Na oportunidade, Stoltenberg também deixou claro que a OTAN vê com preocupação a aproximação entre a Rússia e a China nos últimos tempos, e que Pequim passou a representar um desafio e uma ameaça aos valores, aos interesses e à segurança dos países da OTAN.
Acusando a China de não acreditar na "democracia" e na "liberdade de expressão", Stoltenberg também manifestou preocupação quanto ao aumento dos investimentos militares chineses, incluindo em novos mísseis de longo alcance que podem atingir o território da OTAN.
Vale lembrar que os Estados Unidos, Estado-líder da OTAN, já haviam restabelecido em 2017 o Diálogo de Segurança Quadrilateral (Quad) na Ásia-Pacífico, que inclui Austrália, Índia e Japão, movimento direcionado para refrear a posição da China na região. A velha política de contenção dos americanos, antes concentrada na Rússia, agora possui um novo alvo na Ásia.
Todas essas questões recentes suscitam a percepção de que a OTAN está finalmente pensando em se tornar global num futuro próximo. Ora, pela "política de portas abertas" da organização, desde que um país cumpra determinados critérios relacionados a aspectos econômicos, militares e políticos, não há nada que o impeça de se qualificar como membro da Aliança, nem mesmo sua posição geográfica no globo.
A verdade é que esse quadro que vemos hoje resulta da percepção de que o Ocidente teria sido o "vencedor" da Guerra Fria, e aos vencedores, portanto, tudo é permitido. Quando muitos de fato imaginavam que a OTAN deixaria de existir na década de 1990, devido à ausência da "ameaça soviética", a Aliança mostrou resiliência e começou a intervir ativamente em regiões que antes estavam fora de seu escopo original, como no caso dos Bálcãs e do Leste Europeu.
Depois seria a vez do Norte da África e Oriente Médio sofrerem intervenções da OTAN nos anos 2000, segundo a justificativa de que focos de instabilidade política nessas regiões representavam uma ameaça à segurança e estabilidade da própria Aliança. Alguém viu certa semelhança com o discurso recente de Stoltenberg?
Como diziam os americanos ainda em 1997, a OTAN, que fora criada para proteger o oeste europeu, deveria então fazer o mesmo pelo leste. É com base nesse mesmo raciocínio, portanto, que a OTAN vem cada vez mais ampliando seu espaço de atuação pelo mundo.
Com a justificativa de que a Aliança estaria apenas se adaptando às novas demandas de segurança internacional, Washington deixava claro que a OTAN representava o principal pilar do envolvimento americano na Europa, assim como em outras regiões do globo.
Rússia e China, por sua vez, já em finais da década de 1990 manifestavam sua preocupação com as tentativas do Ocidente de ampliar e fortalecer blocos militares, numa alusão clara ao projeto de expansão da OTAN, que ameaçava um dia cercar ainda mais ambos os países.
Tais suspeitas viriam a ser reforçadas por conta de diversos acontecimentos ao longo dos anos 2000. No caso da China, o "pivô para a Ásia" anunciado durante a presidência de Barack Obama (2009-2017), assim com o restabelecimento do Quad em 2017, representou uma tentativa americana de conter o crescimento e a influência chinesa na Ásia-Pacífico; já para a Rússia a expansão da OTAN no contexto pós-Guerra Fria e as sanções aplicadas ao país depois de 2014 representaram uma tentativa de conter a influência da Rússia no espaço pós-soviético.
Não por acaso, China e Rússia passaram a condenar com frequência as políticas unilaterais e provocativas dos EUA tanto na Ásia como na Europa.
As reações a essas movimentações por parte dos americanos e da OTAN no mundo fizeram com que a Rússia, de um lado, investisse em sistemas militares e balísticos de alta tecnologia, enquanto a China, de outro, também aumentasse seus gastos militares e modernizasse seu Exército; dado o acirramento do conflito hoje em curso na Ucrânia, assim como a firme retórica chinesa na defesa de seus interesses envolvendo Taiwan e o mar do Sul da China, ambos os países mostraram que não mais aceitarão a interferência de potências estrangeiras em suas zonas de influência.
Hoje, Rússia e China entendem a ameaça representada pelas tentativas de cerco da parte dos Estados Unidos e da OTAN em lados opostos da massa terrestre eurasiática. Washington, nesse caso, continua levando a cabo o pensamento geopolítico britânico de princípios do século XX.
Ora, conforme ponderou em 1904 o geógrafo inglês Halford Mackinder, a Eurásia é um território essencial a qualquer potência que pretendesse empreender um projeto de dominação mundial. Não por acaso, na época o governo britânico entendia a necessidade de impedir – de todas as formas – uma união entre Alemanha e Rússia, pois isso favoreceria a supremacia do poder terrestre (continental) e eurasiático frente ao poder marítimo dos ingleses.
Atualmente, este objetivo de política externa está sendo levado a cabo pelos americanos. É por isso que os Estados e a OTAN (como afirmou Stoltenberg) veem com preocupação os movimentos de aproximação entre China e Rússia durante os anos 2000.
São justamente estes dois atores que tem atuado como a principal força motriz por trás da integração regional na Eurásia e em sua consolidação como um polo forte e independente nas relações internacionais, o que não deixa de causar grande apreensão no Ocidente.
Por fim, Putin sempre criticou o processo de ampliação da OTAN, pois enxergava a ameaça causada pela Aliança à segurança da Rússia; tratava-se na prática de uma "militarização indesejada" em torno das fronteiras russas e uma continuidade da "infame política de contenção" do Ocidente conduzida ao longo dos séculos contra o país.
Os processos que testemunhamos hoje constituem uma ampliação dessa política de contenção, agora voltada não somente para o "estrangulamento" da Rússia, como também da China.
Na tentativa de impedir a consolidação da Eurásia como um centro de poder influente no mundo multipolar, os Estados Unidos e a OTAN optam por exportar o cenário de instabilidade política resultante de suas ações na Europa, desta vez para a região da Ásia-Pacífico. Na prática, trata-se do nascimento de um projeto de expansão global da OTAN para contenção da Eurásia sob a liderança sino-russa.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação