STF tem competência para julgar clã Bolsonaro no caso da venda ilegal de joias? Juristas explicam
18:41, 4 de setembro 2023
Redação
Equipe da Sputnik Brasil
Foram várias trocas de versões desde que o ex-presidente Jair Bolsonaro e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro caíram no epicentro do escândalo das joias, revelado pela mídia em 3 de março.
SputnikInicialmente, ambos disseram
desconhecer a existência do conjunto de joias, que foi
apreendido pela Receita Federal em 2021 e
mostrado pelo jornal O Estado de S. Paulo.
No entanto,
as provas coletadas pela Polícia Federal (PF) e reveladas no mês passado eram contundentes e
apontavam diretamente para o casal. Desde então,
as defesas de ambos vêm se fiando em uma tese da Procuradoria-Geral da República (PGR), segundo a qual o Supremo Tribunal Federal (STF) não seria o foro adequado para o julgamento dos dois. Isso porque eles já
deixaram seus cargos.
De acordo com Augusto Aras, atual procurador-geral da República, decisões do ministro Alexandre de Moraes no contexto do inquérito seriam passíveis, inclusive, de
serem anuladas pelo colegiado do STF, segundo entrevista
cedida por ele ao site Metrópoles.
Juristas ouvidos pela Sputnik Brasil, contudo, discordam dessa versão e veem como "mínimas" as chances dos atos de Moraes e tampouco o inquérito serem anulados.
Avaliados em cerca de R$ 16,5 milhões, os ornamentos estavam em uma mochila de um auxiliar do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, cuja equipe não havia declarado a entrada desses bens no país.
Tratava-se, segundo Albuquerque, de presentes do governo da Arábia Saudita à ex-primeira dama. O estojo de joias da marca Chopard continha colar, anel, relógio e um par de brincos, todos eles cravejados de diamantes. Ainda sob comando de Bolsonaro, o governo federal tentou recuperar, sem sucesso, o conjunto em pelo menos oito ocasiões.
Um segundo pacote e um outro relógio, este da marca Patek Philippe, foram posteriormente descobertos e revendidos pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, em Miami, nos Estados Unidos. Aliados de Bolsonaro conduziram o resgate silencioso dessas peças assim que o caso saiu na mídia. O chamado "kit ouro branco" é um conjunto composto de um par de abotoaduras, um anel e uma masbaha (rosário árabe), todos feitos com ouro branco, além de uma caneta prateada e incrustrada de pedras da marca Chopard.
Posteriormente, Frederick Wassef, advogado que defendeu Bolsonaro e filhos nos últimos anos, admitiu que recuperou um relógio Rolex cravejado de diamantes. O paradeiro do Patek Philippe, que não foi oficialmente declarado, segue desconhecido.
A PF segue investigando o caso, inclusive com o FBI, a polícia federal dos EUA.
Afinal, o STF tem competência para julgar Jair e Michelle Bolsonaro?
Na avaliação de especialistas consultados pela Sputnik Brasil, a resposta é sim.
"O fato de a investigação ser conduzida pelo Supremo Tribunal Federal está pautado exatamente nesta circunstância, neste ponto: como os supostos crimes foram praticados durante o exercício do mandato, então a competência era do Supremo, e mesmo após o encerramento do mandato, há uma extensão dessa competência do STF", aponta Acacio Miranda da Silva Filho, doutor em direito constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), e mestre em direito penal internacional pela Universidade de Granada, na Espanha.
Professor de direito constitucional e advogado, Antonio Carlos de Freitas Júnior concorda com o colega.
"Crimes praticados pelo presidente da República no exercício da sua função, crimes comuns, são de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal. O que está sendo dito é que a competência para julgar este crime no exercício do mandato é do STF. Não é que ele cometeu um crime e isso foi levado ao STF por ocupar o cargo. No exercício da função de presidente, é de competência do Supremo Tribunal Federal o julgamento", afirma ele, que também é mestre em direito pela Universidade de São Paulo (USP).
1 de setembro 2023, 10:37
Ambos veem como extremamente remotas as possibilidades de que o inquérito ou atos autorizados por Moraes sejam anulados, posteriormente, pelos 11 ministros da corte máxima do país.
Silva Filho entende que há pequena possibilidade de anulação das investigações, "uma vez que o fundamento utilizado está pautado na própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, jurisprudência esta que está consolidada até aqui".
As decisões poderiam ser invalidadas caso se verificasse algum tipo de incompetência absoluta, ou seja, um juiz que seria impedido ou suspeito de julgar, explica Freitas Júnior.
"Diferentemente de outros processos em que você pode ter uma incompetência absoluta por impedimento até a suspensão, o que invalidaria as decisões. Nesse caso [das joias de Bolsonaro] não é o que estamos falando", opina o professor.
Outros cinco inquéritos contra o ex-presidente Bolsonaro correm no STF. São eles: divulgação de notícias falsas sobre a vacina contra COVID-19; ataques às urnas e milícias digitais; vazamento de dados sigilosos da PF; interferência na Polícia Federal; e autoria intelectual dos atos de 8 de janeiro, em que STF, Congresso Nacional e Palácio do Planalto foram depredados.
Isso reforça a permanência de todas as investigações a cargo da Suprema Corte, caso seja descoberto um fio condutor que relacione todos os supostos crimes.
"Esses inquéritos correlatos estão sujeitos ao que nós chamamos de jus atrativa: em havendo conexão entre os pontos investigados, a instância jurídica maior absorve a instância jurídica menor", explica Silva Filho. "Os inquéritos do dia 8 de janeiro envolvem efetivamente atos praticados contra os três Poderes e que muito provavelmente tinham como objetivo, de alguma forma, a ruptura do Estado Democrático de Direito e da força institucional como nós a conhecemos atualmente. Então é natural que essa competência seja do Supremo Tribunal Federal e que os atos sejam conduzidos por ele", conclui.
4 de setembro 2023, 18:05