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EUA tentam conter qualquer potência que ameace sua hegemonia e Brasil não é exceção, dizem analistas

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Bandeira dos Estados Unidos da América (foto de arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 18.01.2023
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Em coletiva, o chanceler russo, Sergei Lavrov, afirmou que os EUA tentam minar o desenvolvimento do Brasil. Especialistas ouvidos pela Spunik Brasil destacam se tratar de uma disputa de poder e afirmam que Washington ainda acredita na "América para os americanos".
Após passar séculos subjugados aos interesses políticos e econômicos dos Estados Unidos, países do continente latino-americano, como o Brasil, vêm estreitando a relação com a Rússia e com a China nas últimas décadas.
Essa aproximação foi destacada pelo chanceler russo, Sergei Lavrov, em uma coletiva de imprensa dada nesta quarta-feira (18), na qual ele avaliou a diplomacia e a política externa global em 2022.
Na coletiva, Lavrov ressaltou que "nenhum país latino-americano, exceto Bahamas, aderiu às sanções antirrussas" e afirmou que a Rússia está disposta "a fortalecer as relações com a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos" (CELAC), o que abriria portas para novas cooperações.
Porém o chanceler alertou que os Estados Unidos agem como um obstáculo no caminho para o desenvolvimento de países emergentes, como Brasil, Argentina, Egito e Turquia, e tentam atrapalhar seus crescimentos econômicos.
Para analisar as declarações do chanceler e entender como os EUA podem ameaçar o desenvolvimento do Brasil, a Sputnik Brasil conversou com três especialistas.
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José Alexandre Hage, professor de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), destaca que os interesses dos EUA em conter o desenvolvimento do Brasil podem ser vistos em várias camadas, por vezes não tão explícitas. Ele cita como exemplo o lobby do cinturão do milho americano contra o etanol brasileiro, feito a partir da cana-de-açúcar.

"Há setores da economia americana que poderiam aceitar a compra desse etanol. Só que tem outra questão: os EUA são os maiores produtores de álcool do planeta, só que o deles é álcool de milho, não de cana. E o álcool do Brasil é mais eficiente, queima mais, tem poder de combustão muito maior do que o álcool de milho. Então ele ganharia mercado dentro dos EUA. Há um lobby do cinturão do milho para que o Congresso americano não aceite comprar mais do que uma cota de álcool de cana", explica Hage.

Em contraponto, ele destaca que cooperações com a Rússia são importantes porque ela "se sobressai em temas que são caros ao Brasil, como a tecnologia militar e aeroespacial".

"Tudo aquilo que foi agregado durante a União Soviética, em que a Rússia conseguiu angariar mais prestígio e mais avanço, para o Brasil interessa. Maquinário militar, aviação, química, estudos de física nuclear. No Brasil, isso faz muita falta e são temas que, no caso do Ocidente, o Brasil teria grande dificuldade de obter algum apoio. Nesse caso, a Rússia pode muito bem cumprir esse papel."

Por sua vez, Pedro Costa Júnior, professor de relações internacionais das Faculdades de Campinas (Facamp) e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), destacou que, "desde o início dos anos 2000, a Rússia vem reconstruindo sua soberania no cenário internacional", de forma a consolidar seu lugar como potência, assim como ocorreu durante o período da Guerra Fria. E nesse caminho ao topo, a parceria com a China foi crucial.
"Isso começa a ser construído sobretudo depois de 2013 e 2014, com Xi Jinping e Vladimir Putin", explica Costa.
Ele acrescenta que, com isso, Moscou lançou as bases para uma nova ordem mundial "policêntrica".

"Uma vez que há uma nova ordem mundial policêntrica, há alternativa para todos os países do sistema internacional. Não só para a Ásia ou para os países da Eurásia, para esse eixo de atuação direta da Rússia e da China mais forte, como também para os países do Sul Global, como África e América Latina."

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Segundo Costa, a partir dessa nova ordem policêntrica, Moscou "começou a denunciar mais abertamente e de forma mais incisiva as ofensivas do Ocidente, do G7 e da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte]". "Não é que essas ofensivas não existiam antes, é que agora a Rússia denuncia isso abertamente. Então é uma construção de longo prazo, que vem desde os anos 2000."
Foi essa nova ordem policêntrica que levou a Rússia a se direcionar para outros centros de poder, no caso a América Latina. Costa explica o porquê de Lavrov ter citado especificamente a CELAC. "A CELAC é uma OEA [Organização dos Estados Americanos] sem os EUA e o Canadá e com a presença de Cuba. Então é estratégica essa sinalização à CELAC por parte de Lavrov."
Costa explica que essa nova ordem liderada pelo eixo Rússia–China desagrada Washington porque os EUA "ainda veem um mundo do pós-Guerra Fria na política externa deles". Segundo ele, nesse contexto, os EUA ainda se consideram "uma potência acima das outras".
Por isso o estreitamento de laços entre países da América Latina, como o Brasil, e parcerias de cooperação são malvistas por Washington.

"Os EUA, uma potência hegemônica, disputam poder. E não faz parte de sua natureza fortalecer ou consolidar outro centro de poder. Sobretudo na sua região imediata [América Latina]. Por isso os EUA são permanentemente contra a entrada da China e da Rússia na região", explica Costa.

Ele acrescenta que a visão excepcionalista da política externa americana ainda é regida pelo lema "América para os americanos", da Doutrina Monroe — diretriz estabelecida pelos EUA no século XIX que impedia a interferência europeia na América e estabelecia a liderança do país no continente.

"Claro que quando eles falam 'América para os americanos' é para os norte-americanos, sem outro centro de poder que possa ameaçar ou sequer incomodar a potência hegemônica na região."

Vinícius Rodrigues Vieira, professor de relações internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), aponta que o que existe atualmente é um jogo de poder em que nenhuma potência deseja perder espaço.
Ele acredita que não há uma movimentação intencional dos EUA e do Ocidente contra o desenvolvimento do Brasil, mas pondera que o Ocidente tem um histórico de querer manter hierarquias internacionais intactas. "Qualquer grande potência não tem interesse em outras potências se desenvolverem de fato", aponta Vieira.
Nesse ponto, Alexandre Hage compartilha da opinião de Vieira. Segundo ele, não é uma questão de prazer para uma potência conter o desenvolvimento de outra, mas sim de sobrevivência.
"É questão de se manter no sistema da melhor forma que pode. Se o Brasil estivesse também no primeiro plano, ele ia fazer igual. Não é uma questão de anjo ou demônio, é uma questão de quem agrega poder."

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Alexandre Hage ressalta que "não há dúvidas" de que a parceria da Rússia com a CELAC pode fortalecer o bloco no cenário internacional. Ele aponta ainda a menção de Lavrov ao Mercosul.

"Estamos falando no reforço do Mercosul, em uma relação mais próxima de Mercosul com BRICS. A Rússia talvez seja a diplomacia mais avançada para além do Leste Europeu. Ela pode ser uma espécie de placa giratória dos interesses da América do Sul na Eurásia. Eis aí um terreno que merece muito debate ainda, tem muito que se fazer."

Já Vieira finaliza afirmando que a aproximação com o eixo Rússia–China fará com que os EUA tenham de ser mais generosos com os países da América Latina.

"O Brasil tem aí uma grande chance. Se vai aproveitar ou não esse poder de barganha é outra história. Mas vejo espaço, sim, para atrair concessões por parte dos americanos."

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