Após quase quatro anos de distanciamento ideológico, Brasil e Argentina voltaram a se aproximar com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E, nesta segunda-feira (23), Lula já acordou em Buenos Aires para seu primeiro encontro internacional, com Alberto Fernández, presidente argentino.
Os líderes se reunirão na Casa Rosada, palácio do governo, na capital argentina, para discutir questões da agenda bilateral e regional e acordos de cooperação em diversas áreas, como soberania energética, defesa e integração financeira.
Segundo publicação do jornal Financial Times,
Brasil e Argentina estão perto de anunciar um trabalho em conjunto para a adoção de uma
moeda única para os negócios entre os países.
A ideia não seria unificar as moedas dos países, muito menos acabar com o real e o peso argentino, mas sim implementar uma unidade monetária paralela para facilitar as transações comerciais das nações vizinhas e, consequentemente,
diminuir a dependência do dólar.
O economista Fábio Sobral, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), afirma que, após um período de afastamento, o movimento de reaproximação é "muito bem-vindo".
Segundo o especialista, há uma dimensão geopolítica importante em uma aliança do Brasil com a Argentina, pois juntos os países podem ajudar a fortalecer as relações da América do Sul com a China.
Ele aponta que a Argentina já tem se aproximado da China, que atualmente é seu principal parceiro comercial. Além disso, o país vizinho é candidato a aderir ao BRICS, podendo ter o apoio do Brasil. O professor lembra que, antes do conflito na Ucrânia, "a Argentina chegou a buscar a própria Rússia como um parceiro privilegiado, já que o Brasil se ausentava".
Segundo o especialista, não faz sentido criar uma moeda comum como o euro na América do Sul. Ele explica que a moeda europeia prejudicou os países menos industrializados, favorecendo a indústria alemã e desindustrializando concorrentes.
Porém o especialista vê com bons olhos a criação de uma unidade monetária para transações financeiras. Segundo ele, o Brasil seria beneficiado na medida em que ele mesmo poderia escapar dos movimentos especulativos em torno do dólar e do real.
"Como a gente importa muitos produtos industrializados, quando a moeda brasileira se desvaloriza muito, ocorre o aumento dos preços, um processo inflacionário. Então uma moeda comercial poderia dar uma maior estabilidade e ajudar a fugir desses mercados cambiais dirigidos por megaespeculadores", apontou.
Sobral afirma ainda que a moeda facilitaria o fortalecimento e a eventual expansão do Mercosul, atraindo outros países que até hoje não haviam demonstrado interesse.
"O Brasil teria um mercado de venda de bens manufaturados. A indústria brasileira seria protegida de outros concorrentes internacionais, voltando ao papel que teve antes, de grande fornecedor do Mercosul", projeta o especialista.
Sobral também argumenta que a eventual moeda fortaleceria o continente frente a organismos internacionais do chamado Sul Global. Ele cita o
Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), também conhecido como Banco do BRICS, como elemento-chave para fortalecer uma moeda sul-americana nas
relações comerciais com China, Rússia e Índia.
O especialista lembra que
o "petrodólar" já começou a perder espaço para o "petroyuan", da China. Recentemente o Wall Street Journal informou que a Arábia Saudita estaria
considerando começar a vender petróleo à China em yuan, em vez de dólar americano, como parte de uma tendência de se distanciar de Washington.