Panorama internacional

Recursos naturais, desdolarização e mercado: novo BRICS deve mudar domínio global, aponta analista

Depois de 13 anos, o BRICS anunciou uma expansão que surpreendeu o mundo e, principalmente, as potências ocidentais. A partir de 2024, o grupo passa de 5 para 11 membros. Abundante em recursos naturais, já impressiona com seus números: 72% das terras raras, cruciais para a tecnologia, e 42% do petróleo.
Sputnik
Para o mestre em história pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Instituto Tricontinental Marco Fernandes, as consequências desse poderio já devem ser vistas no próximo ano: uma alternativa cada vez mais concreta ao uso do dólar no mercado internacional.

"Esses debates só vão aumentar daqui para frente, graças à falta de habilidade dos Estados Unidos com esses temas. Esperamos que no próximo ano, com a assunção oficial dos novos membros do BRICS, possamos ter um avanço concreto [na desdolarização mundial]", diz o especialista em conversa com a jornalista Melina Saad, da Sputnik Brasil.

Formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, o grupo passa a contar também com Argentina, Irã, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito e Etiópia. Conforme relatório do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, o BRICS concentra 75% do manganês mundial, que é crucial na fabricação de ligas metálicas, além de 50% do grafite e 28% do níquel, usado em moedas e aço inoxidável. Ainda possuem 55% das reservas de gás natural.
Outro fator que demonstra toda essa grandeza é a reunião de três dos cinco maiores produtores de lítio no mundo: Brasil, Argentina e China.
"Para os mercados energéticos, o alargamento do BRICS é, por enquanto, em grande parte simbólico — mas é outro sinal de que os países estão explorando formas de contornar o sistema financeiro dos EUA e o alcance do dólar", enfatiza o documento.
Durante encontro na Rússia com legisladores e autoridades da América Latina, o presidente Vladimir Putin frisou que o grupo não é uma aliança militar, "mas uma plataforma para desenvolver posições baseadas na soberania e no respeito recíproco". Independentemente das tendências políticas em cada país, que são diversas, Putin se mostrou confiante que os membros vão se posicionar conforme as preferências de suas populações.

"Enquanto a Rússia detiver a presidência do BRICS, fará de tudo para que os países-membros entendam quais são as perspectivas de seus desenvolvimentos", afirmou Putin.

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Comercialização de petróleo em outras moedas

Marco Fernandes lembra que o uso de outras moedas na comercialização do petróleo já é uma realidade, diante das sanções impostas por Estados Unidos e demais economias do G7.
"A Rússia e o Iraque já estão vendendo o recurso em yuan chinês, e a Arábia Saudita sinaliza fazer o mesmo. Então teremos um outro golpe possível no domínio do dólar, que em um futuro muito breve pode deixar de ser a única moeda de referência no comércio mundial de petróleo", explica.
Segundo o especialista, por dominarem um elevado percentual das reservas, há ainda a possibilidade de o BRICS regular os preços do petróleo.
"Inclusive esse aumento recente para perto de US$ 100 (cerca de R$ 500) [no preço do barril] em parte tem a ver justamente com uma articulação entre Rússia e Arábia Saudita. [...] Não há dúvida de que, com a entrada dos novos países, o grupo se torna uma plataforma estratégica não só do recurso, mas do ponto de vista energético", alega.
Já o professor de economia do Ibmec em Brasília Renan Silva destaca que, por enquanto, "as reservas mundiais [de dinheiro], inclusive as do BRICS, são compostas por dólares".
Ele cita o desalinhamento socioeconômico como um desafio para o sucesso do grupo, dadas as diferentes políticas monetárias e fiscais. Porém vê como maior potencial de expansão o mercado consumidor dos 11 países.

"Ademais, Brasil e Rússia se destacam na exportação de insumos, a Índia oferta mão de obra a um baixo custo e a China figura como a segunda maior economia global. Isso tem peso nos futuros acordos comerciais com o G7", aponta, em entrevista à Sputnik Brasil.

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Referência em energia nuclear

Atualmente, só Rússia e China representam 70% da produção de urânio enriquecido no mundo, conforme a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). A Rosatom, empresa estatal russa do segmento, exporta 25% de todo o material consumido pelos Estados Unidos e também um terço do que é usado na União Europeia. Além disso, o pesquisador do Instituto Tricontinental, Marco Fernandes, pontua que o país é o maior financiador e construtor de usinas nucleares no mundo.
"A Rússia tem mais de 30 projetos aprovados ou em andamento em dez países. Por mais que Estados Unidos e França ainda liderem com folga a produção de energia nuclear no mundo, elas dependem da Rússia, que tem feito este movimento de financiar a expansão da rede mundial de usinas. [...] Vejo que o país, no interior do BRICS, tem feito um movimento importante nesse sentido", argumenta.
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Ampliação de empréstimos

Pouco antes do anúncio da expansão, durante a última cúpula do agrupamento, na África do Sul, a presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o banco do BRICS, Dilma Rousseff, revelou planos da instituição que vão ao encontro da menor dependência do dólar: ampliar a participação das moedas locais de seus participantes em empréstimos.
Em discurso no último mês, Dilma também ressaltou que o bloco conta com 46% da população mundial, 35% do PIB global e maior poder de compra que os países do G7.

"Vivemos uma etapa de conflitos geopolíticos e sanções desenfreadas, que levam ao protecionismo e à insegurança. [...] Mas também é um momento de grande oportunidade para o crescimento do Sul Global, se soubermos enfrentar os desafios. Nesse contexto, o BRICS se torna ainda mais relevante para modificar esse panorama."

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