Quem ouvir muitos políticos ocidentais, fica com dificuldades em entender o significado e os mecanismos do conflito de hoje na Ucrânia. Joe Biden, presidente dos EUA, nega qualquer envolvimento direto dos militares americanos no conflito, mas ao mesmo tempo sublinha sem parar que os EUA estão fornecendo bilhões de dólares em armas para a Ucrânia, o que indica que os interesses ucranianos são altamente importantes para Washington.
Mas, se o Exército dos EUA não quer lutar lá, então talvez não seja tão importante assim. Quanto às entregas de muitos bilhões de dólares, o que seriam? Ajuda gratuita? Negócio rentável? Investimentos? Algum tipo de combinação política? A resposta está encoberta em neblina.
E quanto às recentes revelações de Angela Merkel, ex-chanceler da Alemanha, de que os Acordos de Minsk foram um instrumento de adiamento para a Ucrânia, o que sugere que nenhuma paz seria estabelecida e que a Rússia foi enganada. Mas qual era o propósito? Proteger a Ucrânia ou para ela mesma atacar? E por que era necessário enganar se era possível simplesmente fazer o que a própria Alemanha recomendou? Ou a Alemanha recomendou algo que sabia que era impossível de implementar?
Isso pode levar à questão de saber se os batoteiros políticos não poderiam ser punidos, mas hoje parece ser muito mais importante começar a limpar a névoa em torno da situação. Quais foram as razões desse desenvolvimento, e como sair dessa situação, já que ela está se tornando cada vez mais perigosa? Há que começar a análise com as origens dos eventos.
Como terminou a Guerra Fria?
O início de qualquer nova guerra geralmente se dá no final da anterior. O conflito ucraniano foi precedido pela Guerra Fria. A resposta à forma como ela realmente terminou nos aproximará da compreensão do significado do atual conflito, que não está limitado à Ucrânia, mas afeta muitos países. O fato é que os países ocidentais e pós-soviéticos, principalmente a Rússia, entendem os resultados desta guerra de maneira diferente.
O Ocidente atribui inequivocamente a vitória nesta guerra a si mesmo, enquanto a Rússia é vista como a perdedora, então se a Rússia é supostamente o lado derrotado, o território da ex-União Soviética e do ex-bloco socialista é uma presa legítima dos Estados Unidos e da OTAN, que, com base no princípio "ai dos vencidos", passa a ser controlado pelo Ocidente.
Isso logicamente torna a Ucrânia um território de influência dos EUA e da OTAN, e não da Rússia, o que significa que todas as reivindicações da Rússia de ter qualquer influência na política ucraniana e de defender seus interesses nesta região são "infundadas" e são um claro ataque aos interesses dos EUA e da OTAN.
"Não precisamos mais olhar para o mundo através do prisma das relações Leste-Oeste. A Guerra Fria acabou", declarou Margaret Thatcher, premiê do Reino Unido entre 1979 e 1990, no início dos anos 1990. Ou seja, a posição da Rússia no Leste não é mais importante. Há um vetor, um dono do mundo, um vencedor.
A Rússia olha para este processo de maneira bem diferente. Ela não se vê de forma nenhuma como perdedora. As reformas democráticas na política e na economia retiraram a Rússia da Guerra Fria, e o confronto militar foi substituído pelo comércio e a integração com o Ocidente. Se seu ex-inimigo se tornou amigo, isso não é uma vitória?
O objetivo da URSS, e depois da Federação da Rússia, não era ganhar a Guerra Fria, mas sair de um confronto militar entre o Leste e o Ocidente que poderia ter terminado em uma catástrofe nuclear. Juntamente com Washington, Moscou encontrou essa saída, o que conseguiu não tanto por si mesma, mas pelo mundo em geral.
Tal não implicava de todo que o Ocidente absorveria o Leste ou subjugaria econômica, legal e culturalmente o espaço pós-soviético. Tratava-se de cooperação igualitária e da construção conjunta de uma nova realidade política e econômica. Assim, é possível ver claramente duas abordagens do fim da Guerra Fria: o triunfo dos vencedores de um lado e a construção de um novo mundo e de uma nova civilização do outro. Estas são as abordagens que orientarão os eventos no futuro.
Novo mundo ou novas colônias do Ocidente?
Em 1991, a União Soviética colapsou, mas em 1992 foi criada a União Europeia (UE), na qual o espaço pós-soviético, incluindo a Rússia, depositou grandes esperanças. Parecia que aqui se criou um novo mundo, uma nova entidade supranacional e um novo capítulo na história da civilização europeia. A Rússia, juntamente com outros países do antigo bloco socialista e da URSS, se via como um membro de pleno direito desta união no futuro, e estava sendo aplicada a doutrina de uma "Europa de Lisboa a Vladivostok".
