Notícias do Brasil

Vingança de Arthur Lira sobre orçamento secreto não virá no 1º ano de Lula, diz especialista

Escolha de Arthur Lira para passar a faixa a Lula prova que o presidente da Câmara foi quem de fato governou o Brasil nos últimos anos. Saiba como foi o 2022 de Lira e o que esperar de sua relação com Lula em 2023.
Sputnik
O deputado federal e presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), é a figura mais cotada para passar a faixa presidencial a Lula, durante a cerimônia de posse do novo presidente, em 1º de janeiro.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) se negou a realizar o gesto e preferirá viajar para resort de luxo nos EUA, abrindo mão de governar o Brasil até o último dia de seu governo. Já o vice-presidente, Hamilton Mourão, optou por não passar a faixa à Lula, por temer ser "crucificado" pelos seus eleitores, reportou o portal UOL.
De acordo com a Constituição, o terceiro nome na linha de substituição presidencial é o presidente da Câmara dos Deputados, o que legitima a escolha de Lira para passar a faixa. Contudo, a lei não determina que essa linha sucessória seja aplicada à cerimônia de posse. A decisão final ficará a cargo do cerimonial do novo governo.
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao lado de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), após receber a faixa presidencial no parlatório do Palácio do Planalto, em Brasília (DF), em 1º de janeiro de 2003
A ideia de convocar Arthur Lira para realizar uma função que deveria ser do presidente da República parece natural, se considerarmos o fortalecimento da influência do Congresso durante o governo Bolsonaro.
"O Arthur Lira teve um grande poder durante o governo Bolsonaro", disse a professora de Ciências Políticas da FGV Grazielle Testa à Sputnik Brasil. "Houve maior espaço para o Legislativo atuar na construção e execução de políticas públicas do que nos governos anteriores."
Arthur Lira se fortaleceu ao implementar o chamado "orçamento secreto", que garantiu ao Congresso e ao presidente da Câmara a gestão de parte considerável dos recursos federais e é considerado por muitos como um dos maiores esquemas de corrupção legalizada da história republicana.
Testa, porém, não acredita que a influência hipertrofiada de Lira durante o governo Bolsonaro tenha configurado um parlamentarismo de fato, como sugerem alguns cientistas políticos. Testa lembra que durante vários momentos o presidente Bolsonaro vetou matérias de interesse do Legislativo.
Cerimônia Militar de Declaração de Aspirantes a Oficiais da Academia da Força Aérea, 8 de dezembro de 2022
"Que fique bem claro que a palavra final [sobre o orçamento secreto] era do presidente da República, e não do presidente da mesa", notou Testa. "O motivo pelo qual [o orçamento secreto] funcionou de forma tão azeitada, é porque havia uma parceria bem construída entre Bolsonaro e Lira."
De fato, ao apagar das luzes do governo, Bolsonaro suspendeu o pagamento do orçamento secreto, demonstrando a sua influência decisiva na manutenção do esquema.

Lira na era Lula

A aprovação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de medidas que limitam o uso do orçamento secreto tende a diminuir o poder de Lira dentro do Congresso e seu poder de fogo contra o governo Lula 3.
"É provável que o Lira tenha menos espaço de atuação no governo Lula, que tende a fazer uma construção de governabilidade que envolve o Congresso na tomada de decisão", acredita Testa.
Segundo a especialista, o presidente da Câmara não poderá reagir a esta perda de poder tão cedo. O primeiro ano do governo Lula 3 deve ser de “lua de mel” com o eleitorado, dificultando uma vingança de Lira.
"Ao longo do mandato [de Lula], a tendência é que o presidente da República perca popularidade. Quando isso acontecer, pode ser que haja uma reação [...] de Lira, para tentar reaver o seu espaço", considerou Testa.
Por enquanto, o cenário aponta para um relacionamento harmonioso entre os dois líderes. Poucos dias após o voto final do STF, que derrubou as chamadas emendas do relator, Lira manteve sua promessa e auxiliou Lula a aprovar a PEC da Transição, em primeiro turno, com 23 votos a mais do que o necessário.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL, à esquerda), conversa com o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), após almoço em Brasília (DF), em 9 de novembro de 2022
Segundo Testa, Lula almeja construir uma relação próxima com o Congresso, que poderá garantir a aprovação de "reformas estruturantes, como a tributária ou até administrativa, ainda no primeiro ano de governo".

