O empresário russo Viktor Bout, que estava cumprindo uma pena de prisão de 25 anos nos Estados Unidos sob a acusação de vender armas ao grupo guerrilheiro colombiano FARC, foi liberado após Moscou ter negociado com Washington.
Nascido em 1967, Bout serviu no Exército da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), e estudou em seu Instituto Militar de Línguas Estrangeiras, incluindo um curso intensivo de português, onde se tornou tenente. Assim, ele serviu como intérprete em Moçambique e Angola, ex-colônias de Portugal, como parte de uma missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU).
Atividades de Bout
Após deixar o instituto, Bout se tornou tradutor no Centro de Organização do Transporte Aéreo da União das Cooperativas da URSS. Nos anos 1990 ele foi líder de vários empreendimentos em companhias aéreas na África do Sul, Bélgica e Emirados Árabes Unidos.
"Em 1994, transportamos o contingente francês para a África, quando começou o genocídio em Uganda. Também levamos o contingente militar belga para a Somália, e durante um ano e meio fornecemos todo o seu transporte", detalhou ele em uma entrevista em 2008.
Em 2002, a ONU proibiu os movimentos de Viktor Bout, e em 2005, juntamente com os EUA, exigiu que as contas do empresário russo e de todas as empresas e indivíduos associados a ele fossem congeladas. Na época, o nome de Bout já aparecia nos relatórios do Conselho de Segurança da ONU e do Departamento de Estado dos EUA, onde ele era listado como fornecedor de armas e munições para contornar as sanções das Nações Unidas.
No entanto, segundo Bout e sua família, em 2002 não restava praticamente nada de seus negócios, o empresário estava vivendo na Rússia, e não tinha tratado de assuntos internacionais desde 2001.
Detenção na Tailândia
Bout foi preso na Tailândia por um mandato dos EUA em 6 de março de 2008, após chegar como turista a um hotel em Bangkok. Viktor foi acusado de conspiração para vender armas de mísseis terra-ar às FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), um dos principais movimentos guerrilheiros do país sul-americano, considerado terrorista nos EUA entre 1997 e 2021, e desativado em 2016 após a assinatura de acordos de paz com o governo do país.
Durante uma operação secreta que usou um dos conhecidos de Bout em Bangkok, membros da Agência Antidrogas (DEA, na sigla em inglês) dos EUA, que também desempenhavam funções de combate ao terrorismo desde 2001, se aproximaram dele e se apresentaram como membros da liderança das FARC.
A acusação dos EUA afirma que Bout supostamente concordou em vender e entregar até 800 sistemas de defesa antiaérea portáteis de fabricação russa "e outras armas no valor de milhões de dólares" para os guerrilheiros na Colômbia. Segundo Washington, Bout controlava uma grande frota aérea privada, com bases no Oriente Médio, África, Leste Europeu e Estados Unidos, com capacidade de mover tanques, helicópteros e armas.
Empresário russo Viktor Bout, acusado de realizar comércio de armas, é levado a tribunal em Bangkok, Tailândia, 5 de outubro de 2010, pouco antes da extradição para os EUA
© AFP 2023 / Nicolas Asfouri
Todas as acusações foram desmentidas pelo empresário, que falou de um negócio na área aérea puramente legal.
Em 6 de maio de 2008, os Estados Unidos também denunciaram Viktor Bout por suposto tráfico ilegal de armas, conspiração para assassinar americanos e fornecimento de assistência material a grupos terroristas, solicitando ao governo tailandês que extraditasse o cidadão russo.
Após a Justiça da Tailândia rejeitar duas vezes o pedido como tendo motivação política, em 2010, a Procuradoria de Nova York apresentou novas acusações contra Bout, neste caso de fraude, lavagem de dinheiro e violação das proibições internacionais de fornecimento de armas para zonas de conflito. O Poder Judiciário tailandês ordenou então a extradição do cidadão russo para os Estados Unidos, onde ele entrou em 16 de novembro de 2010.
Apesar dos protestos da Rússia, a corte de Nova York que tratava do caso rejeitou todas as moções dos advogados de Bout para desaprovar o caso pela inconsistência de jurisdição e na ilegalidade de sua extradição da Tailândia.
EUA vs. Viktor Bout
O caso Estados Unidos vs. Bout começou em 11 de outubro de 2011, presidido pela juíza Shira Sheindlin. Durante a última audiência preliminar, ela discordou das alegações da promotora federal de que Viktor Bout estava envolvido em um comércio de armas, concluindo que ele era apenas um transportador, não um traficante de armas.
Já o júri considerou Bout culpado de "conspiração criminosa para matar cidadãos dos EUA, conspiração criminosa para matar funcionários do governo dos EUA, conspiração criminosa para comprar e vender mísseis antiaéreos e conspiração criminosa para fornecer armas a grupos terroristas".
Após sua prisão, Bout e seus advogados apresentaram uma queixa criminal contra três agentes da DEA envolvidos em sua prisão e busca no seu quarto de hotel. Eles argumentaram que a busca foi realizada sem as devidas autorizações e, portanto, violou a lei processual penal da Tailândia. No entanto, a corte rejeitou as reclamações contra os agentes, citando imunidade diplomática para dois e a incapacidade de localizar o terceiro.
Bout declarou ter sido vítima de "muitos anos de perseguição política" pelos Estados Unidos, por se recusar a cooperar com agências de inteligência norte-americanas e por causa da concorrência desleal de empresas ocidentais até 2001, quando ele estava envolvido no negócio legal do transporte aéreo. A moção da defesa de Bout para anular a condenação foi rejeitada, e em 5 de abril de 2012 ele foi condenado a 25 anos de prisão e uma multa de US$ 15 milhões (R$ 78,39 bilhões).
O longo caminho para casa
Em agosto de 2012, o Ministério da Justiça da Rússia forneceu aos EUA os documentos necessários para considerar a questão da extradição do condenado para o solo russo, que foi negada. Nos anos seguintes, os advogados de Bout apresentaram vários recursos, todos rejeitados, incluindo uma recusa não explicada em 2017 pela Suprema Corte dos EUA.
Washington se recusou a entrar em um diálogo sobre a inclusão do russo em um esquema de troca de prisioneiros até a conclusão do processo nos Emirados Árabes Unidos, que envolveu a entrega russa da jogadora de basquete americana Brittney Griner em troca.