Nesta situação, a Rússia aprova não apenas a reunificação alemã, mas também a entrada na UE de seus antigos aliados e até mesmo de ex-repúblicas da URSS. Para a Rússia, a integração econômica com o Ocidente nos anos 1990 veio em primeiro lugar, pois Moscou via nela a garantia de seu sucesso como um Estado moderno.
Ao mesmo tempo, a liderança russa não tem nenhum desejo particular de vincular as antigas repúblicas soviéticas, incluindo a Ucrânia, a Moscou. A maioria das repúblicas soviéticas existia com base em subsídios centralizados, ou seja, da Rússia. Os dirigentes destes países dão palmadinhas nas costas, mas estão tentando se livrar de seus fardos econômicos o mais rápido possível.
A Rússia começa sua integração no mercado europeu mais rápido do que a Ucrânia. Afinal, a Rússia tem enormes quantidades de recursos energéticos que estão em demanda na Europa, enquanto a Ucrânia é incapaz de comprar recursos energéticos a preços europeus.
A independência da Ucrânia podia muito bem ter terminado em colapso econômico sem os territórios do sudeste, onde agora decorrem combates ferozes. O sudeste da Ucrânia incorporou o país à divisão internacional do trabalho devido à sua enorme capacidade de produção e indústria desenvolvida. Hoje não gostam de lembrar disso, mas nos anos 90 foi o sudeste russófono que salvou a economia da Ucrânia e, com ela, sua independência política.
Voltemos agora nossa atenção para outra coisa: nos anos 1990 começou a surgir na Europa e em suas fronteiras uma série de graves conflitos étnicos e guerras, envolvendo milhões de pessoas. Antes de 1991, não havia tanta luta étnica. Tudo isso levou à desintegração da Iugoslávia, à perda de integridade da Geórgia, Moldávia e Síria.
Do ponto de vista do paradigma de unificação europeia, isso não faz sentido. O objetivo desta unificação não é dividir a Europa em uma multidão de pequenos Estados, mas criar uma enorme união supranacional de povos, e estes povos não precisam se exterminar uns aos outros, não precisam multiplicar fronteiras, mas construir juntos um novo mundo comum. O que se passa de errado?
Isso não faz sentido para quem parte do conceito que era anteriormente mantido pela Rússia. Já se partirmos do conceito de vitória do Ocidente na Guerra Fria, os conflitos étnicos têm um significado completamente diferente. Este significado tem sido expressado muitas vezes, incluindo na reunião dos chefes do Estado-Maior Conjunto dos EUA em 24 de outubro de 1995, quando o então presidente do país Bill Clinton disse:
"Usando os erros da diplomacia soviética, a arrogância extrema de Gorbachev e de seu círculo interno, incluindo aqueles que assumiram abertamente posições pró-americanas, conseguimos o que o presidente [dos EUA Harry] Truman [1945-1953] queria fazer à União Soviética com a bomba atômica".
A partir daí pode-se concluir que nem todos os políticos ocidentais queriam criar um mundo novo e justo. Sua tarefa era destruir o inimigo: URSS, Iugoslávia e outros países. A exacerbação dos conflitos interétnicos foi bastante lógica, pois eles enfraquecem o inimigo e, em caso de vitória, ajudam a desmembrar o país para a conveniência da absorção pelo vencedor.
Sob tais circunstâncias, o estado real das coisas é irrelevante, visto que a situação está sendo abalada deliberadamente. Os membros de uma minoria étnica que reside de forma compacta em certas partes de um país são declarados separatistas e uma ameaça ao Estado.
Esta tática é conhecida desde a antiguidade e foi utilizada pela Roma Antiga. Mas parece que agora ninguém fala em construir um novo império escravagista, verdade? Ou pelo contrário, em Washington, por exemplo, o espaço pós-soviético é realmente visto como um conjunto de províncias de um grande império, que já têm sua metrópole e devem ser protegidas das invasões dos bárbaros que não querem obedecer a este império?
Assim, temos duas estratégias políticas: a integração econômica e política de países que priorizam vantagens mútuas e a incorporação de uns países por outros, que não levam em conta os interesses dos países visados. Esses últimos países podem ser desmembrados, declarados párias, conquistados.
Quanto à Federação da Rússia, à medida que emerge da crise provocada pela mudança brusca de rumo político e econômico, ela é cada vez mais confrontada com um claro desejo de a enfraquecer, humilhar, colocar em uma posição de desvantagem, é cada vez mais declarada um Estado pária, apesar do fato de que seu potencial econômico está crescendo.
