Panorama internacional

Muita retórica, pouco resultado: como a África recebe promessas de Lula sobre cooperação?

Brasil apresenta cartilha de boas intenções durante viagem do presidente Lula a África do Sul, Angola e São Tomé e Príncipe. No entanto, instabilidade do engajamento do Brasil no continente gera frustração entre os parceiros africanos, alertou analista em entrevista à Sputnik Brasil.
Sputnik
Neste domingo (27), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encerrou viagem oficial de uma semana ao continente africano. Durante sua estadia, o brasileiro realizou visitas bilaterais e multilaterais na África do Sul, Angola e São Tomé e Príncipe.
Um dos principais objetivos da viagem é retomar a presença do Brasil no continente africano, reduzida significativamente na última década.
"O Brasil andou para trás. Durante sete anos, os presidentes não tiveram coragem de vir ao continente africano. Eu resolvi [...] dizer ao continente africano que o Brasil está de volta a África", disse Lula durante sua visita a Angola. "Vir para África não é um sacrifício, é um orgulho, embora muitos não gostem disso."
Em Luanda, o governo brasileiro assinou 25 acordos de cooperação em áreas como comércio, saúde, educação e desenvolvimento agrícola. Para impulsionar a retomada dos contatos bilaterais, o Brasil acenou com a possibilidade de voltar a fornecer linhas de crédito para importação de produtos brasileiros e realização de projetos de infraestrutura em Angola.
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a cerimônia de condecoração com a Ordem Dr. António Agostinho Neto, e do presidente João Lourenço com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, no Palácio Presidencial de Angola, Luanda, Angola, 25 de agosto de 2023
"Vamos voltar a fazer financiamento para os países africanos. Vamos voltar a fazer investimentos para Angola, que é um bom pagador das coisas que o Brasil investiu aqui", disse o presidente brasileiro.
A visita de Lula foi bem recebida pela comunidade diplomática angolana. Em entrevista à Sputnik Brasil, o embaixador angolano Rui Orlando Xavier demonstrou expectativa quanto à cooperação em setores como agricultura e indústria de transformação.
"Essa visita do presidente Lula vem em um momento muito oportuno, há muitos projetos a serem desenvolvidos e o Brasil é um dos países que pode ajudar Angola a concretizá-los", disse o embaixador à Sputnik Brasil. "O Brasil hoje tem uma voz firmada na comunidade internacional e a presença do presidente Lula na África é prova disso."
Já durante sua passagem pelo arquipélago de São Tomé e Príncipe para a participação na 14ª Cúpula da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), Lula apoiou o engajamento da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) e da Fundação Oswaldo Cruz em projetos da área de saúde nos países-membros do bloco.
Foto de líderes na 14ª Cúpula da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) em São Tomé e Príncipe, 27 de agosto de 2023
A cartilha de boas intenções ao continente africano apresentada pelo Brasil durante a estadia de Lula ainda inclui a reabertura de embaixadas brasileiras em países como Libéria e Serra Leoa, além da possível inauguração de representação em Ruanda, reportou a BBC News Brasil.
Para o pesquisador sênior em Governança e Diplomacia Africana no Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais (SAIIA), Gustavo de Carvalho, os países do continente diminuíram as suas expectativas em relação ao Brasil nos últimos anos.
"A imagem do Brasil no continente africano segue positiva, ainda que a expectativa do papel brasileiro tenha diminuído de forma considerável", disse Carvalho à Sputnik Brasil.
Segundo ele, houve forte frustração quanto à "forma abrupta com que o Brasil se desengajou do continente, depois de anos de intensos contatos".
"Entre 2003 e 2010, tivemos de fato um grande crescimento nas trocas comerciais, nos investimentos, em programas educacionais e culturais", relatou Carvalho. "No período de Dilma Rousseff [2011-2016] vemos uma desaceleração no engajamento brasileiro, que foi mantida até os anos de Jair Bolsonaro [2019-2022]."
Jair Bolsonaro durante lançamento do Plano Safra 2022/2023, no Palácio do Planalto. Brasília (DF), 29 de junho de 2022
Outro fator que motiva a frustração dos parceiros africanos em relação ao Brasil é o excesso de promessas não cumpridas, acredita o analista brasileiro baseado na África do Sul.
"O Brasil prometia demais, criava argumentos sofisticados para o interlocutor, mas que nem sempre se materializavam", lamentou Carvalho. "O que vimos de fato foram experiências pontuais, realizadas por agências tradicionais de cooperação, como a Embrapa, focadas em áreas de interesse do Brasil – e não necessariamente dos parceiros locais."
Apesar do "vai e vem" brasileiro na África, a plataforma que se mostrou mais resiliente às mudanças de governo em Brasília foi o BRICS.
"Durante esses anos de ausência brasileira, o que se manteve continuado mesmo foi o papel do BRICS, garantindo que a posição do Brasil não se debilitasse tanto", disse Carvalho, que também citou o papel do Itamaraty na manutenção das relações com parceiros africanos durante os anos de desengajamento do Palácio do Planalto.
Lula na Cúpula do BRICS, 24 de agosto de 2023
O especialista ainda nota a ampla aceitação que a figura pessoal do presidente Lula tem no continente, o que fortalece o objetivo da diplomacia brasileira de retomar sua agenda africana.
"A volta do Brasil ao continente africano não deveria ser uma volta porque nós nunca deveríamos ter saído do continente africano", declarou Lula para empresários em Angola.
Entre os dias 21 e 27 de agosto, o presidente Lula cumpriu agenda oficial na África. Entre os dias 22 e 24, participou da 15ª Cúpula do BRICS em Joanesburgo, África do Sul. Nos dias 25 e 26, cumpriu agenda oficial em Angola, de onde seguiu para São Tomé e Príncipe, para participar da 14ª Cúpula da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), no dia 29 de agosto.
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