"O Brasil tem um bom canal de comunicação com a Rússia, com os EUA, visitou recentemente o presidente Joe Biden [dos EUA]. Tem um bom canal de comunicação com a China, e a visita de Lula à China já está agendada. Também tem uma boa relação com os países da União Europeia, com o presidente [Emmanuel] Macron, da França. Acho que o que falta neste momento para o Brasil é construir pontes com a Ucrânia, para totalizar as partes fundamentais para uma solução do conflito."
"Por mais que a gente destaque alguns países como fundamentais para a política internacional, e esses países costumam ser as grandes potências, há alguns anos as dinâmicas internacionais vêm ganhando maiores contornos de uma multipolaridade. E com isso o Brasil pode conseguir arregimentar um bloco de países do Sul Global para pressionar pelo fim do conflito ou para criar formas de uma solução do conflito."
"Se não render bons frutos, ou seja, se o Brasil não conseguir com isso chegar a um cessar-fogo ou a uma possível concertação da promoção da paz, os prejuízos me parecem pequenos. Porque a imagem que se constrói internacionalmente é a de que pelo menos houve o voluntarismo de tentar. E se o Brasil conseguir contribuir de algum modo, gera dois ganhos possíveis. Um para a comunidade internacional, com a produção de um bem comum, que é o aumento da estabilidade internacional, a retomada dos fluxos de comércio, a diminuição das tensões. E gera ganhos para o Brasil, na medida em que consegue se apresentar como aquele que contribuiu para esse novo momento de paz."
"Acho que com a criação desse fórum, mesmo que ele não se traduza em um fim do conflito, o Brasil pode se valer disso para reforçar a sua demanda por uma reforma do Conselho de Segurança da ONU, e então se apresentar como um país que venha a colher louros nessa possível reforma", explica a especialista.
Interesses opostos são o maior desafio para as negociações
"A gente chegou em um momento de impasse, em que nenhuma das partes está disposta a abrir mão das suas respectivas visões para que se chegue a uma solução para a guerra", diz a especialista.
"A demonstração de interesse pelo conflito diminui conforme o tempo vai passando. O tempo, infelizmente, contribui para gerar uma percepção de normalidade ou de normalização do conflito. E aí, na medida em que EUA e União Europeia têm um engajamento que não lhes é tão custoso assim, apenas com auxílio militar e financeiro, mas não com a possibilidade de engajamento de tropas, de perda de vidas, e com o não espraiamento do conflito para os países da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte], a perspectiva é que o conflito se alongue até o desgaste de uma das partes, até a capitulação de uma das partes" conclui Motta.