De acordo com a mídia, o tratamento diferenciado dado aos ataques de Israel em relação à operação militar da Rússia na Ucrânia mostra "duplo padrão" e "hipocrisia", produzidos pelas grandes potências.
Apesar de algumas lideranças terem mudado um pouco seu tom e sua posição com a escalada feroz da investida israelense, a reação, vista da perspectiva do Sul Global, foi tardia e muito insuficiente, destaca o jornal espanhol.
Para o professor do curso de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), Oliver Stuenkel, "[…] a hesitação inicial em criticar o sofrimento infligido aos civis palestinianos, que rapidamente pareceu enorme, estimulou no Sul Global um sentimento de hipocrisia pelo Ocidente".
"Há uma percepção [no Sul Global] de que não se aplica o direito internacional de forma universal, mas sim seletiva", afirmou o professor.
Já para o especialista superior em Oriente Médio, direito internacional e conflitos armados, Hugh Lovatt, "há dois pesos e duas medidas".
"Há uma percepção de dois pesos e duas medidas em relação a Gaza agora, mas também uma percepção geral […] no que diz respeito a todo o conflito israelo-palestino. Na minha opinião, essas percepções são amplamente fundamentadas e amplificadas pela comparação à resposta da Europa à guerra russa na Ucrânia", disse Lovatt.
A magnitude da destruição causada pelos bombardeamentos israelenses e o bloqueio indiscriminado do abastecimento de água, eletricidade, alimentos e medicamentos compõem um quadro com sinais criminosos, segundo muitos especialistas. Existem também muitos elementos para considerar ilegal a ocupação israelense da Palestina, escreve a mídia.
"Os europeus têm razão em denunciar as ações da Rússia na Ucrânia. Contudo, quando vemos cenas semelhantes em termos de sofrimento civil em Gaza e a reação não é a mesma, alimenta a percepção de duplicidade de critérios e enfraquece a Europa, que se define como defensora de certos valores, e que muitas vezes tem dado a impressão de dar lições a outros nesta matéria, mas que depois nem sempre parece coerente", acrescentou Hugh Lovatt.
Ao mesmo tempo, Stuenkel recorda que "uma parte considerável dos líderes e eleitores do Sul Global veem a guerra em Gaza através do prisma da lógica dos colonizadores versus os colonizados".
"Seria um exagero considerar que o sentimento anticolonial é decisivo na definição das estratégias desses países, mas é sem dúvida um dos elementos através dos quais constroem a sua visão de mundo", analisou.
Duas semanas após o conflito no Oriente Médio estourar, o Financial Times publicou uma matéria afirmando que algumas autoridades da União Europeia (UE) temiam que o forte apoio do bloco — marcado na visita da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a Israel logo no começo da guerra — faria a Europa pagar o preço no Sul Global por apoio à "limpeza étnica" na Faixa de Gaza, conforme noticiado.
As críticas sobre a posição em relação a Israel minam a capacidade dos Estados Unidos e da UE de projetarem seus valores e interesses nos países emergentes e em desenvolvimento, ressalta o jornal.
Lovatt também sublinha que os governos europeus têm sido lentos em perceber que o mundo mudou e caminha para uma visão multipolar, distanciando-se da hegemonia.
"O mundo está se afastando da situação de hegemonia dos EUA e caminhando para um panorama multipolar. Isso é especialmente verdadeiro no Oriente Médio e no norte da África. Os governos europeus têm sido lentos na adaptação a essa realidade em mudança. A divisão, a busca persistente do interesse nacional, em vez de agir coletivamente, é a chave. Os intervenientes regionais têm sido mais rápidos ao explorar a nova situação", complementou Lovatt.