Panorama internacional

Entrada do Irã no BRICS é 'de suma importância, principalmente para a China', aponta especialista

A entrada do Irã no BRICS, que será oficializada em 1º de janeiro de 2024, marca o ingresso de um país declaradamente contrário aos Estados Unidos. Que tipo de repercussões isso poderá trazer ao grupo?
Sputnik
Essas e outras questões foram respondidas por Jorge Mortean — geógrafo e professor de relações internacionais, mestre em estudos regionais do Oriente Médio no Irã e atual doutorando em geografia política na Universidade de São Paulo (USP) — no episódio desta segunda-feira (4) do podcast da Sputnik Brasil Mundioka, apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho.
Mundioka
Irã no BRICS
Para o especialista em estudos iranianos, a entrada do Irã no BRICS representa um ganho tanto para o país persa quanto para o grupo, uma vez que "temos aí a semiperiferia e periferia do mundo se aliando", disse, referindo-se à teoria de sistema-mundo das relações internacionais, popularizada por Immanuel Wallerstein. "O que seria semiperiferia?"

"São países com um grau até importante de desenvolvimento tecnológico-industrial, que servem como ponte de retransmissão de fluxos de comércio (investimentos, capital). São grandes mercados e possuem certo poderio de defesa em suas respectivas regiões."

Essas características, para Mortean, definem a posição ocupada pelas nações do BRICS mais do que qualquer relação econômica. Nesse ponto, o grupo de países, que agora se expande para se tornar o BRICS+ com a inclusão além do Irã, do Egito, da Arábia Saudita, dos Emirados Árabes Unidos e da Etiópia — e, talvez, da Argentina — forma um agrupamento antissistêmico.
"Ou seja, ele faz um contraponto a toda a hegemonia que se diz aí ocidental de países desenvolvidos, nomeadamente Europa, Estados Unidos, Canadá e Japão, que apesar de ser do Oriente, é um Oriente mais ocidentalizado do que nunca."

"Oferece, portanto, uma nova possibilidade de ordem mundial", resumiu.

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Relações da China e do Irã: uma via de mão dupla

Mortean também destaca que, enquanto um projeto encabeçado pela China — país de maior destaque econômico e científico de todo o grupo —, a entrada do Irã é de "suma importância, principalmente para a China". Na verdade, sublinha, ambos os países têm bastante a ganhar com a entrada do Irã no BRICS.
Desde a Revolução de 1979, aponta Mortean, o Irã passa por certo isolamento diplomático devido à sua retórica confrontativa contra o Ocidente e Israel. Dessa forma, a entrada do Irã no grupo ajuda a suprir carências tecnológicas, científicas e comerciais que o Irã possa vir a ter.

"As sanções e os embargos impostos pelo Ocidente desenvolvido ao Irã têm, sim, um grande efeito sobre o cotidiano iraniano."

Como exemplo, o geógrafo aponta para o caso da aviação civil. Até hoje, o país não consegue importar peças para fazer a manutenção dos aviões. "São aviões comerciais comprados das grandes indústrias aeronáuticas há mais de 30, 40 anos. É um milagre que estejam voando", explicou.
"Como sofrem esse embargo, eles inclusive desenvolveram uma engenharia reversa e fazem um trabalho de manutenção e fabricação de peças […], que é vital para o país."
Outro ponto destacado pelo pesquisador é que, com a entrada no BRICS, o Irã terá acesso a um banco de desenvolvimento e oportunidades de ampliar sua balança comercial em moedas diferentes do dólar e do euro, como o yuan.

"Abre-se uma porta muito vantajosa para os iranianos."

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O que a China ganha com a entrada do Irã no BRICS?

Por sua vez, a China também tem muito a ganhar com a entrada do Irã no agrupamento, não só em termos econômicos, como geopolíticos. Para começar, o país persa é um dos membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), sendo um dos principais produtores de petróleo e gás natural do mundo, além de contar com grandes reservas inexploradas.
Em segundo lugar, o Irã faz parte dos planos chineses da Iniciativa Cinturão e Rota, que vê a criação de novos caminhos para o escoamento da produção industrial chinesa. Não só o país conta com uma população de quase 90 milhões, sendo um grande mercado consumidor, mas também está "exatamente na encruzilhada do Oriente Médio com a Europa e com o resto da Ásia".
Isso dá a ele uma posição estratégica na Iniciativa Cinturão e Rota. "Ele está ali no meio, geograficamente falando, do grande projeto de logística, infraestrutura e investimento chinês", aponta Mortean.

"O Irã é abarcado principalmente pelo caminho terrestre dessa rota, que levaria infraestrutura rodoviária e, principalmente, ferroviária. Aí, sim, justifica-se ainda mais a presença do Irã nessa ampliação do grupo."

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