O ex-primeiro-ministro australiano Paul Keating criticou de forma bastante direta os planos do atual governo de comprar submarinos nucleares dos EUA e do Reino Unido como "o pior negócio da história" em uma extensa sessão de perguntas e respostas no National Press Club da Austrália na quarta-feira (15).
"Por US$ 360 bilhões [cerca de R$ 1,9 trilhão], conseguiremos oito submarinos – o pior negócio da história", disse Keating, quando questionado sobre o que o chamado acordo AUKUS representa para o país.
Quanto ao plano de aquisição de submarinos do primeiro-ministro Anthony Albanese, anunciado no início desta semana, Keating foi igualmente pessimista, já que, quando o acordo para comprar oito submarinos da classe Virginia com propulsão nuclear de um consórcio de fabricantes de armas dos EUA e do Reino Unido for concluído "seremos sugados para o sistema de controle americano", explicou o ex-primeiro-ministro insinuando que a soberania do país teria sido "arrancada" dele.
"Se estivéssemos comprando substitutos da classe Collins" — os submarinos não nucleares muito mais baratos atualmente empregados pela Marinha australiana — "teríamos pelo menos 40-50 desses submarinos [...] pelo mesmo preço." Os novos submarinos pesam 8.000 toneladas – o dobro do tamanho da classe Collins – "eles também vão poder ser descobertos do espaço", de acordo com o ex-primeiro-ministro.
Também há sérias dúvidas sobre se os novos substitutos são adequados às necessidades defensivas do país, observou ele.
"Uma embarcação de 4.000 toneladas, como o Collins, funcionou perfeitamente na costa australiana, porque foi projetado para proteger a Austrália", afirmou ele. "Não foi projetado para ficar na costa chinesa, afundando submarinos chineses. Então agora temos uma grande 'sucata' de 8.000 toneladas e temos três em vez de 15."
Keating, ex-líder do Partido Trabalhista, passou a criticar seus sucessores, que segundo ele teriam tomado a "pior decisão internacional" do partido desde que o ex-primeiro-ministro Billy Hughes tentou recrutar australianos para a Primeira Guerra Mundial, ao se referir ao tempo que o governo levou para tomar a decisão de compra dos submarinos.
"Como você pode pegar uma política que vai custar tanto dinheiro" e "ter essas consequências em nossas relações" com ambos e com a base industrial nacional "em 24 horas?"
Segundo Keating, o maior problema reside no fato de que na Austrália "a defesa ultrapassou a política externa" e "como consequência, não estamos usando a diplomacia", criticou.
Keating insistiu que a liderança da China "cairia sobre si mesma" para ter "um relacionamento adequado" com a Austrália, dado que Camberra fornece "o minério de ferro que mantém sua base industrial funcionando e não há outro lugar além de nós para obtê-lo".
De acordo com o ex-primeiro-ministro, "os chineses nunca insinuaram que nos ameaçariam, ou disseram isso explicitamente", porque "a única maneira de os chineses ameaçarem a Austrália ou atacá-la é por terra — ou seja, eles trazem uma armada de navios de tropas, com um enorme Exército, para nos ocupar. [...] Isso não é possível para os chineses fazerem", porque dentro desses "8.000 quilômetros [de] Xangai e Brisbane [...] simplesmente afundaríamos todos eles", apontou Keating.
A verdade, explicou o ex-primeiro-ministro australiano, é que "a China cometeu, aos olhos dos Estados Unidos, o grande pecado do internacionalismo. E qual é esse pecado? Desenvolver uma economia tão grande quanto a dos Estados Unidos. Esse é o pecado. Eles ficaram tão grandes quanto os EUA".
Para Keating, quando a classe dominante norte-americana vê uma economia industrial maior que a de seu país, ela se sente ameaçada em sua posição hegemônica. Esta é a razão que leva os EUA, por exemplo, a desejarem ser a principal potência estratégica na Ásia, mesmo sem estar no continente asiático.
Na opinião do líder político australiano, o que Anthony Albanese fez nesta semana foi "aparafusar o último grilhão da longa corrente que os americanos colocaram para conter a China". Isso significa que "agora fazemos parte de uma política de contenção contra a China", disse.
Keating passou a ridicularizar a sessão de fotos da última segunda-feira (13) que comemorava o acordo AUKUS, na qual Albanese ficou ao lado do presidente dos EUA, Joe Biden, e do primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, em San Diego, Califórnia.
"Há três líderes parados ali, apenas um está pagando — o nosso cara", afirmou.
"Eles pegaram o presidente americano, que dificilmente consegue juntar três frases coerentes — você sabe, ele estava feliz com tudo isso." E "Rishi não podia acreditar que vamos repassar US$ 380 bilhões [cerca de R$ 2 trilhões] ao longo do tempo para a British Aircraft, BAE Systems, uma empresa britânica, para construir essas coisas — e para as empresas de submarinos americanas — e temos que construir as bases aqui."
Para Keating, o Brexit destruiu o lugar do Reino Unido na Europa, o que obriga ao governo britânico a "reunir a Grã-Bretanha global", disse ele. "Então, eles estão procurando otários. [...] E eles descobriram, 'oh, aqui está um monte de gente acomodada na Austrália'", zombou Keating.
"'Um primeiro-ministro acomodado, um ministro da Defesa conservador, um ministro das Relações Exteriores avesso ao risco — vamos fazer uma proposta a eles'", disse ele, esfregando as mãos em falso entusiasmo.