Lavrov: OTAN tem de novo as prioridades da Guerra Fria, querem manter os russos fora da Europa
05:24 01.12.2022 (atualizado: 11:43 01.12.2022)
© Sputnik / Ministério das Relações Exteriores da RússiaSergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, durante encontro do conselho de chanceleres da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), foto publicada em 23 de novembro de 2022
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Neste 1º de dezembro, Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, realiza coletiva de imprensa on-line sobre a segurança europeia.
Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, apontou nesta quinta-feira (1º) que se acumulou um grande número de problemas na área da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE, na sigla em inglês).
"Hoje é uma boa ocasião para olhar para o papel que esta organização tem desempenhado desde sua criação. Desde então, têm havido mais e mais problemas. E hoje, o problema é que se acumulou um grande número de problemas no que agora é chamado de OSCE", disse ele.
Para o ministro, "o espaço de segurança na Europa está definitivamente se fragmentando, e a própria OSCE está se tornando, para dizer de forma branda, uma entidade marginal".
O ministro russo qualificou a presidência da Suécia na OSCE não de um "agente honesto", mas de "participante ativo da política ocidental", e o da Polônia como tendo no ano passado "escavado o túmulo", o fim, da organização, através da destruição dos restos da cultura de consenso.
29 de novembro 2022, 08:12
O MRE da Rússia sublinhou que está sendo criado um espaço de segurança sem a Rússia e Belarus, "mas nós não precisamos de uma segurança assim", e acrescentou que "toda a segurança da Europa está agora reduzida a ser totalmente subserviente em relação aos EUA".
Todas essas ações, disse Lavrov, seriam explicadas pela tentativa ocidental de capturar a organização através de uma "privatização", usando a "superioridade aritmética" dos países ocidentais.
Ele indicou que "até agora, ouvimos dos principais diplomatas europeus declarações no mesmo espírito das de Josep Borrell, [chefe das Relações Exteriores da União Europeia], que tem repetido como um mantra desde o início da operação militar especial que 'este conflito deve terminar com a vitória da Ucrânia no campo de batalha'. É esse um diplomata europeu", disse Lavrov.
"Se é isto que é entendido como diplomacia europeia, não creio que precisemos ir lá. Precisamos entender quando haverá pessoas sãs na diplomacia europeia", afirmou o ministro das Relações Exteriores da Rússia.
A Rússia trabalhará para que as pessoas que promovem uma política de ódio na Ucrânia e na Europa em geral sejam afastadas, prometeu o ministro.
Ações e declarações hostis de outros países
O ministro comentou igualmente as afirmações do Papa Francisco, que disse que a maior brutalidade na operação especial na Ucrânia é supostamente infligida por soldados educados fora da tradição russa, citando como exemplos os buriates e os chechenos.
"O Papa Francisco apela igualmente a negociações, mas também fez recentemente uma declaração incompreensível, nada cristã, agrupando dois povos da Rússia em determinada categoria, da qual se pode esperar atrocidades durante as ações militares", apontou, e que tanto a Rússia, como as repúblicas da Buriátia e Chechênia expressaram a esperança que tais declarações não voltem a acontecer.
"Claro que isto não ajuda a causa [da resolução do conflito] e também não ajuda a autoridade da Santa Sé", resumiu Lavrov.
Ao mesmo tempo, Sergei Lavrov criticou a atuação dos EUA após a conversa entre William Burns, diretor da Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês) dos EUA, e Sergei Naryshkin, diretor do Serviço de Inteligência Externa (SVR, na sigla em russo) da Rússia. O diplomata declarou que os EUA garantiram várias vezes que a conversa seria privada, de maneira a manter um canal confidencial de contato, mas seu conteúdo acabou sendo vazado.
O ministro das Relações Exteriores da Rússia destacou a cooperação no quadro da União da Rússia e Belarus, particularmente na área militar, tendo em conta a "continuação das provocações, incluindo do lado da Ucrânia". Ele também abordou as tensões no mar do Sul da China.
"A linha de defesa (não está claro de quem) da OTAN está se deslocando ainda mais para oriente. Ela provavelmente passará em algum lugar na zona do mar do Sul da China. Dada a retórica que se ouve de Washington, Bruxelas, Austrália, Canadá, Londres, o mar do Sul da China está agora virando uma das regiões onde a OTAN não se importa de escalar as tensões, como outrora o fizeram na Ucrânia", disse Lavrov.
"Sabemos o quanto a RPC [República Popular da China] leva a sério este tipo de provocação, para não mencionar Taiwan e o estreito de Taiwan. Entendemos que tais jogos com o fogo da OTAN nessas áreas representam uma ameaça e riscos para a Federação da Rússia – isso é igualmente perto de nossa costa e de nossos mares quanto o território chinês. É por isso que estamos desenvolvendo a cooperação militar com a RPC", acrescentou o ministro.
A posição russófoba e até racista de países como a Polônia e os países do Báltico será agora aproveitada pelos EUA para alargar a OTAN, apontou o governante russo, assinalando que, na Polônia, mesmo antes do início da operação especial, estava sendo promovido o conceito de três mares.
