O Brasil quebrou? Economista explica ruídos entre governo e equipe de transição na Economia

© Folhapress / Diego PadgurschiGráfico das flutuações dos índices de mercado no pregão da BM&FBovespa, a então bolsa de valores de São Paulo
Gráfico das flutuações dos índices de mercado no pregão da BM&FBovespa, a então bolsa de valores de São Paulo - Sputnik Brasil, 1920, 26.12.2022
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Os números confundem ou explicam a economia brasileira em 2022? Em entrevista à Sputnik Brasil, economista analisa a resposta do ministro Paulo Guedes à equipe de transição do presidente eleito. Afinal, o país está quebrado?
Desde a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições presidenciais deste ano, a equipe de transição do presidente eleito e membros do atual governo trocam acusações sobre o estágio das contas públicas do país. A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, chegou a falar em "herança maldita", alegando que alguns serviços essenciais podem deixar de existir.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, publicou uma nota para rebater "as declarações de que o Estado brasileiro está quebrado". Ele se defende ao citar que a dívida pública caiu em relação ao produto interno bruto (PIB) do país e que o Brasil deve encerrar o ano em superávit primário.
Para Fábio Sobral, economista da Universidade Federal do Ceará (UFC), esse debate poderia se arrastar por décadas. Contudo, ao fazer um balanço da economia brasileira em 2022, ele afirma que o principal destaque seria "a desconexão da realidade de alguns economistas do país".
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Segundo ele, as variáveis "que são consideradas importantes pelo governo, como a redução do endividamento e o fato de haver um superávit", não podem ser razão para comemorar no contexto de "grande crise social que estamos vivendo".

"São 32 milhões de pessoas passando fome. São 100 milhões em insegurança alimentar, com refeições faltando à mesa, e preços muito altos de produtos essenciais", comentou, em entrevista ao podcast Jabuticaba Sem Caroço, da Sputnik Brasil.

A herança de Paulo Guedes

Com as críticas da equipe de transição ao ministro brasileiro, analistas financeiros saíram em defesa de Paulo Guedes. José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos, disse ao jornal O Estado de S. Paulo que "a diminuição do tamanho do Estado é um dos pontos importantes de qualquer projeto liberal, principalmente no Brasil, onde o Estado representa 40% do PIB".
Na mesma entrevista, Rafaela Vitoria, economista-chefe do Banco Inter, apontou que "poucas pessoas comemoram redução de gasto do governo, porque só verão o benefício disso no médio e no longo prazo". A dupla cita uma lista de realizações da atual gestão econômica, como a reforma da Previdência, a autonomia do Banco Central, a privatização da Eletrobras e a venda de participações de estatais em empresas privadas.
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Analisando a nota de defesa do ministro Paulo Guedes, Fábio Sobral reconhece que embora existam vertentes ideológicas que divergem sobre o assunto, "economia é política, é uma escolha para o lado que você olha".
"É preciso ver sempre se a economia cresceu para o povo ou se apenas se apresentaram bons números", comentou, acrescentando que "há um setor dominante no Brasil que quer um país ligado ao atraso".

"Por que fechar ou vender o Ceitec [S.A, Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada], que fabricava microprocessadores? Para não concorrer com as [empresas] internacionais? Por que destruir a ciência? O atraso do Brasil é um projeto e foi produzido", disse o economista da UFC.

'O Brasil entrou em um buraco'

A análise de Fábio Sobral é que "o Brasil entrou em um buraco e tem uma economia de dez anos atrás". Ele explica que "não basta ter crescimento, apresentar bons números; é preciso ver se a vida das pessoas mudou. O mero crescimento não é um argumento suficiente para dizer que algo foi bem-sucedido".
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Apontando que faltam verbas para pastas consideradas essenciais, como Educação e Saúde, o professor da UFC disse que a gestão de Paulo Guedes, "de caráter liberal e com a promessa de 'copiar' os EUA", ignorou uma série de aspectos fundamentais que fazem do PIB norte-americano o mais alto, como o aspecto intervencionista em setores críticos.
Segundo o especialista, a economia dos EUA é extremamente intervencionista nas indústrias "de armas e do petróleo — os verdadeiros motores da economia do país —, [...] principalmente para atender a demandas do setor bélico. Ambas são essencialmente financiadas pelo governo dos EUA".
O que ocorre é que nos países centrais "há uma preocupação grande com as questões do dinamismo econômico e do emprego". Portanto mesmo em um país como os EUA, cuja desindustrialização se deu durante um elevado nível de renda per capita, com bons empregos, "havia essa preocupação, de aumentar os empregos industriais".
No Brasil, diz ele, "ao analisarmos essa questão do endividamento, que é a relação entre o PIB e a dívida pública, embora tenha caído, não existem números isolados na economia: o endividamento caiu porque o consumo caiu, em razão da inflação. Com isso, a arrecadação tributária do governo subiu, por causa da inflação alta. O que houve foi o empobrecimento das pessoas mais frágeis e o fortalecimento do governo".
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O economista defende que, enquanto a arrecadação subiu, o governo deveria ter feito maiores investimentos públicos em setores considerados estratégicos, mas não fez por causa da urgência provocada pela pandemia e pelas novas demandas sociais que surgiram, além do compromisso acordado no Congresso com o teto de gastos.