O crescimento do potencial econômico deve aumentar a influência do país e isso deveria ser bem-vindo no mundo ocidental. Mas o oposto está acontecendo. A influência da Rússia não só não é bem-vinda, como é declarada errada, criminosa e corrupta.
Este é um ponto que devo elaborar mais detalhadamente. A Rússia toma a democracia ocidental como exemplo, realiza reformas e começa sua integração no mundo ocidental. Em termos de construção de uma casa comum europeia, isso deve ser bem-vindo e encorajado. A Europa obtém um parceiro pacífico e economicamente rico, seus mercados, seus recursos, o que sem dúvida a fortalece significativamente.
Mas, se formos guiados pelo pensamento colonial, não se pode tolerar o crescimento econômico e a autonomia de uma colônia distante. As províncias não devem ultrapassar a metrópole nem financeira, nem política, nem culturalmente.
Existe a UE, que estava empenhada em construir uma nova realidade econômica, mas depois há a OTAN, criada em 1949, que confrontou o Leste, principalmente a URSS, a Rússia. Há que recordar as palavras de Hastings Ismay, primeiro secretário-geral da OTAN (1952-1957), que disse que o objetivo da aliança era "manter a União Soviética fora [da Europa], os americanos dentro, e os alemães em baixo".
Ou seja, a ideologia da OTAN é a presença dos EUA na Europa, e em uma posição dominante, e a Rússia fora.
E o que a Rússia deve sentir sobre isso? Ela terminou honestamente a Guerra Fria, mas os EUA e a OTAN parece que não. Acontece que a aliança preparada para ela com o Ocidente não decorre em condições de igualdade, mas em termos de absorção econômica e política. Isso levou às exigências de Moscou para que parem de se aproximar das fronteiras da Rússia e sejam revistas as posições e acordos existentes.
Agora é possível ver que o conceito da OTAN não só destruiu a integração da Rússia na Europa, mas também pôs um fim ao alargamento e desenvolvimento da Europa. Ou seja, das duas abordagens que estamos apresentando aqui, uma claramente derrotou a outra.
Rússia e Ucrânia: uma tragédia de relações
Passemos agora do panorama geral diretamente para as relações entre a Rússia e a Ucrânia. Para começar, as relações entre esses países têm uma história específica. As relações bilaterais são mais próximas do que as existentes entre a Inglaterra e a Escócia, ou entre os estados do norte e do sul dos EUA. A Ucrânia fez parte da Rússia por mais de 300 anos, o que teve um impacto em sua cultura, composição étnica e mentalidade.
Em 1991, a Ucrânia obteve sua independência, não como resultado de uma luta de libertação nacional, mas após acordo com Moscou. A nova realidade econômica e política levou a elite russa não só a conceder a independência à Ucrânia, mas a pressionar por ela. Na época ninguém via um confronto armado entre os dois novos Estados, mesmo em pesadelos. Os ucranianos viam a Rússia como uma potência amigável e o povo russo como fraterno, e as simpatias eram mútuas.
Na Rússia, o pensamento dominante sobre a Ucrânia tem há muito tempo sido o de "outra Rússia", dando a entender uma relação muito mais próxima do que, por exemplo, a existente entre o Reino Unido e o Canadá.
Na vida cotidiana havia um ditado popular: "Temos um povo, mas Estados diferentes". Tanto os ucranianos como os russos estavam muito interessados na vida política de seus vizinhos, o que pode ser perguntado ao atual presidente ucraniano Vladimir Zelensky, que ganhava a vida com sátira política, geralmente relativa à política de ambos os países.
Mas é o exemplo da Ucrânia que mostra claramente como o conceito de criar um espaço político e econômico comum está sendo derrotado pelo conceito de espremer a Rússia para fora da Europa. A Ucrânia vem construindo uma política antirrussa no nível da ideologia estatal desde o primeiro Maidan em 2005.
Ao mesmo tempo, fica claro que esta política tem o molde da Guerra Fria. Assim, os ucranianos foram psicologicamente direcionados contra os russos através do apoio a certos políticos, mudanças no programa educacional, na cultura e na difusão da mídia nacional. Tudo foi realizado sob o pretexto de reformas democráticas, de mudanças positivas, apoiadas por todos os tipos de organizações ocidentais e internacionais.
Seria difícil chamar esses desenvolvimentos de processo democrático. Tratou-se de um simples diktat das forças pró-ocidentais na política, na mídia, na economia, na sociedade civil. A democracia ocidental estava sendo estabelecida por meios completamente antidemocráticos. Hoje a seguinte questão é mais importante do que nunca: o regime político na Ucrânia é uma democracia?
