Panorama internacional

Por que as eleições na Nigéria são consideradas 'extremamente delicadas' para UE e África?

Os nigerianos vão às urnas neste sábado (25) para votar em eleições legislativas e presidencial em meio a um clima acirrado entre as principais forças políticas do país, com três candidatos com chances reais de ser escolhido para governar a Nigéria pelos próximos quatro anos.
Sputnik
Existem alguns fatores geopolíticos que forçaram o mundo a olhar com mais atenção para o que está ocorrendo nas eleições nigerianas, mas três deles são fundamentais: a crise energética europeia, o crescimento de grupos extremistas islâmicos em países vizinhos e as incertezas que pairam sobre o resultado do pleito.
Para o podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, as jornalistas Melina Saad e Thaiana de Oliveira conversaram com Orlando Muhongo, licenciado em relações internacionais pela Universidade Privada de Angola (Upra), e Eduardo Ernesto Filippi, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), para entender o contexto nigeriano e por que essa eleição se tornou tão importante.
O fato, dizem eles, é que desde que a Europa decidiu cortar sua demanda por gás russo, os possíveis substitutos, como é o caso da Nigéria, o maior fornecedor de gás da África, passaram a ser observados de perto. Se quiser insistir em sua retórica russofóbica, a União Europeia (UE) precisará de um aliado em Abuja.
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Além disso, como ocorreu em outros países africanos, organizações extremistas, como o notório Boko Haram (grupo terrorista proibido na Rússia e em vários outros países), ameaçam jogar o país africano em uma crise de segurança.
A experiência europeia em tentar derrotar o terrorismo no Sahel, sobretudo em Mali, Burkina Faso e Chade, revelou que os desafios nesse sentido são muito mais difíceis do que parecem.

A eleição presidencial na Nigéria

Para vencer a eleição presidencial na Nigéria, é preciso obter 25% dos votos válidos e terminar à frente em dois terços dos 36 estados do país e na capital, Abuja. O partido governista detém 22 dos estados, o que ajuda a dimensionar sua força.
Ao contrário do que ocorre em outros países, quando despontam os favoritos com suas promessas de campanha, ainda não é possível prever o vencedor deste pleito e qual será a política externa nigeriana, principalmente tendo em vista os desafios geopolíticos fermentados em um mundo que ficou mais tenso.
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Para Orlando Muhongo, existe uma forte apreensão internacional porque são 18 candidatos concorrendo, e embora apenas três deles tenham chances de vencer o pleito, houve uma ruptura do "acordo de cavalheiros" feita pelo partido governista, que lançou uma chapa presidencial com dois muçulmanos.

"Nesse arranjo de cavalheiros, feito nas primárias, os partidos se comprometem a lançar candidatos, presidente e vice, que representem as diferentes etnias que existem no país", apresentando nomes ligados às principais religiões e grupos étnicos nacionais, disse ele.

Entretanto o partido governista, o All Progressives Congress (APC), do ex-senador Bola Tinubu, decidiu romper essa tendência, abrindo espaço para o crescimento do candidato mais jovem, o único candidato cristão, Peter Obi, do Labour Party (LP), considerado a terceira força.
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A oposição, por sua vez, encabeçada por Atiku Abubakar, do Peoples Democratic Party (PDP), busca figurar no meio-termo entre os dois partidos, ao apresentar um vice cristão e manter a tradição das eleições nigerianas de eleger um muçulmano.
Segundo Orlando Muhongo, "todos os grupos envolvidos nessas eleições acreditam que é possível vencer, por isso são eleições extremamente delicadas". Em um país cuja democracia ainda é recente e em que "apenas 13% dos eleitores consideram as eleições confiáveis", qualquer problema na contagem pode catalisar sentimentos de fúria e insubordinação social.

"Existe muito ceticismo quanto às eleições", disse ele, acrescentando que os índices de abstenção, que podem chegar a 60%, mostram um cenário pouco previsível.

Terrorismo, gás e pobreza: o que está em jogo na Nigéria?

Apesar dos temores de que o resultado do pleito pode ser adiado ou terminar em um cataclismo social, o professor Eduardo Ernesto Filippi entende que as eleições ocorrerão sem transtornos, pois existem problemas no país que unem as agendas de todos os candidatos.
Presidente nigeriano, Muhammadu Buhari discursa durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática de 2018 (COP24), em Katowice, na Polônia, em 3 de dezembro de 2018
Em sua avaliação sobre o cenário político do país, Eduardo Ernesto Filippi explicou que Abuja "tem desafios econômicos, como a inflação, estimada em 19%; a desaceleração do PIB, que cairá em 2023 para 2,7% (ante 3% em 2022); e o fato de cerca de 33% da população estar desempregada".
Orlando Muhongo ainda enfatizou que "se a maior economia do continente africano passar por uma crise, qualquer instabilidade afetará os demais países". Segundo ele, a Nigéria é hoje um dos países mais importantes geopoliticamente, "porque figura como uma possível substituta para o gás e o petróleo de Moscou na Europa".
Em julho de 2022, o vice-diretor-geral do Departamento de Energia da Comissão Europeia, Matthew Baldwin, confirmou que a UE estava buscando suprimentos adicionais de gás no país africano.
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Ele recebeu garantias de que Abuja estava melhorando a segurança no delta do rio Níger e planejava reabrir o gasoduto Trans-Niger, o que renderia mais exportações de gás para a Europa.
A UE importa 14% de seus suprimentos totais de gás natural liquefeito (GNL) da Nigéria. Em 2021, Abuja exportou 23 bilhões de metros cúbicos de gás para a UE, embora o número esteja diminuindo ao longo dos anos. Em 2018, o bloco comprou 36 bilhões de metros cúbicos de GNL do país africano.
Além disso, explicou Muhongo, a Nigéria é um dos bastiões da segurança regional, tendo desempenhado um papel importante no combate aos insurgentes islâmicos do Daesh (organização terrorista proibida na Rússia e em vários outros países) e do Boko Haram, que assombram países da África e do Oriente Médio.
Apesar dos esforços das autoridades para deter a ação dos extremistas, a violência no país segue fazendo muitas vítimas, sendo a Nigéria o país que mais mata cristãos no mundo, por exemplo.
No último ano, segundo a ONG Portas Abertas, houve mais de 4 mil casos violentos, como ataques a bomba e a tiros, que deixaram quase 11,4 mil mortos no país.
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