À frente do país com mais de 1,4 bilhão de habitantes e a primeira economia do mundo (em PIB por paridade de poder de compra), Xi Jinping tornou-se o principal personagem de uma nova era na política externa chinesa, consolidando parcerias, reacendendo rivalidades geopolíticas, liderando projetos de integração na Eurásia, fortalecendo coalizações entre Estados e reconfigurando o cenário das relações internacionais.
Já em seu primeiro ano à frente da China, Xi Jinping anunciou o lançamento de uma Nova Rota da Seda, que envolvia investimentos estatais chineses em infraestrutura em todo o continente eurasiático e na África, destinados à construção de rodovias, portos, gasodutos e ferrovias transcontinentais que visam transportar de forma mais eficiente as mercadorias chinesas até o Ocidente.
Englobando cerca de 55% do PIB, 70% da população e 75% das reservas de energia mundiais, a Nova Rota da Seda representou um dos mais ambiciosos projetos de integração regionais empreendidos por uma grande potência em toda a história.
Em se tratando de Ásia, outro dos marcos importantes na era Xi Jinping foi a adesão em 2017 da Índia e do Paquistão à Organização de Cooperação de Xangai. Fundada em 2001 por iniciativa chinesa, a organização conta ainda com a presença da Rússia e dos países da Ásia Central e objetiva sobretudo combater a instabilidade regional no continente asiático.
Não sem razão, as adesões de Estados importantes como Índia e Paquistão à organização simbolizam uma verdadeira reestruturação estratégica no continente eurasiático sob a liderança chinesa. No plano econômico, faz-se necessário citar a criação do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura em 2015, que funciona como um banco multilateral de desenvolvimento na Ásia e que tem atraído cada vez mais o interesse de diversos países dentro e fora da região.
Funcionando como uma espécie de "rival do Banco Mundial", a instituição aumentou a gravitação econômica em torno da China em detrimento dos tradicionais mecanismos de Bretton Woods liderados pelo G7.
Na era Xi, fortaleceu-se também a parceria comercial e política com a Rússia. No ano de 2020, por exemplo, o valor das importações chinesas para o mercado russo - em torno de US$ 50,7 bilhões (R$ 266 bilhões) - foi de 17 vezes o valor registrado em 2001; também em 2020, o valor das exportações russas para o mercado chinês, cerca de US$ 49,3 bilhões (R$ 258,6 bilhões) equivaleu a aproximadamente oito vezes o valor registrado também em 2001.
Como resultado dessa maior cooperação econômica, em 2014 Moscou e Pequim assinaram um contrato de comercialização de gás natural através do gasoduto Força da Sibéria no valor de US$ 400 bilhões válido pelos próximos 30 anos. O contrato foi o maior já realizado pela Gazprom e contou com a presença dos próprios presidentes Putin e Xi Jinping.
Putin e Xi conversam no Kremlin, 20 de março de 2023
© Sputnik / Sergei Karpuhin
No plano político, com o Ocidente a tentar isolar a Rússia após o início do conflito na Ucrânia em 2022, a China se mostrou um aliado leal de Moscou no âmbito de uma "parceria estratégica" que vem se fortalecendo desde o começo dos anos 2000 em prol do estabelecimento de um mundo "multipolar".
Pelo BRICS, a China se tornou sede do Novo Banco de Desenvolvimento em 2015, instituição que representa o resultado da interação bem-sucedida de economias de mercado emergentes dentro da governança financeira mundial, demonstrando ao mesmo tempo sua insatisfação com a lentidão das reformas nos organismos de Bretton Woods representados pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional.
Sem sombra de dúvidas, o fato de a sede do banco estar localizada em Xangai indica o papel preponderante da China dentro do agrupamento, assim como seu papel de liderança à frente de países em desenvolvimento ao redor do globo. Vale lembrar que sob a liderança de Xi Jinping a China aumentou significativamente seus contatos diplomáticos e comerciais tanto na África como na América Latina.
Nesta região em especial destaca-se o papel das relações entre China e Brasil. O país sul-americano manteve-se como um importante fornecedor de comodities ao mercado chinês e ao mesmo tempo o maior recipiente de investimentos estrangeiros da China na América Latina.
Em relação à União Europeia (UE), segunda macrorregião de maior importância comercial para a China (atrás somente da própria Ásia), o período Xi Jinping foi marcado por algumas acusações por parte dos europeus acerca de dificuldades sofridas por suas empresas em território chinês, além de tensões crescentes acerca da questão referente a direitos humanos.
Europeus e americanos com frequência passaram a acusar a China de tratamento injusto para com minorias no país, além de apontarem para um aperto do governo contra a oposição e às manifestações ocorridas recentemente em Hong Kong. Por outro lado, europeus e americanos demonstraram claros sinais de hipocrisia ao também impor restrições às empresas de telecomunicações chinesas, sobretudo no caso da Huawei, em vista da alegada suspeita de espionagem por parte do governo de Pequim.
Não sem razão, a China entendeu que a questão toda tinha relação não com a proteção de direitos humanos em si, mas sim com a tentativa de minar sua influência nesses mercados.
Não obstante, outro movimento importante da política externa chinesa sob Xi Jinping foi a modernização das Forças Armadas do país. A China investiu pesadamente em seu Exército nos últimos anos com o objetivo de aumentar sua capacidade de projeção de poder – sobretudo no mar do Sul da China – e de defender seus interesses geopolíticos.
Isso incluiu o desenvolvimento de novas tecnologias militares, bem como a expansão da Marinha e da Força Aérea chinesas, o que passou a causar cada mais vez mais preocupação em Washington.
Nesse contexto, os Estados Unidos começaram a monitorar de perto o incremento da capacidade militar chinesa, sobretudo em torno da questão envolvendo Taiwan, com tensões periódicas a surgir entre os dois países.
Na prática, a ascensão do poderio da China de Xi Jinping representa sua pretensão de contrapor-se – assim como o faz a Rússia – à presença estadunidense na Ásia e em demais regiões onde os interesses chineses possam estar envolvidos.
Em suma, estes foram somente alguns exemplos do aumento na relevância da China no cenário político global durante a era Xi Jinping e não restam dúvidas de que o país continuará sendo um dos atores políticos mais importantes deste século.
Curiosamente, até algumas décadas atrás considerações quanto ao papel da China nas relações internacionais eram quase inexistentes. Isso porque o foco das análises no Ocidente sempre esteve direcionado – de forma míope – para a experiência dos países europeus e dos Estados Unidos na construção da ordem mundial de Estados.
Contudo, fato é que durante boa parte de sua história a China também foi uma das grandes potências do sistema, apesar de muitas vezes ignorada.
O presidente chinês Xi Jinping faz uma reverência antes de fazer um discurso na cerimônia de encerramento do Congresso Nacional do Povo da China (NPC) no Grande Salão do Povo em Pequim, 13 de março de 2023
© AP Photo / Andy Wong
A questão era que os chineses não estavam lá muito interessados nas relações com o mundo exterior seja política, econômica ou militarmente. Isso porque a China era o centro de seu próprio mundo.
Hoje, já não é mais possível ignorar a importância da China para a ordem mundial multipolar que se apresenta, tampouco o papel de Xi Jinping nesse processo, ao colocar o "Império do Meio" de volta no centro de uma nova configuração de poder nas relações internacionais.