Panorama internacional

Marcas da 'era Putin': aos 71 anos presidente russo firma seu lugar na história do país

Poucos discordariam de que a Rússia é hoje uma das maiores potências do mundo. Não somente isso, como o país, em diversos aspectos, tornou-se um dos principais opositores à hegemonia política e militar dos Estados Unidos no sistema internacional. Ambas condições só foram possíveis depois da chegada de Vladimir Putin ao poder em 2000.
Sputnik
Antes de entender as marcas da "era Putin", no entanto, é preciso voltar um pouco no tempo, mais precisamente ao ano de 1991. Foi ali que ocorreu a dissolução da União Soviética, que havia ditado os rumos não somente da política doméstica e externa da Rússia por mais de sete décadas, como também de dezenas de outros países sob a esfera de influência de Moscou. Não obstante, durante o pós-Segunda Guerra, os soviéticos disputaram com os americanos a liderança global nos campos militar, econômico, cultural e ideológico.
Com o ruir da União Soviética, no entanto, surge a Federação da Rússia, comandada por Boris Yeltsin, que inicia um processo de transformação política e econômica radical rumo a um sistema capitalista de livre mercado. À época, em vez de uma abertura gradual, conforme intentada por Gorbachev ainda durante o período soviético, Yeltsin e sua equipe apostaram numa verdadeira "terapia de choque" que faria da Rússia um país mais parecido com as democracias ocidentais "vitoriosas" na Guerra Fria.
O país então deu início a uma onda de privatizações de suas empresas anteriormente estatais, que acabaram sob o controle de antigos burocratas do Partido Comunista (os chamados oligarcas), que passaram a deter grande influência sobre o governo. Toda essa situação levou a Rússia a um estado de constantes crises e até mesmo de ameaças de separatismo ao longo do país.
Em 1998, por sua vez, ocorre a crise financeira asiática, mergulhando a economia russa na inflação e provocando aumento no desemprego, piora nos indicadores sociais em relação à era soviética e calote de sua dívida externa. A soma de todos esses problemas marcou os dois mandatos de Yeltsin à frente da Rússia que, desgastado, anunciou em rede nacional na virada do ano de 2000 que estava deixando o cargo, em favor de seu então primeiro-ministro Vladimir Putin.
Ex-presidente russo Boris Yeltsin segura a porta antes de deixar seu escritório para seu sucessor, Vladimir Putin, no Kremlin, 31 de dezembro de 1999
Ex-agente da antiga KGB, famoso serviço secreto soviético, Putin logo conquistaria a confiança da população russa, sobretudo em função de suas ações decisivas quanto ao combate ao separatismo checheno que assolava o país à época de sua chegada ao poder.
Somado ao crescimento econômico testemunhado pela Rússia desde então, nenhum outro político seria capaz de rivalizar com Putin pelas décadas seguintes, tanto em termos de popularidade quanto em termos de aprovação da sociedade com relação às políticas do governo.
A expectativa de vida na Rússia, por exemplo, que era de 65 anos quando Putin chegou ao Kremlin em 2000, passou a ser de 68 anos em 2008, e o índice de desenvolvimento humano do país saltou para patamares acima dos registrados na União Soviética. Putin também ampliou o uso dos serviços de inteligência e da polícia secreta para reprimir tentativas ocidentais de desestabilizar a situação doméstica no país, sobretudo no que se refere à operação de ONGs de caráter duvidoso, a funcionar com financiamento estrangeiro. Logo, com a coesão interna assegurada, Putin foi o principal responsável por retornar a Rússia à sua tradicional posição de grande potência no sistema internacional.
Operação militar especial russa
Estratégia de Putin de drenar Ocidente na Ucrânia está produzindo resultados, admite mídia
Nesse ínterim, o orçamento militar da Rússia multiplicou-se em mais de dez vezes entre os anos de 1999 e 2012, enquanto o país manteve-se como o segundo maior exportador mundial de armas (inclusive para compradores importantes como China e Índia, por exemplo).
Alguns dos ápices da "era Putin" foram também sua fala na Conferência de Munique de 2007, em que denunciou os males da unipolaridade americana, assim como a expansão da OTAN no contexto pós-Guerra Fria e a reunificação da Crimeia à Rússia em 2014. Putin, vale lembrar, foi o principal responsável por respaldar a realização do referendo no qual os moradores da península da Crimeia decidiram deixar a Ucrânia e unir-se à Rússia, após a crise política ucraniana de 2014 que levou ao golpe de Estado em Kiev com patrocínio do Ocidente.
Assim como acontecia com a União Soviética, durante a gestão Putin os russos voltavam a defender seus interesses de segurança no exterior próximo, independente das críticas americanas e europeias à maior assertividade do Kremlin e de sua política externa. Tal movimento, no entanto, não esteve restrito apenas às ex-repúblicas soviéticas, mas envolveu também os interesses russos em demais regiões do globo, como no Oriente Médio.
Afinal, Putin transformou-se de fato num dos líderes que mais contribuiu para a demolição do Daesh (organização terrorista proibida na Rússia e em vários outros países) na Síria em 2015, o que acabou sendo decisivo para a continuidade de Bashar al-Assad no poder.
Não obstante, Putin continuou colecionando vitórias tanto externa quanto internamente. Em 2018, ele venceu a eleição presencial para um novo mandato de seis anos, programado para terminar em 2024. Com isto, tendo passado já mais de 23 anos à frente no poder, variando entre os cargos de presidente e de primeiro-ministro (2008-2012), Putin é o líder com mais tempo no comando da Rússia desde Josef Stalin.
A Rússia de Putin, em suma, talvez possa ser caracterizada como um amálgama de diferentes eras da história do país. Afinal, temas importantes como a centralização do Estado na economia, o retorno da religião como fator de identidade nacional, a negação aos princípios liberais como modelo social, a afirmação da especificidade "civilizacional" russa, entre outros… são apenas alguns dos exemplos de como a Rússia dos anos Putin se reformulou domesticamente.
No plano internacional, o destaque fica para a defesa da posição tradicional da Rússia como grande potência "fundamental" do sistema, o retorno de projetos de integração econômica regional no espaço pós-soviético, assim como a retomada de ações mais assertivas no exterior em defesa de seus interesses nacionais e de segurança, como é o caso da operação militar especial na Ucrânia iniciada em 2022.
Todas essas foram marcas inegáveis da "era Putin", dele que se tornou uma das figuras políticas mais importantes do século XXI.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.
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