Desde 1991 que dentro da própria Ucrânia havia dois países, um anti-Rússia e um como outra Rússia. Um não se consegue imaginar sem a Rússia, e o outro não se consegue imaginar com a Rússia. No entanto, tal divisão é muito artificial. A Ucrânia passou a maior parte de sua história com a Rússia, e está cultural e mentalmente vinculada a ela.
A integração russo-ucraniana é ditada inequivocamente pela economia. Afinal, se um mercado e recursos tão grandes estão por perto, apenas um governo com visão muito reduzida não fará uso deles, muito menos bloqueá-los. Os sentimentos antirrussos não trouxeram à Ucrânia nada além de tragédia e pobreza. É por isso que todos os movimentos nacionalistas pró-ocidentais pregam, consciente ou inconscientemente, a pobreza e a miséria ao povo ucraniano.
Já referi que foi o sudeste que ajudou o país a se encaixar na divisão global do trabalho através de sua produção. Acontece que era a zona oriental do país, de expressão russa, que obtinha a maior parte das divisas da Ucrânia.
Naturalmente, isto não poderia deixar de afetar a representação política no governo ucraniano. O sudeste tinha mais recursos humanos e financeiros, o que não se encaixava de forma alguma no quadro pró-ocidental da Ucrânia. Lá viviam pessoas demasiado orgulhosas, demasiado livres, demasiado ricas.
Tanto o primeiro como o segundo Maidan foram dirigidos contra Viktor Yanukovich, ex-governador de Donetsk, líder da região de Donbass e das forças políticas centristas não nacionalistas. O apoio eleitoral de tais forças foi muito substancial, pois a Ucrânia não queria ser uma anti-Rússia por muito tempo.
O presidente Viktor Yuschenko (2005-2010), que entrou durante a onda do primeiro Maidan, perdeu muito rapidamente a confiança do povo, principalmente por causa de suas políticas antirrussas.
Em seguida há uma tendência interessante na política ucraniana. As eleições após o segundo Maidan são ganhas pelo presidente Pyotr Poroshenko (2014-2019), que promete a paz com a Rússia em uma semana, ou seja, ele foi eleito como presidente da paz. No entanto, ele se tornou um presidente da guerra, não conseguiu implementar os Acordos de Minsk e perdeu as seguintes eleições com um estrondo.
Ele foi sucedido por Vladimir Zelensky, que também prometeu a paz, mas se tornou a personificação da guerra. Ou seja, ao povo ucraniano foi prometida a paz e depois ele foi enganado. Após ganhar poder com a retórica da pacificação, o segundo líder ucraniano está agora assumindo uma posição extremamente radical. Se ele tivesse tido esta atitude no início da campanha eleitoral, ninguém o teria eleito.
Voltando agora ao conceito geral deste artigo: se alguém diz que vai construir um novo mundo com seus vizinhos, mas simplesmente promove o avanço de seus interesses sem levar em conta nada, mesmo a guerra, até a guerra nuclear, então ele obviamente não vai construir nada. Foi assim que o ex-presidente ucraniano Poroshenko se comportou, é assim que o atual presidente Zelensky se comporta, mas não só eles. É assim que a liderança da OTAN e muitos políticos americanos e europeus se comportam.
Ainda antes do confronto armado, Zelensky simplesmente esmagou qualquer oposição, forçando os interesses de seu partido, sem tentar construir nenhuma paz. Na Ucrânia, os políticos, jornalistas e ativistas sociais, que falavam de paz e boas relações de vizinhança com a Rússia, foram reprimidos antes do conflito militar, seus veículos de imprensa foram fechados sem qualquer base legal e seus bens foram saqueados.
Quando o governo ucraniano foi repreendido por violar o Estado de Direito e a liberdade de expressão, a resposta foi que o partido da paz era "um ajuntamento de traidores e propagandistas", uma resposta que agradou ao Ocidente democrático.
Na realidade, a situação não era tão simples e plana. Os "traidores e propagandistas" representavam, inclusive no parlamento, não apenas a maior parte do eleitorado, mas também a base do potencial econômico do país. Desta forma, o golpe não atingiu apenas a democracia, mas também o bem-estar dos cidadãos da Ucrânia.