"É ridículo porque ele [teto de gastos] não prevê a chegada de pandemias. Como comprar vacinas com o orçamento comprometido?", questionou.

Fábio Sobral ainda explicou que os investimentos públicos, além de gerarem empregos e oportunidades dentro do tecido social, fazem a tributação e o consumo aumentarem, à medida que se investe em benefícios sociais, por exemplo. "Desse modo, o comércio movimenta a demanda da indústria, e todo esse ciclo na cadeia de abastecimento gera ainda mais arrecadação tributária".

O efeito gasolina

O agravamento das condições socioeconômicas do Brasil ao longo deste ano, no entendimento do especialista, foi uma consequência da ausência de políticas para controle dos preços da gasolina. Isso teve impacto no valor de outros produtos e serviços, como tarifas de transporte e alimentos, o que acabou causando um efeito dominó na economia brasileira.
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"A inflação alta revela que o preço da gasolina no Brasil foi controlado de forma equivocada, prejudicando a população. O governo produziu uma inflação, por meio de uma crise de combustíveis, para financiar os mais ricos, que possuem ações na Petrobras", disse.

Fábio Sobral apontou que "quem paga essa conta é a população. Fomos nós que sustentamos os lucros da Petrobras, que adotou uma política de paridade internacional. Isso significa que a gasolina foi reajustada pelo dólar, o que não faz sentido, porque 80% dos combustíveis que consumimos são produzidos internamente, com custos em reais".
Além disso, "houve uma política de venda de refinarias que precisa ser investigada. Por que reduzimos nossa produção para comprar de refinarias americanas?", questionou.

Dinheiro para bancos não circula na economia real

Sem dúvida o debate envolvendo investimento público esteve no epicentro das discussões econômicas ao longo da gestão de Paulo Guedes no Ministério da Economia. Enquanto uns apontavam para a importância de se elevar a participação da iniciativa privada no PIB, portanto reduzindo a participação do Estado, outros, como o economista Fábio Sobral, foram críticos à política de privatizações e financiamento do mercado financeiro.
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Esse debate ficou mais acirrado com a chegada da COVID-19, quando a perda de salário real do brasileiro chegou a 18,8%, segundo relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Nesse momento, no inicio da pandemia, relembra o especialista, Paulo Guedes tomou uma decisão que marcou sua gestão, quando "liberou R$ 1,3 trilhão para os bancos de crédito facilitado".
A ideia de um Estado planejador dentro de algumas escolas de economistas, defende ele, ganhou uma conotação pejorativa. Isso resultou em uma ausência de planejamento. Em vez de repensar as estatais estratégicas do país, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por exemplo, investiu-se em uma política de juros voltada a fortalecer os grandes banqueiros.
Esse dinheiro, na visão do economista consultado pela Sputnik Brasil, "poderia ser utilizado para pagar o auxílio emergencial, que se transformou em uma luta política no Congresso. Primeiro eles não queriam aprovar. Depois queriam R$ 200, até serem vencidos. Ou seja, para os bancos todo o serviço, todo o Estado. Para os pobres, não teve nada".
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Nesse sentido, Fábio Sobral, sobre a retomada das políticas públicas, acha que existem pontos críticos aos quais o novo governo deve se dedicar, como o setor da educação, "principalmente nas bolsas de mestrado e doutorado"; a política de valorização do salário mínimo, o que vai aumentar o consumo; e principalmente o Estado brasileiro, com "políticas assistencialistas para aliviar o problema da fome".
Além disso, diz ele, existe um esquema de enriquecimento no mercado financeiro que Fernando Haddad, futuro ministro da Economia, chega para cessar.

"Ocorre que, em uma sexta-feira, alguém do governo dizia que controlaria os preços da gasolina, e aí as ações da Petrobras caíam no mercado financeiro. Alguns investidores compravam as ações em queda. Em seguida o dólar subia, o Banco Central decidia leiloar dólares de suas reservas em um valor baixo e investidores compravam os dólares baixos. Na segunda-feira, tudo era desmentido pelo mesmo governo. O preço da ação da Petrobras voltava ao normal, e aquele que comprou baixo na sexta vendia caro na segunda", concluiu.

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