Panorama internacional

Mais do que Ucrânia, maior receio dos EUA com Brasil é seu propósito de desdolarização, diz Korybko

Nas últimas semanas, principalmente em discursos durante sua viagem à China, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem tocado em pontos sensíveis para os Estados Unidos, como a tentativa de mediação do Brasil diante do conflito entre Rússia e Ucrânia e a necessidade da desdolarização do mercado.
Sputnik
Na visão de Andrew Korybko, um dos principais especialistas em Guerra Híbrida do mundo entrevistado pela Sputnik Brasil, mesmo que as últimas declarações de Lula sobre o conflito tenham gerado desgaste diplomático entre Brasil e EUA, o fato de Brasília ter votado na ONU contra a operação russa e ter assinado uma declaração conjunta com Joe Biden condenando a ação ajudam para que o tópico, mesmo delicado, "seja tolerável".
"A primeira questão não representa uma ameaça aos seus interesses, embora complique a campanha de propaganda dos EUA destinada a demonizar e isolar a Rússia, mas a segunda é completamente diferente", afirmou Korybko.
Pela perspectiva do analista, a desdolarização seria mais preocupante para os norte-americanos uma vez que gera grande incômodo no momento em que um "processo de multipolaridade financeira" está em curso.
"A China é o principal parceiro comercial do Brasil, e esses dois países, juntamente aos demais parceiros do BRICS, têm interesse comum em acelerar os processos de multipolaridade financeira […] diante disso, seus planos [do Brasil] de desdolarização com a China podem ser interpretados como uma tentativa de evitar preventivamente uma dependência potencialmente desproporcional dos EUA, garantindo assim a autonomia estratégica do Brasil na nova Guerra Fria […]."
O especialista ainda acrescenta que "a aceleração do processo de multipolaridade financeira ameaça diretamente um dos pilares do qual a hegemonia unipolar dos EUA depende para continuar", mas alerta que "é irreal esperar que o Brasil abandone a desdolarização, uma vez que essa meta promove seus interesses nacionais objetivos".
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"O Brasil continuará desdolarizando, não importa quem esteja no poder e como o obtenha, especialmente porque o fascínio do comércio desdolarizado com a China é muito atraente para o poderoso lobby agrícola brasileiro. A questão é que, embora os planos de mudança de regime liderados pelos EUA sempre permaneçam como uma ameaça de algum tipo para a maioria dos países, eles podem não ser suficientes neste caso para obter concessões significativas de política externa do Brasil."
Sobre a política externa brasileira, o analista acredita que Washington tem a consciência de que pressionar Lula com muita força em torno de seus próprios interesses pode ter o efeito contrário, ou seja, pode fazer com que o Brasil se afaste, principalmente por conta da "base anti-imperialista do PT que o pode levá-lo a reconsiderar supostamente sua rede de influência global com os democratas dos EUA".
Ao mesmo tempo, se Washington tentar usar suas armas preferidas (sem ser as militares) quando tenta coibir países, leia-se as sanções, poderia ter grandes perdas, diz Korybko, e que o melhor para os estadunidenses é aceitar "os limites de sua influência".
"Os EUA correriam o risco de perder um número sem precedentes de corações e mentes se sancionarem o Brasil por sua política externa e, assim, se tornarem diretamente responsáveis por infligir dificuldades socioeconômicas ao seu povo. […] O melhor cenário, no entanto, seria que os EUA aceitassem os limites de sua influência sobre o Brasil e se contentassem com o que já restaurou sob Lula até agora."
Ao que tudo indica, o governo Biden parece estar ciente do "risco" ressaltado pelo especialista, visto que, mesmo com as recentes duras críticas feitas pela Casa Branca ao Brasil, Washington anunciou hoje (20) US$ 500 milhões (R$ 2,5 bilhões) para o Fundo Amazônia, aumentando em dez vezes sua oferta feita em fevereiro no valor de US$ 50 milhões (R$ 250 milhões), conforme noticiado.
O anúncio norte-americano pode ser interpretado como um aceno do país estadunidense que tenta ganhar novamente destaque entre países sul-americanos, atualmente bem voltados para acordos com Pequim e Moscou.
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"Lula poderia encorajar proativamente mais envolvimento dos Estados Unidos em uma ampla variedade de esferas, como agrícola, financeira, manufatureira e tecnológica […] no entanto, ao enviar sinais positivos aos EUA sobre seu desejo de ampliar a cooperação nessas esferas, Lula pode trabalhar no sentido de desafiar a falsa percepção de que a crescente influência chinesa no Brasil representa um problema para os interesses legítimos dos EUA", analisa.
Indagado se o Brasil "deve algo" aos estadunidenses por Washington ter dado forte apoio à democracia brasileira durante as últimas eleições, Korybko recordou que a prisão de Lula – consequência da operação Lava Jato – foi resultado da guerra híbrida dos EUA contra o Brasil, pela qual se pretendia "desferir um golpe mortal no PT" e trazer outro candidato que "posteriormente deveria institucionalizar a restauração abrangente da influência dos EUA".
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No entanto, "Jair Bolsonaro acabou não cumprindo o que os norte-americanos pensavam que faria, como comprovado por sua recusa em distanciar o Brasil da China – apesar de sua retórica hostil na campanha – e da Rússia", diz o especialista.
Portanto, mesmo com a ajuda recebida nas eleições de agora, e reconhecida em entrevista concedida nesta terça-feira (18) pelo assessor especial da presidência da República, Celso Amorim, quando disse que "os EUA tornaram uma atitude correta em relação ao processo eleitoral brasileiro e isso é positivo", deve-se lembrar que "isso não vincula o presidente Lula às posições americanas", afirmou Amorim na entrevista mencionada por Korybko.
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