'Análise equivocada' sobre governos de Lula: economistas defendem aumento real do salário mínimo
Economistas consultados pela Sputnik Brasil explicam efeitos práticos da política de valorização do salário mínimo e alertam sobre a necessidade de outras medidas pelo novo governo.
SputnikMedida econômica e social histórica dos governos do Partido dos Trabalhadores (PT), a política de aumento real do salário mínimo foi uma das bandeiras da campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência em 2022.
O novo governo promete retomar o reajuste anual acima da inflação, como nos primeiros mandatos de Lula e nos anos da ex-presidente Dilma Rousseff, com o objetivo de devolver o poder de compra da população e reativar a economia do país.
Durante o mandato de Jair Bolsonaro (PL), apenas recentemente, ao fim de 2022, o governo elevou o mínimo acima da inflação, com
aumento de 7,4% (R$ 90), de
R$ 1.212 para R$ 1.302. Nos demais anos, o Ministério da Economia do país, então comandado por Paulo Guedes, reajustou os salários de acordo com a alta da taxa inflacionária, calculada pelo
Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Qual é o grau de importância dessa política em um país com grande desigualdade como o Brasil? Qual é o peso da medida na vida da população e qual é o impacto dela na economia do país?
Para o economista Marco Rocha, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), há "ao menos três motivos importantes" para a implementação da política. Segundo ele, além de melhorar a renda das famílias, o salário mínimo serve como balizador também para o mercado informal, ajuda a reduzir a desigualdade e incentiva a melhoria ou a procura de qualificação e capacitação técnica por parte dos trabalhadores.
"Temos que lembrar que o consumo das famílias é o principal componente da formação do PIB [produto interno bruto] brasileiro. Aumentar a capacidade de consumo das famílias no curto prazo talvez seja a melhor forma de reativar a economia brasileira", afirma Rocha.
Segundo ele, é preciso lembrar que o país vem sofrendo, nos últimos anos, com a pressão inflacionária, principalmente sobre alimentos, e o aumento do endividamento das famílias. Esse cenário "acaba deprimindo a dinâmica do mercado doméstico", diz.
O economista afirma que um mercado doméstico aquecido induz maior investimento das empresas e ganhos de produtividade, sendo essencial para a competitividade da indústria brasileira e a inserção internacional da economia do país.
"A política de salário mínimo é um componente que permite oferecer um horizonte, uma estabilidade para pensar no crescimento do mercado doméstico", aponta.
17 de novembro 2022, 09:00
Fábio Sobral, economista da Universidade Federal do Ceará (UFC), afirma que o impacto de uma elevação do salário mínimo "é enorme". Segundo ele, há uma "
análise equivocada" que atribui o sucesso dos
governos Lula ao "boom" das commodities da época, atribuindo a fonte da bonança econômica a fatores externos.
"Vimos agora, com o governo Bolsonaro, que essa é uma análise falsa, pois o governo agora também acompanhou um 'boom' de commodities. O mercado externo subiu o preço da soja, da carne e do petróleo, que é o segundo produto de exportação do Brasil, e a economia não se beneficiou", recordou Sobral.
Segundo o economista, o que de fato diferenciou o governo Lula foi a política de valorização do salário mínimo. Para ele, é preciso compreender "a nova fase da economia brasileira, de consumo interno". O especialista indica que a política do governo "precisa estar orientada a essa nova oportunidade".
"Precisamos fazer subir salários, elevar o consumo interno e voltar a atrair a instalação e a expansão de indústrias no Brasil, substituindo exportações e favorecendo o desenvolvimento do país", destaca Sobral.
Ele afirma que o próprio renascimento da indústria depende do consumo interno. O especialista aponta que o país está em uma encruzilhada: "Ou afundamos com uma economia baseada em bens primários e commodities, em produtos de pouca elaboração industrial, ou reindustrializamos o país baseados nesse crescimento da renda, na melhoria da capacidade de consumo e da qualidade de vida dos brasileiros".
26 de dezembro 2022, 17:33
'Há muitas possibilidades' para políticas sociais
Para além do salário mínimo, Marco Rocha, da Unicamp, lembra que há outras políticas fundamentais para combater a desigualdade e promover o crescimento da economia brasileira.
O especialista defende políticas diretas de transferência de renda e melhorias dos serviços públicos, dos bens de consumo coletivo, como transporte, educação, saúde e habitação.
"Tudo isso acaba tendo efeitos positivos sobre a renda e a capacidade de consumo das famílias brasileiras. Neste momento são necessárias políticas de combate à fome e de abastecimento do mercado doméstico de alimentos, para reduzir a pressão inflacionária sobre os alimentos. Isso tudo está relacionado à recuperação da capacidade de consumo da base da pirâmide social do Brasil", disse Rocha.
Fábio Sobral, da UFC, afirma que "há muitas possibilidades" para políticas sociais além da elevação do salário mínimo. Ele cita o
pacote aprovado na PEC da Transição, com a manutenção do
Bolsa Família em R$ 600 e o
acréscimo de R$ 150 por criança.
"É preciso estabelecer uma política de bolsas de estudo em todos os níveis, muito mais amplas. Podemos investir no processo educacional, não só nas escolas. As pessoas precisam ser remuneradas para estarem nas escolas com índices de eficiência, permitindo uma geração profundamente qualificada", disse.
Ele aponta ainda a necessidade de uma reformulação tributária, em que a população de maior poder aquisitivo, que atualmente paga "percentualmente muito menos que os mais pobres", passe a ser mais tributada, "reduzindo o peso da tributação sobre as camadas médias e mais baixas".
Sobral lembra que a distribuição de dividendos entre acionistas de empresas e as remessas de lucro enviadas ao exterior não são tributadas pelo governo brasileiro.
"Compras de bens de luxo, como helicópteros e jatinhos, não são tributados. Há uma baixa tributação sobre herança... Uma série de medidas precisam ser adotadas para tornar a sociedade mais justa, invertendo o peso da tributação, que hoje recai sobre os mais pobres no consumo, [...] [para fazê-lo valer] sobre os mais ricos", apontou.