Agora o impasse segue para a mesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Para o petista, restou sancionar, rejeitar ou aprovar em partes a nova legislação. Mesmo assim, os senadores ainda podem recusar um eventual veto e publicar o projeto da forma que foi aprovado na Casa.
A professora de relações internacionais e de ciência política da Uninter Natali Hoff disse à Sputnik Brasil que o presidente foi "jogado" no meio dessa divergência. Um dos motivos foi justamente a falta de articulação do próprio governo no Congresso para evitar a votação do texto diante da decisão do STF.
"O Lula fica nessa situação bastante complicada justamente porque existe uma pressão. Temos tanto a votação do STF, que declarou o marco temporal inconstitucional, como também existe uma pressão de muitos grupos da sociedade civil e também de bases do governo para que esse projeto não avance, já que ele é muito questionável e controverso", aponta a analista.
Conforme a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o país conta com 764 áreas indígenas já regularizadas ou em processo de estudo. Ao todo, são 118,3 milhões de hectares, que cobrem 13,9% do território nacional, com a maior parte na região Norte. Desse total, 164 ainda estão em fase de estudos ou próximas de se tornarem uma reserva indígena. Não há dados sobre quais áreas a nova legislação pode afetar.
"É uma tese que foi levantada há pouco tempo e que é questionável em muitos aspectos. O STF votou e julgou inconstitucional", destaca Hoff.
'Sem ter muito o que fazer'
Após a legislação ser aprovada, por 43 votos a 21, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), garantiu que não houve "sentimento revanchista com a Suprema Corte". O pessedista também alegou que "sempre defendeu a autonomia do Judiciário e o valor do STF", mas que a Casa não poderia omitir o seu dever: legislar. Segundo Natali Hoff, o centrão, do qual a bancada ruralista faz parte, foi o responsável pelo embate e pela aprovação do projeto, o que colocou Lula em uma situação "ainda mais complicada".
Para garantir governabilidade e maioria no Congresso, Lula fez, nos últimos meses, diversas concessões ao grupo, como a nomeação de ministros indicados pelo bloco fisiologista. Essas bases, acrescenta a especialista, são necessárias para que o governo possa funcionar.
"Então eu vejo, sim, o Lula no meio dessa controvérsia, embora, talvez, sem ter muito o que fazer para resolver, já que, provavelmente ele vetando, esse veto pode ser derrubado", pontua.
Mas, diante do posicionamento já demonstrado pelo presidente, que criou o primeiro ministério brasileiro dedicado aos povos indígenas, a analista acredita que o texto será vetado.
"Não sei se todo o projeto do marco temporal ou parte dele, mas deve vetar. A questão é se esse veto vai se manter ou não. Se for do interesse do governo realmente segurar, teria que articular para que o Congresso não derrube. [...] A questão é como o governo vai trabalhar", disse.
Com relação ao impacto do episódio na escolha de um novo nome para o STF, com a aposentadoria da ministra Rosa Weber, a professora de ciência política acredita que não deve gerar nenhuma mudança.
"Não acho que a questão do marco temporal seja um alimento que vai impactar de maneira tão significativa assim a escolha do Lula. Eu acho que outros aspectos, como os próprios interesses e as pressões sociais com relação a quem deve ocupar essa cadeira, serão mais importantes e vão pesar mais nessa escolha", argumenta.
Senado garante que debate foi 'profundo e exaustivo'
O relator do projeto do marco temporal, Marcos Rogério (PL-RO), garantiu que a proposta foi alvo de um debate profundo e exaustivo. Para o senador, a indefinição de um limite para a demarcação das terras trazia insegurança e desconforto no meio rural. "O Parlamento tem a oportunidade de dar uma resposta para esses milhões de brasileiros que estão no campo trabalhando e produzindo", afirmou em plenário durante a votação do texto.
Já o líder do governo na Casa, senador Jaques Wagner (PT-BA), declarou que votar um projeto já considerado inconstitucional é "inócuo", visão que foi compartilhada por Randolfe Rodrigues (Rede-AP). De acordo com o parlamentar, o texto ainda trouxe pontos para além do marco temporal, como a autorização para explorar e plantar alimentos transgênicos em terras indígenas. O senador prometeu também acionar o STF para reverter a decisão.
Caso deve ter implicações em decisões futuras do governo
De um lado, um presidente com postura progressista em discussões de âmbito social, econômico e político. Do outro, um Congresso conservador e fortemente dominado pelo centrão. Assim Natali Hoff define a situação atual do país, o que pode complicar resoluções dirigidas às necessidades brasileiras. "Isso cria esses momentos de indefinição e de contradições que são difíceis de administrar, mas que acabam fazendo parte dessa correlação de forças."