeu, o maior bloco legislativo, pediu a adoção de uma linha dura para mostrar a Washington que a UE está falando a sério.
A Comissão Europeia deve "colocar todos os instrumentos sobre a mesa" para sinalizar que está pronta para "ativar instrumentos comerciais defensivos", disse Ferber à mídia alemã no sábado (3).
"Essa certamente seria a opção nuclear e, na situação atual, seria tudo menos desejável", enfatizou o legislador. No entanto, seria justificado, dado o rumo protecionista do presidente Biden. "A lei anti-inflação americana ameaça piorar ainda mais a difícil situação econômica na Europa", disse Ferber.
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O chefe do Comitê de Comércio do Parlamento Europeu, Bernd Lange, ecoou as preocupações de seu colega, dizendo que, ajustes à parte, a estrutura básica da Lei de Redução da Inflação não pode ser alterada e que a UE deve apresentar uma queixa contra os EUA na Organização Mundial do Comércio (OMC) para demonstrar que a abordagem de Washington "claramente não é compatível com os regulamentos da OMC".
Do jeito que as coisas estão, alertou Lange, os preços da energia na Europa que já são dez vezes mais altos do que nos EUA, é preciso medidas para reduzir os preços.
O presidente francês Emmanuel Macron foi a Washington esta semana para levar as preocupações da UE a Biden, com o presidente dos EUA expressando abertura à possibilidade de "ajustar" a legislação para atender aos interesses europeus.
No entanto, na sexta-feira (2), a porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, enfatizou que o presidente não tem "nenhum plano de voltar ao Congresso para fazer mudanças legislativas" na lei.
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O presidente Macron expressou esperança ainda na sexta-feira de que Bruxelas e Washington possam resolver a disputa sobre a legislação até "o primeiro trimestre de 2023" e que a UE receba isenções protecionistas semelhantes às concedidas ao Canadá e ao México.
No entanto, como a mídia alemã apontou, até agora não houve sinais de que tais isenções venham a ser consideradas.
"Ninguém quer uma guerra comercial em nossa situação atual. Temos um concorrente — a China. O objetivo estratégico dos EUA, parece-me, não é enfraquecer a Europa, mas, ao contrário, trabalhar em parceria com a Europa", disse o ministro das Finanças da França, Bruno Le Maire, a repórteres na sexta-feira.
No entanto, nos bastidores, as autoridades não parecem ter a certeza de quais são as verdadeiras intenções de Washington em relação aos europeus. "Existe o risco de que os desequilíbrios piorem à medida que a UE paga preços mais altos de energia e os EUA tomam medidas para aumentar o investimento na indústria", disse um funcionário anônimo do Palácio do Eliseu à mídia.
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Outros observadores expressaram a posição de que as manobras dos EUA, seja por meio da legislação ou das restrições à energia russa que a precederam, são projetadas para enfraquecer a Europa como concorrente de Washington e permitir que a América lucre com os custos crescentes de energia transportando petróleo e gás para a Europa enquanto "canibaliza" a base industrial do bloco.
O presidente russo, Vladimir Putin, alertou em maio que as restrições de Bruxelas às entregas de energia russa seriam "suicidas" para a indústria europeia e fariam com que as empresas deixassem a Europa e fossem para outras regiões do mundo. Em setembro, várias semanas antes da sabotagem dos oleodutos Nord Stream (Corrente do Norte), Putin reiterou a prontidão de Moscou em abrir as torneiras e enfatizou que Washington estava pressionando os europeus a impor sanções à energia russa apenas para que os americanos pudessem "vender-lhes gás por um preço três vezes maior".
Centenas de fabricantes europeus, incluindo grandes fabricantes de aço e gigantes químicos, fabricantes de automóveis, empresas farmacêuticas e outros já estão em processo de transferência de operações para os Estados Unidos. Algumas empresas europeias, incluindo a gigante química alemã BASF, viram a crise chegar ainda no final de março, quando o conflito na Ucrânia estava apenas começando, ocasião em que o CEO da empresa, Martin Brudermuller, alertou que cortar o gás russo "poderia levar à pior crise para a economia alemã desde o fim da Segunda Guerra Mundial". A julgar pelas crescentes tensões entre Washington e Bruxelas, as previsões de Brudermuller parecem estar se concretizando.
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