Os países ocidentais e doadores de organizações humanitárias estão dispostos a gastar bilhões de dólares americanos no apoio a Ucrânia ou Israel, mas pensariam duas vezes antes de dar uma mão a outras nações do mundo em desenvolvimento, incluindo a África, acredita a pesquisadora associada sênior, Ashraf Patel, do Instituto para o Diálogo Global e membro da Rede Think Tank da África do Sul BRICS — bloco composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
"Primeiro, eles veem o mundo em um contexto geopolítico e os membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte [OTAN] e da União Europeia [UE] vêm em primeiro lugar na ordem global de importância", diz Patel. "Portanto, bilhões podem ser gastos em apenas um país, como Ucrânia ou Israel, mas pouco nas nações mais pobres do mundo."
A especialista argumenta que a avaliação do Ocidente sobre quais países eram importantes foi revelada durante a pandemia da COVID-19, quando as nações ocidentais ignoraram as nações mais pobres e praticaram o chamado "nacionalismo vacinal". Ela diz que o continente africano "veio por último" na ordem de importância do Ocidente e "nem sequer foi guarnecido com vacinas".
"Para as nações ocidentais e empresas farmacêuticas, a África era vista como um mercado para ganhar dinheiro durante a pandemia de COVID-19, e eles tiveram bilhões em lucros", afirma Patel. "Apenas a China e a Rússia forneceram vacinas ao mundo em desenvolvimento e à África como parte do apoio humanitário e solidário."
Outra especialista, a professora Jo-Ansie van Wyk, do departamento de Ciências Políticas da Universidade da África do Sul, discorda de sua colega pesquisadora sul-africana, dizendo que "os doadores ocidentais não estão fechando os olhos" aos problemas na África e em outras regiões do mundo.
Van Wyk admite que a assistência humanitária do Ocidente para a crise nos países mais pobres diminuiu recentemente, mas ela argumenta que os membros da OTAN e da UE "são mais propensos a investir em suas esferas imediatas de influência e interesse", pois eles veem a crise na Ucrânia como uma "ameaça direta" contra eles.
"Não esqueçamos a assistência e os investimentos da Rússia e da China nessas regiões", observa a professora van Wyk. "Os dois últimos Estados nem sempre anunciam o tamanho de sua assistência."
Patel concorda parcialmente com esse ponto de vista, dizendo que a Ucrânia era "uma prioridade imediata para o Ocidente e bilhões agora estão sendo mobilizados para isso, em detrimento de muitas nações africanas".
Segundo Patel, a África, que é a região que mais cresce no mundo, ainda é considerada pelo Ocidente "um continente em termos coloniais", uma "caixa perdida" e um "continente que precisa de caridade". Ela enfatizou que deveria haver regras de "comércio justo" que orientariam as relações comerciais com os Estados africanos.
"Portanto, não há regras justas de investimento ou comércio na Organização Mundial da Saúde [OMC] e no G7 e G20", afirma a pesquisadora. "Sem comércio justo, a África depende da ajuda de doadores estrangeiros, que vem com muitas condições prescritivas injustas."
No início da semana, em entrevista à Sputnik à margem do Terceiro Fórum Humanitário Internacional de Riad, Robert Mardini, diretor-geral do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, destacou o fato de que as atividades humanitárias da Ucrânia nos últimos meses foram bem suportadas, enquanto outros países continuam subfinanciados e carentes em todo o mundo.
"Hoje, ironicamente, o trabalho humanitário na Ucrânia é bem apoiado pelos doadores, mas o lado negativo é que o resto do mundo é subfinanciado, e isso é uma realidade para o CICV", disse Mardini à Sputnik. "Eu diria que hoje há falta de financiamento para a grande maioria dos contextos humanitários, começando pela África."
Mardini destacou que a "diplomacia humanitária" precisa da comunidade internacional "para garantir que ninguém fique para trás", acrescentando que existem algumas tragédias esquecidas em lugares como Afeganistão, Mianmar e América Latina.