"O que [o secretário de Estado dos EUA] Antony Blinken disse é muito revelador em termos de quem na OTAN está dirigindo a música. Esta ideia dos três mares, construir um cordão contra a Rússia do mar Negro ao mar Báltico, é originalmente polonesa, apoiada ativamente pelos países do Báltico, e promovida como uma conceção para restabelecer a grandeza polonesa", citou Lavrov.
Ministro russo aborda as sanções impostas à Rússia
Sergei Lavrov chamou de "mentira descarada" as declarações da União Europeia de que não há sanções contra a exportação de alimentos e fertilizantes russos. Ele referiu que, embora a rubrica de "Fertilizantes e alimentos da Rússia" não esteja nas listas de sanções, há uma proibição de transações bancárias, incluindo de e para o principal banco russo, o Rosselkhozbank, que responde por mais de 90% dos pagamentos das exportações de alimentos da Rússia.
As sanções também incluem a proibição de navios da Rússia acessarem portos europeus, de navios estrangeiros acessarem portos russos, além de impedirem o fretamento e seguro de navios, adicionou o ministro.
O chefe da chancelaria afirmou que António Guterres, secretário-geral da ONU, está tentando desbloquear as exportações russas, mas que os EUA e a União Europeia há cinco meses que reagem muito lentamente.
"Esta também é a maneira do Ocidente de mostrar quem manda em casa, atrás de quem você tem de correr, a quem você tem que implorar", enfatizou Lavrov.
Relativamente ao teto de preços para o petróleo russo, o ministro disse: "Isso não nos interessa. Negociaremos diretamente com nossos parceiros, e os parceiros que continuam trabalhando conosco, eles não se orientarão por estes tetos, e não darão nenhuma garantia àqueles que introduzem estes tetos ilegalmente".
"Para aqueles que durante décadas defenderam a liberdade do mercado, a liberdade de concorrência, ditarem os preços ao mercado [...] Este é certamente um desenvolvimento interessante, que, entre outras coisas, envia um sinal muito poderoso a longo prazo a todos os Estados sem exceção, de que, pessoal, vocês precisam pensar em como deixar de usar as ferramentas impostas pelo Ocidente como parte de seu sistema de globalização", notou o ministro.
"Porque o Ocidente, se amanhã não gostar de você... Ele já não gosta da Rússia, a China já se está tornando um alvo de sanções [...] Qualquer um pode ser o próximo."
O ministro das Relações Exteriores russo afirmou que já não há confiança no dólar americano, e que o mesmo está acontecendo com o euro, depois que Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, tentou justificar "o roubo do dinheiro do Estado russo e de cidadãos russos".
Lavrov afirmou que a Rússia não recusa os contatos, mas que não vê ideias significativas por parte dos EUA.
"Vocês perguntaram sobre os contatos entre [o presidente russo Vladimir] Putin e [o presidente americano Joe] Biden. Já falamos várias vezes, e o próprio Putin disse que nunca rejeitamos os contatos. [O chanceler alemão Olaf] Scholz quis vir, por favor, que venha. O [presidente francês Emmanuel] Macron quis vir, sem problemas", expressou o ministro.
"Querem telefonar, todos que o pedem têm esta oportunidade, e o nosso presidente fala como todos sem nenhum limite de tempo. Mas até agora não ouvimos nenhuma ideia significativa", notou.
MRE sobre o conflito na Ucrânia
Agora os EUA e a OTAN estão diretamente envolvidos no conflito na Ucrânia, disse o chanceler da Rússia.
"Por isso, não digam que os EUA e a OTAN não estão envolvidos nesta guerra, vocês estão diretamente envolvidos, não apenas fornecendo armas, mas também treinando pessoal. Vocês estão treinando militares em seu próprio território, no território do Reino Unido, Alemanha, Itália e outros países."
"Observamos com preocupação a retórica do Ocidente, nos acusando de supostamente preparar algumas provocações usando armas de destruição em massa. Mas o próprio Ocidente, incluindo os EUA, o Reino Unido e a França, está fazendo tudo para aumentar seu envolvimento praticamente direto na guerra que estão travando contra a Rússia, por meio dos ucranianos", advertiu ele, e expressou a inadmissibilidade de uma guerra nuclear, conforme foi acordado pelos presidentes dos EUA e da Rússia.
Ele lamentou as mortes que ocorreram durante a operação militar especial, mas instou as partes a "olhar para estas questões justamente, sem padrões duplos", referindo que a mídia ocidental prestou muito menos atenção às mortes civis nos conflitos no Afeganistão, Iraque, Síria e Líbia.
Assim, detalhou, os ataques da Rússia à infraestrutura ucraniana impedem que as armas pesadas do Ocidente sejam usadas para matar russos, e o objetivo final é defender os interesses legítimos da Rússia, de acordo com o direito internacional e não de acordo com as regras impostas pelos EUA.
Lavrov garantiu que "nosso caso é uma tentativa de proteger nossos interesses legítimos de acordo com o direito internacional, não de acordo com as regras americanas", mas a Rússia está sempre pronta para negociações com a Ucrânia.
