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Centenário da URSS: especialistas explicam a ascensão e queda de uma das potências do mundo bipolar

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas explicam o que foi a União Soviética e o que ela representou para a história ao longo do século XX.
Sputnik
A União Soviética completaria 100 anos nesta sexta-feira (30) caso ainda existisse. Na data, em 1922, foi oficialmente fundada a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que, mais tarde, abrangeria 15 países: Rússia, Estônia, Letônia, Lituânia, Belarus, Ucrânia, Moldávia, Geórgia, Armênia, Azerbaijão, Cazaquistão, Quirguistão, Uzbequistão, Tajiquistão e Turcomenistão.
Para entender o que foi a União Soviética e o que ela representou para a história ao longo do século XX, a Sputnik Brasil conversou com Cesar Albuquerque, pesquisador de história contemporânea da Universidade de São Paulo (USP) com ênfase nos processos e transformações da União Soviética; e Rodrigo Ianhez, historiador formado na Universidade Estatal de Moscou e especialista em história da União Soviética.
Ianhez destaca que a URSS foi fundada logo no fim do ano de 1922, ou seja, "logo no fim da Guerra Civil Russa".

"Uma guerra civil que envolveu todos os países do antigo Império Russo e intervenções de diversas potências internacionais. E na esteira da Primeira Guerra Mundial e dessa guerra civil, a gente encontra um país em um estado que pode ser classificado como calamitoso."

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Ele acrescenta que foi bastante impressionante o salto que a URSS conseguiu dar ao longo de menos de duas décadas, deixando a situação de calamidade para se tornar um dos principais atores do cenário global.

"Após cerca de duas décadas da criação do Estado soviético, a gente vê um país se levantando como uma potência global, e após a Segunda Guerra, sem dúvida, se colocando como uma das potências que criam uma nova ordem bipolar no mundo."

Cesar Albuquerque, por sua vez, destaca que a URSS foi fundada em 1922, mas sua raiz está na Revolução Russa de 1917.

"Até o fim de 1921, houve a chamada Guerra Civil, um conflito interno no findado Império Russo. E com a chegada dos bolcheviques ao poder, houve uma reação por parte de forças reacionárias ligadas ao regime czarista e apoiadas por proprietários de terras, setores da elite econômica e forças estrangeiras. Quando eclode a revolução, as tropas russas decidem deixar a Primeira Guerra Mundial. Com o fim da Guerra Civil e a consolidação dos bolcheviques no poder, a partir de 1921 cria-se a URSS, que muda a configuração oficial do antigo Império Russo, que era um Estado unitário, e cria uma estrutura próxima à de uma federação. A chegada da URSS cria uma configuração geopolítica global."

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Questionado sobre qual período pode ser considerado o auge da URSS, Ianhez aponta para "meados da década de 1970".
"Se a gente for falar dos índices de crescimento econômico, a URSS teve um recorde de crescimento muito grande. Desde 1930 até a década de 1970, com índices de 10%. Hoje o que se observa no crescimento chinês era o que a URSS teve regularmente durante 40 anos", diz o especialista.
Porém ambos os especialistas apontam que a participação na Segunda Guerra Mundial, que inicialmente não estava nos planos soviéticos, foi uma das maiores batalhas vencidas pela URSS.

"A URSS adota um posicionamento de distanciamento em relação ao conflito. Ela não entra em 1938, 1939, inicialmente, porque entendia que esse conflito fazia parte do universo capitalista. Esse era o discurso oficial soviético. A URSS estava em um processo de desenvolvimento, focando seus recursos na industrialização, e não queria desviar seus recursos para se focar em um conflito", diz Albuquerque.

Ele acrescenta que a situação muda quando "as tropas alemãs invadem o território soviético, iniciando a campanha para chegar até Moscou". "A entrada da URSS se dá a partir da agressão alemã, e a URSS se torna aliada dos EUA, Inglaterra e França e passa a compor a aliança contra o Eixo."
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Ianhez ressalta que "se forem considerados os maiores atores globais no enfrentamento ao nazismo, o maior deles foi, sem dúvida, a URSS".

"Na URSS, a Grande Guerra pela Pátria tem esse elemento muito emocional para todas as repúblicas soviéticas, porque estamos falando de famílias que tiveram seus bisavós e avós envolvidos nesse conflito."

Ele acrescenta que na URSS "tratava-se como Grande Guerra pela Pátria esse período, a partir de junho de 1941, quando os alemães invadem a URSS, até o dia da vitória, em maio de 1945".
Por fim, os especialistas analisam o que levou uma potência de tamanha importância no cenário internacional a colapsar.
Segundo Albuquerque, o momento decisivo para a queda foi o ano de 1980, "momento em que a reforma entra na agenda das lideranças soviéticas".

"Há experimentos mais intensos nos primeiros anos, principalmente depois da morte de Leonid Brezhnev, em 1982, e já em 1984, com o Yuri Andropov. E elas [as reformas] ganham centralidade a partir da ascensão de Mikhail Gorbachev, em 1985. As reformas conhecidas como Perestroika inicialmente se pautavam não pela desconstrução do modelo econômico em si, mas por uma reforma, como a própria palavra significa, no sentido de dar a ele maior flexibilidade, adotar medidas ligadas ao que muitas vezes se chama mecanismo de mercado. Estruturas comuns na economia de mercado."

Ianhez, por sua vez, finaliza dizendo acreditar que o colapso poderia ter sido evitado. "Um diplomata ou general americano diz que se o Yuri Andropov fosse 15 anos mais jovem, talvez a gente tivesse a URSS até hoje. O que ele quer dizer? Ele quer dizer que não havia uma inevitabilidade do fim. Havia uma possibilidade de realizar reformas que de fato permitissem a sobrevivência desse sistema socialista soviético."
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