Analista: com população em queda, China dá 'lições' ao Ocidente com 'variáveis-chave' para crescer
19:25, 3 de fevereiro 2023
Especialista em economia chinesa, Elias Jabbour explica que o crescimento econômico em si não é o dado mais importante no momento. "Apesar do bloqueio tecnológico, a produtividade do trabalho na China cresceu de forma mais rápida que a dos Estados Unidos", afirma.
SputnikA população chinesa
encolheu pela primeira vez em 60 anos. Em 2022, a quantidade de habitantes do país recuou para
1,411 bilhão de pessoas,
850 mil a menos do que no fim de 2021, deixando a Índia muito perto de assumir oficialmente o posto de nação mais populosa em breve.
Além disso,
o produto interno bruto (PIB) da China cresceu 3% em 2022, aquém das projeções oficiais, na ordem de 5,5%.
Nos últimos três meses do ano passado, a economia chinesa ficou estável em relação ao trimestre anterior. Em 2021, o PIB da China havia crescido 8,4%, após alta de apenas 2,3% — baixa para os padrões chineses.
Os dados foram divulgados pelo Escritório Nacional de Estatísticas da China (NBS, pela sigla em inglês) em relatório no dia 17 de janeiro.
Quais impactos a diminuição populacional do maior país do mundo poderá ter, não apenas na China, mas em todo o mundo, sobretudo seus parceiros comerciais, como Brasil e Rússia? E como ficam as perspectivas para a projeção da economia chinesa em 2023 e nos próximos anos após a divulgação desse relatório?
O economista Elias Jabbour, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e autor do
livro "China: o socialismo do século XXI", aponta que a China entra em um processo de desenvolvimento econômico praticamente independente do chamado "bônus demográfico", quando a população economicamente ativa é maior que a inativa (idosos e crianças).
Segundo o especialista, o país governado por Xi Jinping passará a ter um crescimento econômico mais pautado por "composição orgânica do capital", impulsionada pelo
setor de ciência e tecnologia.
"Eu particularmente acho que não existirão grandes impactos sobre o mundo [por causa] disso. Porque a China vai continuar demandando muito de países tanto centrais, ou seja, na questão tecnológica, quanto [...] periféricos, na questão das commodities. Isso não muda, até porque a China está em uma transição entre campo e cidade, e as pessoas que chegam à cidade mudam seus hábitos de consumo. Eleva-se o uso de proteína na composição alimentar", afirma Jabbour.
Para o economista, o que realmente mudará na China será a qualidade de seu crescimento. Ele explica que o país substitui a "utilização de capital intensivo e trabalho" por inovação e tecnologia.
"Esse é o primeiro grande efeito a ser levado em consideração. A China consolida uma nova dinâmica de crescimento econômico baseada em tecnologia", avalia.
'Variáveis-chave' não são crescimento econômico
Jabbour explica que a desaceleração do crescimento econômico chinês observada nos últimos anos já era prevista, devido ao alto grau de investimento em ciência e tecnologia. Ele diz que as taxas de crescimento "tendem a ser menores durante esse processo".
Porém o especialista projeta uma retomada da alta do PIB chinês nos próximos anos. Segundo ele, o país deve voltar a crescer entre 4% e 5,5%, podendo voltar a atingir os 6%.
Jabbour defende que o dado mais relevante não é referente ao crescimento econômico em si. Segundo o professor, há duas "variáveis-chave" a se verificar: se a produtividade do trabalho na China continuará crescendo de forma mais acelerada que nos Estados Unidos; e se de fato o país gerará os previstos 11 milhões de empregos urbanos por ano, conforme meta estipulada no 14º Plano Quinquenal (2021–2025).
"Apesar do bloqueio tecnológico, a produtividade do trabalho na China cresceu de forma mais rápida que a dos Estados Unidos em 2022, 2021, 2020 e 2019. Já passou pela pandemia, pela crise dos semicondutores e pelo rompimento das cadeias internas de valor da China com a política de COVID zero [programa de restrições devido à pandemia] e mesmo assim [...] não parou de crescer acima da dos americanos", aponta.
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Em sua avaliação, os dados indicam que a China deverá conseguir cumprir esses objetivos. Ele lembra que o governo chinês tem investido pesadamente para expandir a "fronteira tecnológica". "É isso que conduz hoje o crescimento econômico chinês", diz.
Além disso, ele indica que o processo de urbanização demandará "o instrumento de vários serviços, e isso também contribui muito para o fator emprego na China".
Maior Estado de bem-estar social do mundo até 2035
Segundo Jabbour, a China já vem preparando o terreno para o envelhecimento da população. Ele acredita que, com a futura nova estrutura etária, um dos grandes desafios do país será "construir um Estado de bem-estar social".
"O envelhecimento da população apenas acelera esse processo. Com a diminuição da população, impõe-se melhorar substancialmente o sistema de pensões da China, que ainda é um tanto quanto incipiente", avalia.
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De acordo com o especialista, esse processo é parte de um plano mais ambicioso, que envolve a constituição do maior Estado de bem-estar social do mundo até 2035.
"O Estado de bem-estar social não cai do céu. Precisa ter um grande setor produtivo no país capaz de transferir recursos para esse tipo de atividade. Por isso a China já construiu esse setor industrial potente, capaz de gerar excedente para a construção desse Estado de bem-estar social, que deverá estar pronto, segundo os próprios projetos chineses, em 2035", relata.
Para o professor, agora caberá ao Ocidente compreender o processo chinês e aprender com o que está funcionando.
"Cabe a nós aqui no Ocidente ver como eles vão dar conta disso, se vão dar conta, e eu acho que vão, e tirar lições disso. Porque no Ocidente está tudo indo para o buraco no que diz respeito a direitos sociais, trabalhistas, precarização... A tendência da China é oposta à do Ocidente", afirmou.