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Setor nuclear brasileiro quer Frente Parlamentar para combater fake news, diz presidente da ABDAN

Frente Parlamentar nuclear no Congresso quer melhorar imagem do setor e desassociá-lo de vez das bombas de Hiroshima e Nagasaki e do acidente de Fukushima. Em entrevista à Sputnik Brasil, o presidente da ABDAN, Celso Cunha, fala sobre cooperação com a estatal russa Rosatom e papel da Marinha nesse setor-chave para o desenvolvimento brasileiro.
Sputnik
No dia 14 de março, a Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (ABDAN) promoverá o evento Nuclear Communication, com o intuito de debater a percepção da opinião pública sobre o esse setor-chave da economia nacional.
Em entrevista à Sputnik Brasil, o presidente da ABDAN, Celso Cunha, reconheceu que o setor nuclear ainda lida com entraves de comunicação e imagem junto à sociedade civil.
"O mundo foi apresentado ao setor nuclear por meio de duas bombas, que destruíram duas cidades [Hiroshima e Nagasaki, no Japão, em 1945] e todos os seus habitantes", disse Cunha à Sputnik Brasil. "Muitos anos se passaram, mas o impacto desses eventos continua."
Segundo ele, apesar das evidências científicas, a opinião pública segue cética quanto às vantagens da energia nuclear perante outras fontes, como a termoelétrica, ou mesmo eólica e solar.
"A energia nuclear é menos perigosa em termos de irradiação de particulados radioativos do que a eólica ou a solar, que geram alta irradiação durante o processo de extração de minerais necessários para a sua produção a partir de terras raras", considerou Cunha. "Não que as demais fontes sejam ruins, cada uma tem seus prós e contras."
Energia eólica
Durante o encontro Nuclear Communication, a Associação promete divulgar pesquisa inédita com moradores da região de Angra dos Reis sobre a construção de novas usinas nucleares.
"Não vou dar todos os números, só um spoiler: cerca de 76% da população da região de Angra tem boa aceitação em relação às atividades nucleares", disse Celso Cunha. "O engraçado é que esse número cai um pouco conforme a pesquisa afasta de Angra, mostrando que aqueles que estão de perto e realmente conhecem são mais favoráveis às atividades nucleares do que aqueles que estão longe e não conhecem."
Além do desconhecimento sobre a segurança e sustentabilidade do setor nuclear, a opinião pública brasileira também é cética quanto aos custos para a construção de novas usinas. A construção da usina de Angra 3, por exemplo, ainda consumirá cerca de R$ 17 bilhões dos cofres públicos, de acordo com a estimativas da Eletronuclear.
Para Celso Cunha, no entanto, o investimento é compensado pela estabilidade da geração de energia nuclear, que geraria confiabilidade a todo o sistema.
Usina nuclear Angra 1, à esquerda, e usina nuclear Angra 2, à direita (foto de arquivo)
"Não podemos comparar abacaxi com chuchu. As fontes eólica e solar estão sujeitas a intempéries e são intermitentes. Já a nuclear é uma energia de base, e seus custos devem ser comparados aos das termoelétricas, gás natural e carvão. E nessa comparação vemos que a única que não emite CO2 é a nuclear", asseverou Cunha.
Para aprimorar o esforço de comunicação do setor nuclear, a ABDAN está empenhada em formar uma Frente Parlamentar Mista de Tecnologia e Atividades Nucleares (FPN) no Congresso Nacional, sob a liderança do deputado federal Júlio Lopes (PP-RJ). Segundo Cunha, o projeto já reuniu 103 das 198 assinaturas para que a frente entre em vigor.
Fachada do Congresso Nacional, em Brasília, 22 de outubro de 2022
"Esperamos que até maio estejamos com a Frente Parlamentar trabalhando a todo vapor", disse Cunha. "Nosso evento [Nuclear Communication] será o primeiro rufar dos tambores, como nas escolas de samba, que aquecem o couro para juntar as pessoas."

Combinar com os russos

O evento da ABDAN reunirá participantes de empresas como Eletronuclear, Indústrias Nucleares Brasileiras (INB) e da estatal russa Rosatom, que tem papel relevante no desenvolvimento do setor nuclear brasileiro.
"Colaboramos com a Rosatom assim como colaboramos com outras empresas internacionais", declarou Celso Cunha. "O Brasil já definiu sua posição internacional, e nós agimos de acordo com a política do nosso governo."
No ano passado, a estatal russa assinou memorando de entendimento com a ENBPar, empresa brasileira responsável pelo setor nuclear, para aprofundar a cooperação em áreas como operação e construção de novas usinas nucleares no Brasil.
Participantes passam pelo estande da empresa estatal russa Rosatom, no Fórum Internacional AtomExpo, Sochi, Rússia, 21 de novembro de 2022
"A Rosatom é a maior fornecedora de radioisótopos para o Brasil, e não podemos deixar a população sem diagnóstico e tratamento", considerou o presidente da ABDAN.

Governo Lula

Apesar do ceticismo de alguns grupos da sociedade brasileira quanto ao empenho do governo Lula 3 na esfera nuclear, o Executivo já deu sinais de comprometimento com o setor.
Em fevereiro, o governo relançou o projeto do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), essencial para a produção de radioisótopos de uso medicinal em tratamento e diagnóstico de doenças graves, como o câncer.
"Estamos confiantes de que os recursos para o projeto serão entregues, conforme anunciado pela ministra [da Ciência e Tecnologia, Luciana Santos] tanto no Brasil, quanto na Argentina", declarou Cunha.
O Reator Multipropósito será construído na região da base da Marinha brasileira de Aramar, em Iperó, no estado de São Paulo. O local revela a centralidade da Marinha brasileira no programa nuclear brasileiro como um todo.
Submarino Riachuelo, o primeiro do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), que prevê a produção de cinco navios do tipo, entre eles o primeiro submarino brasileiro convencionalmente armado com propulsão nuclear
"O setor nuclear do Brasil nasceu com a Marinha, temos que reconhecer isso", considerou Cunha. "E essa foi a única instituição que nunca parou de pesquisar e desenvolver tecnologia nuclear."
A principal conquista brasileira no setor nuclear foi a obtenção da tecnologia do ciclo completo de produção de combustível nuclear e o desenvolvimento de uma centrífuga de tecnologia nacional, graças ao trabalho de figuras da Marinha, como o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva.

"As centrífugas brasileiras são construídas pela Marinha e [seu design] é um segredo de Estado, que acredito estar bem guardado com esta instituição", notou Cunha.

Atualmente, a Marinha segue como ator-chave no desenvolvimento da atividade nuclear brasileira, ao comandar a construção do submarino nuclear brasileiro, o PROSUB. Durante reunião com comandantes militares em janeiro de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reafirmou seu compromisso com o projeto, que deve custar mais R$ 2,5 bilhões aos cofres públicos.
"A Marinha tem a necessidade clara e correta de desenvolver a propulsão nuclear, até porque o transporte marítimo é um dos setores mais poluidores do mundo", disse Cunha.
O presidente da ABDAN ainda atestou o caráter pacífico do programa nuclear da Marinha, lembrando que o Brasil aderiu ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) e proíbe a pesquisa e desenvolvimento de armamentos nucleares no seu texto constitucional.
No dia 14 de março, a Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (ABDAN) promoverá o evento Nuclear Communication, em parceria com a Eletronuclear, na Casa Firjan, no Rio de Janeiro. A ABDAN atua há mais de três décadas no Brasil, reúne mais de 30 empresas do setor nuclear e possui acordo de cooperação com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
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