Reeleição de Lira

A participação em uma cerimônia de posse, que será transmitida em rede nacional, garantirá palanque a Lira durante a corrida para sua reeleição à presidência da Câmara.
No entanto, ainda não está claro se o PT fornecerá essa verdadeira peça de campanha para Lira, nem se o presidente da Câmara terá mais protagonismo do que a cadela da primeira-dama, a vira-lata Resistência, que também subirá a rampa presidencial em 1º de janeiro.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) e a primeira-dama, Michelle, descem rampa do Palácio do Planalto. Brasília, 17 de março de 2022
Mesmo assim, o partido de Lula dá sinais de que manterá o seu apoio à candidatura de Lira, inclusive para recompensar o deputado pelo apoio à PEC da Transição.
"O apoio do PT à reeleição de Lira provavelmente foi um movimento para construir governabilidade e demonstrar boa vontade em relação ao parlamento", acredita Testa. "O PT sentiu que [...] os parlamentares queriam apoiar essa candidatura, e não quis se contrapor de cara a esse movimento."
A especialista lembra que garantir a governabilidade junto ao Congresso não será tarefa fácil para os petistas, que encaram “um Legislativo muito mais à direita do que o presidente eleito”.
"Eu entendo que o Lira ainda é o favorito nas eleições para a presidência da mesa", acredita Testa. "Ele já demonstrou que pode lidar com uma Câmara que tenha maioria governista, ainda que ele tenha apoiado o governo anterior."
Congresso Nacional na inauguração da 4ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura, em 3 de fevereiro de 2021
De fato, a anuência do atual governo em receber Lira na cerimônia de passagem de faixa também sinaliza para um bom relacionamento entre o PT e o presidente da Casa, que tem influência significativa sobre todos os deputados do chamado "centrão".
"O Lira é parte relevante de um grupo que se denomina centrão, que tem como característica estar sempre próximo do governo e dos recursos", notou Testa. "Para manter o seu favoritismo, Lira precisará ceder em diversos pontos, principalmente para os partidos que tem bancadas relevantes, como o PL, o União Brasil e o MDB."
Por outro lado, a professora e pesquisadora no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) Michelle Fernandez acredita que o fim do orçamento secreto coloca em xeque as candidaturas para a presidência da Câmara e do Senado em 2023.
"Diante desse novo cenário de fim do orçamento secreto, as negociações com relação à presidência da Câmara e do Senado continuam em aberto", disse Fernandez à Sputnik Brasil.
Para a especialista, a dinâmica de negociações entre Lula e o Congresso, focada na formação dos ministérios e na PEC da Transição, se encerra em 31 de dezembro.
"A partir de 1º de janeiro começam novas movimentações para estabelecer as relações entre o governo entrante e o Congresso", considerou Fernandez. "Os apoios às eleições das presidências das duas casas será um evento nessa nova dinâmica de interação entre o Legislativo e o Executivo."
O ex-presidente Lula durante 7º Congresso Nacional do PT realizado na Casa de Portugal, em São Paulo, 19 de setembro de 2019
Tanto Lira, quanto o candidato à reeleição para a presidência do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tentarão garantir o apoio de Lula às suas respectivas candidaturas.
Talvez por isso, o presidente do Senado já se dispôs a passar a faixa presidencial para Lula em 1º de janeiro, caso algum erro de percurso impeça Arthur Lira de cumprir a tarefa.
A transferência da faixa presidencial deve ocorrer neste domingo, 1º de janeiro, por volta das 14h20 do horário de Brasília. A cerimônia de posse é organizada pela coordenadora do cerimonial do presidente eleito, Janja da Silva, e deve contar com a participação de 60 artistas e de delegações internacionais de cerca de 120 países.
Comentar