Envolta por simbolismos e repleta de gestos políticos importantes, a passagem do presidente brasileiro pelo território chinês trouxe consigo novos ventos de mudança. A primeira se deu com a posse de Dilma Rousseff como presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), também conhecido como Banco do BRICS.
Na ocasião da cerimônia de investidura de Dilma no cargo, Lula fez menção à importância de se ter uma mulher à frente de uma instituição de alcance global como o NBD, enfatizando também a atuação conjunta dos países emergentes nessa instituição.
Cabe notar que a posse de Dilma é carregada de simbolismo, primeiro pelo fato dela ter sido a presidente brasileira durante a Cúpula dos BRICS de 2014 em Fortaleza, quando a criação do Banco dos BRICS foi oficialmente anunciada, e segundo por representar a primeira ex-chefe de Estado a assumir o cargo de chefia da instituição.
Reunião com a presidência do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), Dilma Roussef e Lula em Xangai, 13 de abril de 2023
© Foto / Palácio do Planalto / Ricardo Stuckert / CC BY 2.0
Não obstante, como afirmou Lula em discurso durante a cerimônia "o BRICS não poderiam ter ficado alheios às grandes questões internacionais", dado que as necessidades de financiamento de projetos de infraestrutura e de desenvolvimento sustentável hoje existentes não são capazes de atender às necessidades das economias emergentes.
O NBD, por sua vez, é justamente um símbolo dessa inquietação sentida pelo Brasil e pelo BRICS quanto à ineficiência das instituições de Bretton Woods (leia-se Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial) para o atendimento das demandas desenvolvimentistas do Sul Global.
Representa, outrossim, uma mudança clara no processo de tomada de decisão no âmbito financeiro internacional, por se tratar de uma instituição comandada majoritariamente por economias emergentes e voltada para economias emergentes.
Ao prosseguir com a visita, Lula também teceu críticas ao modelo de financiamento tradicional empreendido pelas organizações multilaterais dominadas pelo G7, sobretudo no que se refere ao FMI, ao ponto de em determinado momento dizer que suas políticas acabam "asfixiando" as economias dos países tomadores de empréstimos.
De fato, os problemas econômicos vivenciados por diversas regiões do mundo durante as décadas de 1980 e 1990 fizeram com que muitos países (inclusive o Brasil) recorressem ao FMI por ajuda, sofrendo, como consequência, pressões políticas por parte dessa instituição para a adoção de programas econômicos ortodoxos que mais agravavam do que remediavam os seus problemas domésticos.
Contudo, as posições atuais tanto do Brasil quanto da China demonstram que esse período turbulento ficou passado e que Lula e Xi Jinping continuarão defendendo reformas na governança global, sobretudo no âmbito do BRICS e do G20, de forma que ela se torne mais representativa das realidades econômicas e políticas do mundo contemporâneo.
Ainda em se tratando de economia, em sua visita à China Lula criticou firmemente o papel do dólar como moeda de transações globais, defendendo, por seu turno, a utilização de moedas locais para o comércio entre os países e a eventual criação inclusive de uma moeda única do BRICS.
Trata-se da confirmação de um movimento de mudança já em curso no cenário internacional, manifestado pela perda de prestigio do dólar e pelas recentes negociações entre os governos do Brasil e da China para o uso do yuan como meio de pagamento e de empréstimos. Não obstante, a moeda chinesa já figura como a segunda mais importante dentro das reservas internacionais do Brasil e certamente ganhará cada vez mais espaço com o passar do tempo.
Outro ponto importante no encontro foi a reafirmação mútua quanto à importância do diálogo e da diplomacia como "único método viável" para a solução do conflito na Ucrânia. Lula e Xi Jinping se posicionaram no sentido de encorajar esforços para o estabelecimento de conversações de paz, opondo-se ao prolongamento das hostilidades defendida pelo Ocidente.
Com efeito, embora não tenha trazido proposições específicas para um cenário de cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia, o Brasil endossou as propostas chinesas para uma solução pacífica da crise no Leste Europeu.
Compete lembrar que, dentre os 12 pontos defendidos pela China, encontram-se por exemplo: o abandono da mentalidade típica da Guerra Fria pelas partes envolvidas, a indivisibilidade da segurança internacional, a crítica ao fortalecimento e expansão de blocos militares no continente e a suspenção do uso de sanções unilaterais não autorizadas pelo Conselho de Segurança da ONU.
Todas essas questões foram levantadas pela Rússia ao longo de sua inteiração política com os países Ocidentais, mas que acabaram sendo ignoradas ao longo do caminho. Lula e Xi Jinping, portanto, posicionaram-se de forma condizente com os princípios de relações internacionais defendidos pelos dois países, ao mesmo tempo em que contrariaram a abordagem mais belicista empregada pelas potências ocidentais.
Por fim, é preciso dizer que a visita de Lula à China terminou marcada pela assinatura de diversos acordos e memorandos de entendimento envolvendo áreas como: infraestrutura, transição energética, logística, indústrias de alta tecnologia, comunicação, satélites, entre outros.
Com isto, percebe-se outra mudança importante na relação entre os dois países, no sentido da promoção de uma maior diversificação nos investimentos mútuos, voltada sobretudo para o desenvolvimento tecnológico de diversos setores econômicos no Brasil.
Apesar de parecer um movimento restrito à relação bilateral Brasil-China, a verdade é que a assinatura de tais documentos revela uma nova realidade do mundo: a de que a China tornou-se referência no processo de transferência de tecnologias para o desenvolvimento do Sul Global.
Antes esse papel era tradicionalmente exercido pelos países ocidentais (sobretudo Estados Unidos e Europa), mas agora vem cada vez mais sendo ocupado e promovido pelos chineses.
Não à toa, na declaração conjunta emitida pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil e da China a visita do presidente Lula - e seu encontro com Xi Jinping - foi considerada um "pleno sucesso". Na verdade, não somente um sucesso, mas também um indicativo da chegada de novos ventos para as relações internacionais. Dessa vez, são ventos que sopram do Oriente.
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