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Dolarização buscada por Milei tem questões a responder e 'ainda gera incerteza', diz economista

A dolarização na Argentina, bandeira do presidente eleito, entra em cena em um período crucial. Agora que a transição com o governo de Alberto Fernández começou, os especialistas levantam questões sobre a sua viabilidade.
Sputnik
"Não é impossível, mas dado o cenário atual seria muito complexo", disse o economista Federico Zirulnik à Sputnik.
Depois do triunfo de Javier Milei, todos os olhares se voltam para o emblemático slogan em torno do qual o presidente eleito organizou a sua campanha: a dolarização da economia argentina. Diante de um cenário marcado pela premente escassez de reservas no Banco Central da Argentina, o mercado se pergunta até que ponto é viável o programa promovido por um governo em clara minoria no Congresso.
Embora o líder do La Libertad Avanza (A Liberdade Avança) tenha moderado a pressão pela medida após a vitória nas eleições, referindo-se a um "período de transição" que teria de passar antes de levar a cabo a reforma, a verdade é que o presidente eleito expressou publicamente sua intenção de levar adiante a iniciativa tomando como referência a proposta do economista Emilio Ocampo, a quem nomearia presidente do Banco Central, conforme anunciado publicamente.
Em seu livro "Dolarização, uma solução para a Argentina", Ocampo propõe o programa de substituição do peso pela moeda norte-americana, em linha com a experiência do Equador. Para isso, a primeira coisa seria enfrentar o "problema das Leliqs" (Cartas de Liquidez), instrumentos de dívida do Banco Central com bancos privados cujo objetivo é absorver os pesos excedentes da economia.
Segundo cálculos do autor, o país precisaria de cerca de US$ 30 bilhões (aproximadamente R$ 143,2 bilhões) para resgatar todo o estoque de Leliqs. O número monumental se insere em um cenário em que os cofres do Banco Central registram reservas líquidas negativas de US$ 10 bilhões (cerca de R$ 49,05 bilhões) – devido a compromissos de dívida descontados das reservas brutas.
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O mistério subjacente

"A questão não é o que, mas como: ainda não sabemos como Milei planeja executar o programa de ajustamento que promete. A sua orientação é muito clara, mas o plano em si ainda levanta incerteza", disse o economista Federico Zirulnik, pesquisador do Centro Scalabrini Ortiz de Estudos Econômicos e Sociais, à Sputnik.
"Dolarizar não é impossível, mas diante do cenário atual seria muito complexo. Temos reservas negativas, 140 pontos de inflação, déficit e uma situação social sensível. Se o problema for a desordem macroeconômica, a diferença entre as duas instâncias é a chave", disse o analista.
Consultado pela Sputnik, o economista Santiago Manoukián, da consultoria Ecolatina, alertou que "a dolarização enfrenta inúmeros obstáculos e riscos de curto prazo para sua implementação, além da discussão se é conveniente ou não". Para o analista, se forem necessários quase US$ 30 bilhões ao câmbio atual, "já existe uma enorme restrição financeira". Manoukián destacou a colossal tarefa que seria necessária para especificar o tamanho da dívida.
"O ponto central é conseguir a engenharia financeira necessária, que é o empréstimo de um montante suficiente para poder abandonar as restrições cambiais sem enfrentar maiores riscos nas reservas. É difícil porque a Argentina hoje praticamente não tem acesso ao crédito", explicou.
Neste ponto surge um ator transcendental para a política argentina que é o Fundo Monetário Internacional (FMI), organização com a qual o país mantém um acordo assinado pelo atual governo para o pagamento da dívida contraída pelo ex-presidente Mauricio Macri em 2018.
Como auditor virtual da gestão macroeconômica, o grau de apoio do fundo à iniciativa desempenha um papel vital. "O principal obstáculo de Milei, além da falta de reservas, é a falta de convicção que a dolarização desperta em setores do establishment ligados a Wall Street e ao FMI", disse Zirulnik. Contudo, o pesquisador reconhece que a proposta de ajuste drástico das contas públicas poderá encontrar aprovação em Washington.
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O custo social

Independentemente da viabilidade da dolarização, o consenso dos especialistas aponta para o impacto inicial que a sua implementação teria. A contração do rendimento ocorreria em uma sociedade cujos rendimentos registassem seis anos consecutivos de queda em termos reais, em um quadro de inflação de 140%.
Para Zirulnik, a dolarização "significaria uma forte desvalorização, ainda mais profunda do que a exigida pela eliminação das restrições cambiais. Como não temos dólares, a taxa de câmbio seria extremamente elevada, e isso teria um impacto direto na qualidade dos salários", sublinhou o economista.
"Se Milei planeja um ajuste de despesas de dez pontos do produto interno bruto [PIB], como diz em sua plataforma, certamente não será suficiente para cortar as despesas do funcionamento político, mas antes atingiria reformas, pensões e outros benefícios que hoje sustentam uma parte da sociedade em um contexto tão adverso", explicou o pesquisador.
Manoukián concebe as potenciais consequências da medida em termos da sua sobrevivência. "Se a dolarização for desordenada, a situação social pioraria tanto que poderia colocar em xeque todo o programa, minando a legitimidade do governo. Qualquer ajuste drástico exigirá necessariamente apoio político para a administração dos conflitos sociais e diálogo com movimentos sociais e sindicatos", afirmou.
"Embora Milei tenha ratificado a dolarização, não descarto que ele esteja pensando em outro tipo de estratégia. Uma possibilidade é que o programa se limite a um forte ajuste com abertura comercial, unificação e liberalização do câmbio e reforma trabalhista e tributária. Se ele conseguir mudanças, talvez a dolarização fique em segundo plano", postulou o consultor.
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O caminho sinuoso da transição

Desconsiderando as especulações sobre o rumo adotado pelo governo do La Libertad Avanza, o horizonte tem como norte mais próximo a data de 10 de dezembro, dia da posse de Milei e, portanto, da tomada de posse de toda a máquina econômica que o ex-candidato Sergio Massa lidera até agora.
Ciente do impacto nas expectativas suscitadas pelos anúncios feitos pelo presidente eleito antes desta data, Manoukián alertou que "se Milei prometer que vai dolarizar, o mercado vai naturalmente descontar uma desvalorização e isso pode se traduzir em um salto repentino da inflação e outros indicadores, embora a presidência de Alberto Fernández não tenha terminado".
Questionado sobre isso, Zirulnik afirmou que "hoje o que Milei acaba dizendo é mais importante do que o que o partido no poder — já em saída — pode fazer". Nesse sentido, o economista destacou que se o governo Fernández "decidir anunciar um preço da taxa de câmbio oficial para tentar 'travar' qualquer pressão excessiva de desvalorização, isso deve ajudar a manter a calma nos mercados para que a transição seja ordenada".
Porém, o pesquisador alerta que, para fazer a dolarização, é do interesse do presidente eleito que isso exploda antes de ele tomar posse, ou seja, que haja um salto cambial e inflacionário antes de tomar posse, porque isso o deixaria com terreno mais nivelado sem pagar o custo político. "Apesar de tudo, acredito que todos os elementos estão reunidos para que a transição seja ordenada. A dúvida é mais política do que econômica", pontuou.
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