Panorama internacional

Brasil emerge como representante do Sul Global na questão ucraniana, diz especialista

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialista destaca que o bom relacionamento do Brasil com todas as partes envolvidas faz do país um intermediário confiável, além de reforçar a demanda por um assento no Conselho de Segurança da ONU.
Sputnik
Desde que assumiu a presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva vem engajando o Brasil nos principais temas em debate na política internacional. Sem dúvida, o mais importante deles (também mais nevrálgico) é a busca por uma solução para o conflito entre Rússia e Ucrânia.
Lula tem inserido o Brasil na discussão e propôs a criação de um fórum composto por um grupo de países não envolvidos no conflito, para discutir formas de encerrar as hostilidades. A proposta é bem recebida pela Rússia. Na última terça-feira (21), o vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia Mikhail Galuzin afirmou que Moscou está avaliando a proposta e frisou que a opinião do Brasil é importante para a Rússia.
Mas, para além da retórica, como a diplomacia brasileira poderia contribuir para a resolução do conflito? Em entrevista à Sputnik Brasil, Bárbara Motta, professora de relações internacionais da Universidade Federal de Sergipe (UFS), explica que o Brasil emerge no debate como um representante do Sul Global, munido de um sólido capital diplomático.
Nesse contexto, o bom relacionamento que o Brasil cultiva com todas as partes envolvidas se torna uma arma crucial para a diplomacia brasileira.
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"O Brasil tem um bom canal de comunicação com a Rússia, com os EUA, visitou recentemente o presidente Joe Biden [dos EUA]. Tem um bom canal de comunicação com a China, e a visita de Lula à China já está agendada. Também tem uma boa relação com os países da União Europeia, com o presidente [Emmanuel] Macron, da França. Acho que o que falta neste momento para o Brasil é construir pontes com a Ucrânia, para totalizar as partes fundamentais para uma solução do conflito."

Ela acrescenta que esse bom trânsito entre as partes envolvidas concede ao Brasil o status de intermediário confiável, podendo inclusive servir de canal de comunicação indireto entre Biden e o presidente russo, Vladimir Putin.
A ascensão do debate em torno da multipolaridade e a demanda de países fora do eixo EUA–União Europeia por mais representatividade nas questões internacionais também é um fator a favor do Brasil.

"Por mais que a gente destaque alguns países como fundamentais para a política internacional, e esses países costumam ser as grandes potências, há alguns anos as dinâmicas internacionais vêm ganhando maiores contornos de uma multipolaridade. E com isso o Brasil pode conseguir arregimentar um bloco de países do Sul Global para pressionar pelo fim do conflito ou para criar formas de uma solução do conflito."

Muitos desses países do Sul Global foram afetados pelo conflito, principalmente pelo agravamento da fome, como ocorre em alguns países da África, que correm risco de insegurança alimentar por conta das restrições às exportações de grãos, entre outras coisas.
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Segundo Motta, em termos diplomáticos, a conjuntura traz algumas oportunidades para o Brasil. Ela destaca que apenas o fato de o Brasil se engajar na busca por uma solução em si é um bom movimento feito por Lula.

"Se não render bons frutos, ou seja, se o Brasil não conseguir com isso chegar a um cessar-fogo ou a uma possível concertação da promoção da paz, os prejuízos me parecem pequenos. Porque a imagem que se constrói internacionalmente é a de que pelo menos houve o voluntarismo de tentar. E se o Brasil conseguir contribuir de algum modo, gera dois ganhos possíveis. Um para a comunidade internacional, com a produção de um bem comum, que é o aumento da estabilidade internacional, a retomada dos fluxos de comércio, a diminuição das tensões. E gera ganhos para o Brasil, na medida em que consegue se apresentar como aquele que contribuiu para esse novo momento de paz."

Porém um dos principais ganhos para o Brasil com o engajamento é reforçar o pleito brasileiro como bom candidato a um assento no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesse contexto, a especialista destaca que o Brasil já vem se apresentando dessa forma há muito tempo, mas em outros contextos, como em participações em missões de paz da ONU, por vezes liderando, e no envolvimento na negociação do acordo entre Irã e EUA.

"Acho que com a criação desse fórum, mesmo que ele não se traduza em um fim do conflito, o Brasil pode se valer disso para reforçar a sua demanda por uma reforma do Conselho de Segurança da ONU, e então se apresentar como um país que venha a colher louros nessa possível reforma", explica a especialista.

Interesses opostos são o maior desafio para as negociações

Questionada sobre por que há poucos atores realmente engajados na busca pelo fim do conflito, Bárbara Motta aponta que a situação atual é travada por interesses que colidem.

"A gente chegou em um momento de impasse, em que nenhuma das partes está disposta a abrir mão das suas respectivas visões para que se chegue a uma solução para a guerra", diz a especialista.

Ela acredita ser impensável para a Rússia "recuar ao estágio pré-fevereiro do ano passado, na medida em que se poderia passar uma imagem de derrota".
"Para a Ucrânia, abrir mão da região de Donbass também é impensável. Inclusive, recentemente, o presidente [Vladimir] Zelensky [da Ucrânia] afirmou que para ele a vitória significava [...] reaver a Crimeia. Para os EUA e os principais países da União Europeia, qualquer percepção de vitória da Rússia seria, pelo menos neste momento, também inaceitável. Acho que a maior dificuldade neste exato momento é definir o que é vitória para cada uma das partes envolvidas."
Segundo Motta, esse cenário traz uma ameaça maior: a de capitulação com o conflito. Isso porque o tempo pode reduzir o interesse na questão.

"A demonstração de interesse pelo conflito diminui conforme o tempo vai passando. O tempo, infelizmente, contribui para gerar uma percepção de normalidade ou de normalização do conflito. E aí, na medida em que EUA e União Europeia têm um engajamento que não lhes é tão custoso assim, apenas com auxílio militar e financeiro, mas não com a possibilidade de engajamento de tropas, de perda de vidas, e com o não espraiamento do conflito para os países da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte], a perspectiva é que o conflito se alongue até o desgaste de uma das partes, até a capitulação de uma das partes" conclui Motta.

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