"E quando nos acusam de pedir constantemente determinadas negociações a fim de ganhar tempo para, por assim dizer, reunir forças adicionais para a operação militar especial, isso é ao mesmo tempo ridículo e desagradável, porque essas pessoas estão mentindo, mentindo descaradamente. Nunca pedimos nenhuma negociação, sempre dissemos que, se alguém tem interesse em uma solução negociada, estamos prontos para ouvir", disse o diplomata.
Sobre a estabilidade estratégica com os EUA, o ministro das Relações Exteriores da Rússia considera isso impossível, uma vez que o objetivo declarado de Kiev é derrotar a Rússia e e não salvar a democracia na Ucrânia.
"Mesmo o objetivo de derrotar a Rússia, como isso pode não importar para a estabilidade estratégica, quando querem destruir um dos principais atores da segurança estratégica? E ainda assim eles nos dizem: não, a Ucrânia deve ser discutida com os ucranianos quando os ucranianos quiserem, enquanto nós discutiremos como vocês armas nucleares e a estabilidade estratégica. Bem, isso é no mínimo ingênuo", adicionou.
No entanto, o mecanismo de troca de prisioneiros com os EUA funciona, Moscou espera que traga resultados, disse o alto responsável.
"Para abordar este tópico específico, os presidentes concordaram em junho de 2021 em Genebra em criar um canal completamente diferente, um canal entre os serviços secretos. Ele está funcionando e esperamos que alguns resultados sejam alcançados", ressaltou.
Política da Europa segue a dos EUA
A Europa está correndo atrás dos EUA, apoia a russofobia dos norte-americanos e usa a Ucrânia como instrumento na guerra contra a Rússia, não só para enfraquecer os concorrentes americanos, mas também o próprio continente europeu, assegurou Sergei Lavrov.
Em referência à visita aos EUA de Emmanuel Macron, presidente da França, Lavrov disse que a Rússia esperava um contato de Macron com Putin, (tal como Macron tinha anunciado que faria) mas que este optou por visitar os EUA primeiro. Segundo o chanceler russo, isso significa que Macron não falará com Biden só sobre a competitividade da Europa mas também sobre as questões ucranianas.
Sergei Lavrov explicou que o Ocidente está criando linhas divisórias que vão explicitamente contra os objetivos da OSCE, que previa que "qualquer um deve ser ouvido", e que "nenhum país deve se sentir excluído do processo geral".
"Mas agora, tudo isso foi virado do avesso", comentou ele.
"O que é claro é que, se e quando, em algum momento, nossos vizinhos ocidentais, e não há como fugir da vizinhança, nossos vizinhos ocidentais e antigos parceiros de repente se interessarem em reconstruir de alguma forma o trabalho conjunto sobre a segurança europeia, não haverá essa restauração. Porque restauração significa o que era antes, mas as coisas já não vão ser mais como eram antes", frisou Lavrov.
"E quando ou se o Ocidente entender que é melhor ter vizinhança com base em algum fundamento mutuamente acordado, escutaremos o que o Ocidente propõe, mas é claro que este seria um início de interação completamente novo", continuou o ministro.
O alto responsável russo disse que o mesmo processo aconteceu com o Conselho da Europa.
Lavrov sobre a Aliança Atlântica
Ele também criticou o papel da OTAN.
"Nos lembramos como a OTAN foi criada: foi quando o primeiro secretário-geral da aliança, o senhor [Hastings] Ismay, chegou à fórmula 'manter os russos fora da Europa, os americanos na Europa, e os alemães sob controle'. O que está acontecendo agora significa claramente um retorno da OTAN àquelas prioridades conceituais que foram criadas há 70 anos", afirmou.
Segundo Lavrov, a OTAN tem ambições em todas as regiões do planeta e quer dominar o mundo, o que está levando os países em desenvolvimento a tentar entender o que a aliança estaria preparando contra eles, disse Lavrov.
"Havia cada vez mais problemas; hoje há um grande número de problemas no que hoje é chamado de OSCE. Eles têm uma profunda projeção histórica e estão enraizados no final do período soviético, no final dos anos 1980, em 1990, quando o número de oportunidades perdidas superou todas as expectativas imagináveis dos analistas mais pessimistas", lamentou.
"Este instinto, que nunca desapareceu dos americanos nem dos outros membros da OTAN, explica o caminho da expansão imprudente da OTAN, que anulou tanto o significado básico da OSCE como instrumento coletivo, como também todos aqueles belos documentos que foram produzidos na OSCE desde os anos 1990."
De acordo com o alto responsável, as promessas feitas pelos países ocidentais nesses anos partiam do princípio de que a Rússia já não recuperaria suas posições na Europa e no mundo, e foi por isso que o Pacto de Varsóvia foi extinto, mas a OTAN não.
O conselho de ministros da OSCE decorre nesta quinta-feira (1º) e sexta-feira (2) em Lodz, Polônia. Varsóvia recusou o visto a Lavrov para que este pudesse participar.