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Muito além da anglofonia: pesquisador russo participa de seminário no Brasil sobre mídia e sociedade

Quem disse que não existe pesquisa além do espaço científico global de língua inglesa? A pergunta retórica é colocada pelo professor Ilia Kiriya, da Universidade HSE, uma das maiores da Rússia. Em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, ele garante que há. "E é de qualidade", emenda.
Sputnik
Kiriya, cuja especialidade é voltada a estudos da economia política da mídia (em particular a transformação do poder de mercado e o domínio de grandes plataformas digitais), vem ao Brasil nesta semana para participar do V Seminário Internacional de Pesquisas em Midiatização e Processos Sociais, organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
O evento, que conta com participantes brasileiros e de outros países além da Rússia, começa nesta segunda-feira (12) e vai até a próxima sexta (16).
O pesquisador russo integra uma mesa na quarta (14), a partir das 09h00, intitulada "Plataformas e Mutações Sociais".

"Esta é a minha segunda viagem a este seminário. Da última vez (foi em 2018) dei uma grande palestra sobre a expansão do campo da industrialização cultural. Expliquei como, devido ao surgimento e maior controle dos meios de comunicação e mídia por empresas de tecnologia e [devido] à digitalização, mais e mais áreas da economia que antes não eram comerciais ou eram limitadamente comerciais, elas começaram a ser comercializadas com mais vigor. Neste caso, estou relatando como, devido às mudanças no sistema de distribuição de notícias devido ao crescimento das mídias sociais, os algoritmos progressivos escolhidos pela plataforma de distribuição penetram em todos os mecanismos de comercialização da produção de notícias, mesmo quando é uma notícia feita por uma organização não governamental", contou o professor.

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Kiriya enfatiza que o intercâmbio de conhecimento entre pesquisadores de diferentes países é muito importante e que suas experiências com instituições brasileiras na área de educação, embora distintas, foram positivas.

"O principal problema é que pouco se sabe sobre elas [as universidades] na Rússia. A academia brasileira é grande e por isso se concentra em si mesma. Bem, isso também está relacionado ao problema da língua. Na Rússia os problemas são semelhantes. Estamos tentando nos tornar parte do espaço científico global de língua inglesa. Mas quem disse que não existe pesquisa além dele? E é de qualidade. Alguns desses estudos podem ser de grande interesse para o público russo e vice-versa. Além disso, há muito em comum entre nossos países: temos tendências muito semelhantes nos mercados de mídia, taxas de crescimento de mercado semelhantes (em comparação com a segunda metade da associação BRICS, Índia e China, onde essas taxas estão significativamente à frente das nossas). E nas condições atuais, quando existem várias restrições à interação institucional com as academias ocidentais, a interação com aqueles que estão prontos para trabalhar conosco é muito importante", sublinhou.

Após o seminário, os organizadores planejam uma edição especial de uma revista francesa a fim de publicar artigos sobre os trabalhos de pesquisa apresentados durante o evento.

"Mas esse processo não é fácil", explicou. "Primeiro você precisa coletar um esboço aproximado da revista, com cinco ou seis artigos-chave, preparar uma 'proposta' (uma espécie de requerimento) e submetê-la à revista. A Média et Société é bastante seletiva. E somente em caso de aprovação passamos a coletar as versões completas do texto."

Jairo Ferreira, coordenador do seminário e pesquisador da UFSM, relatou à Sputnik Brasil que 11 universidades do Brasil e de outros países participarão da conferência, que começou a ser consolidada a partir de grupos de trabalho organizados virtualmente em novembro.
Foram mais de 100 participantes nessa etapa, distribuídos em 11 desses grupos, e cerca de 120 trabalhos foram aplicados para o programa.
Sobre a participação de Kiriya no atual contexto geopolítico de sanções e retaliações contra a Rússia devido à sua operação militar especial na Ucrânia, Ferreira é enfático ao lembrar que o eixo do pensamento acadêmico russo é diferente do nosso (calcado, principalmente, em bases das universidades da Europa Central).

"A Rússia tem uma outra referência para pensar a sociedade e a natureza, não está lastreada na mesma referência filosófica que a nossa. Para nós é importante ouvir essa referência. A academia russa tem forte experiência soviética, marxista, os cientistas russos trazem uma experiência de lidar com linguagem e semiótica próprias. O campo científico está acima das nações, e a universidade não pode chancelar o que diz a política de nações", ressaltou Ferreira. "Não é com o isolamento ou com o cancelamento desses pesquisadores que nós conseguiremos fazer avançar as reflexões sobre o atual momento do mundo, um momento muito delicado, que não envolve só a questão da Ucrânia e da Rússia. Envolve questões ambientais, a discussão de um mundo multipolar, de um mundo que dialogue com o Leste Europeu e com a Ásia. Não concordamos com essa polarização gerida por estrategistas do Ocidente, não vamos chancelar esse tipo de cancelamento. Pelo contrário: vamos trazê-los para o debate."

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