As políticas de Zelensky, devido às condições econômicas e sociais, à repressão e ao assédio político, levaram a um êxodo em massa da Ucrânia. Entre os que deixaram o país e fizeram muito por ele estava uma grande quantidade de políticos, jornalistas, empresários, figuras culturais e membros da Igreja ucranianos. Essas pessoas foram expulsas da política e da vida pública pelas autoridades ucranianas, embora não tenham menos direito à sua posição do que Zelensky e sua equipe.
Os negócios do sudeste estão em grande parte ligados à Rússia e seus interesses, pelo que o conflito deixou de ser uma questão puramente interna. A Rússia foi confrontada com a necessidade de proteger não apenas seus interesses econômicos, mas também sua honra e dignidade internacional que, como demonstrei acima, lhe foram sistematicamente negadas. Não havia mais ninguém para lidar com a situação.
O partido da paz ucraniano foi declarado traidor e o partido da guerra tomou o poder. O conflito seguiu em frente e se tornou internacional.
Parece ainda haver uma política europeia, mas ela está apoiando Zelensky em massa, arrastando a Europa para a guerra e sua própria crise econômica. Agora não é mais a Europa que ensina política à Ucrânia, mas a Ucrânia que ensina à Europa como provocar o declínio econômico e a pobreza através de uma política de ódio e intransigência. Se a Europa continuar esta política, ela será arrastada para uma guerra, possivelmente uma guerra nuclear.
Voltando ao ponto de partida, a Guerra Fria terminou com uma decisão política de construir um novo mundo, sem guerras. É bem visível que tal mundo não foi construído, que a política mundial atual está de volta ao ponto em que começou o desanuviamento. Agora restam somente duas opções: deslizar para uma guerra mundial e um conflito nuclear ou iniciar novamente o processo de desanuviamento, para o qual os interesses de todos os lados devem ser levados em conta.
Mas para fazer isso, é preciso reconhecer politicamente que a Rússia tem interesses que devem ser levados em conta na construção de um novo desanuviamento, e o mais importante será jogar limpo, não enganar ninguém, não lançar um nevoeiro e não tentar lucrar com o sangue de outras pessoas. Mas, se o sistema político global é incapaz de decência elementar, está cego pela arrogância e por seus próprios interesses mercantis, então tempos ainda mais difíceis nos esperam.
O conflito ucraniano ou crescerá ainda mais, se espalhando para a Europa e outros países, ou será circunscrito e resolvido. Mas como ele pode ser resolvido se a Ucrânia é dominada pelo partido da guerra, que fomenta uma histeria de guerra que já se espalhou além das fronteiras do país, enquanto o Ocidente, por alguma razão, teima em chamá-la de democracia?
Este partido da guerra declara sem fim que não precisa de paz e precisa de mais armas e dinheiro para a guerra. Essas pessoas construíram suas políticas e negócios sobre a guerra e aumentaram drasticamente suas classificações internacionais. Eles são recebidos com aplausos na Europa e nos EUA, não podem receber perguntas incômodas, e sua sinceridade e veracidade não podem ser questionadas. O partido da guerra ucraniano vai de triunfo em triunfo, ao mesmo tempo que não há avanços militares.
Enquanto isso, o partido da paz ucraniano não é favorecido nem na Europa nem nos Estados Unidos, o que mostra eloquentemente que a maioria dos políticos americanos e europeus não quer a paz para a Ucrânia.
Mas isso não significa que os ucranianos não queiram a paz, e que o triunfo militar de Zelensky seja mais importante para eles do que suas próprias vidas e lares destruídos. Significa simplesmente que aqueles que defendiam a paz foram caluniados, intimidados e reprimidos a mando do Ocidente. O partido da paz ucraniano simplesmente não se encaixou na democracia ocidental.
Isso suscita uma pergunta: se o partido da paz e do diálogo civil não se encaixa em nenhuma democracia, isso será democracia? Talvez os ucranianos, para salvar seu país, precisem começar a construir sua própria democracia e abrir seu próprio diálogo civil sem patrocinadores ocidentais, cujo resultado é prejudicial e destrutivo. Se o Ocidente não quer ouvir o ponto de vista da outra Ucrânia, isso é assunto dele, mas para a Ucrânia tal ponto de vista é importante e necessário, caso contrário este pesadelo nunca terminará.
Por isso, é necessário criar um movimento político daqueles que não se renderam, que não renunciaram a suas convicções sob risco de morte e prisão, que não querem que seu país se torne um lugar de brigas geopolíticas. O mundo precisa ouvir essas pessoas, por mais que o Ocidente exija ter o monopólio da verdade. A situação ucraniana é catastroficamente difícil e perigosa, mas não tem nada a ver com o que Zelensky diz todos os dias.
O artigo foi originalmente publicado no jornal russo Izvestia.