Panorama internacional

Chegou a hora de a Ucrânia buscar a paz?

Nas últimas semanas, a mídia ocidental produziu diversas matérias sobre a impossibilidade da Ucrânia de apresentar resultados significativos em seu conflito com a Rússia. Analistas veem nessas reportagens um "golpe publicitário" ocidental contra Vladimir Zelensky como maneira de forçá-lo a se resignar e sentar na mesa de negociações.
Sputnik
Será que chegou o momento da Ucrânia negociar a paz? O que falta para Kiev tentar um acordo com a Rússia?
Essas questões e o histórico do conflito entre as duas nações foram abordados pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, apresentadores do podcast de notícias internacionais da Sputnik Brasil, Mundioka.
Mundioka
Após fracassada contraofensiva, Ucrânia vai negociar a paz?

Como está a situação na Ucrânia hoje?

A situação na Ucrânia não é das melhores, apontam os especialistas ouvidos pela Sputnik.
Se em setembro do ano passado a ofensiva ucraniana encontrou algum sucesso, a contraofensiva deste ano se mostrou como um grande fracasso para as Forças Armadas ucranianas.

"Ano passado as forças ucranianas, de um jeito até mais espontâneo, conseguiram pegar os russos com certa surpresa", disse Tito Lívio Barcellos Pereira, geógrafo pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em estudos estratégicos da defesa e segurança e doutorando em relações internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas.

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"Este ano os ucranianos tinham maior apoio material do Ocidente. Você teve mais de US$ 30 bilhões [R$ 147 bilhões] investidos somente pelos Estados Unidos", afirmou Pereira. "O problema é que, ao chegar às linhas defensivas russas, eles encontraram uma estrutura de defesa muito bem preparada, treinada, equipada e motivada."

"E aí, à medida que as baixas ucranianas foram aparecendo, começaram a perceber que a ofensiva não conseguiria ter os ganhos necessários."

Ricardo Cabral, especialista em história militar e conflitos contemporâneos e autor do livro "Conflito na Ucrânia", ressalta que o auxílio ocidental à contraofensiva ucraniana foi tão grande que zerou os estoques de munição das nações da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
"Os europeus têm [munições] para dois dias de guerra, e os americanos não falam quanto têm, mas também não deve ser grande coisa devido ao gasto excessivo que foi feito na Ucrânia e que é um desperdício. Foi só desperdiçado, não teve efeito sobre as forças russas."
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Ucrânia: número de mortos chega a centenas de milhares

De acordo com o especialista em história, é difícil obter dados precisos quanto ao número de mortes e destruição causados pelo conflito, porque ambos os lados não divulgam essas informações. "Mas se a gente usar os [números] mais modestos, são de 500 mil a 600 mil baixas em dois anos de guerra [do lado ucraniano]. […] isso é um padrão muito elevado de destruição."
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Do lado russo, Cabral estima que as baixas estejam em torno de 10% das ucranianas. "Pode colocar ali em torno de 50 mil, 60 mil russos."
Apesar disso, destaca o analista militar, pela situação do país, é possível ver que o Exército russo está sendo comedido.

"É só ver o que está acontecendo lá na Palestina para saber […]. O Exército russo tem capacidades muito maiores do que as israelenses. É só ver o que ele pode fazer, e ele está comedido. Ele não está fazendo operações de destruição em massa, como faria algum exército ocidental, como fariam os Estados Unidos, por exemplo."

O Ocidente prejudicou a Ucrânia

Segundo Tito Pereira, antes do fracasso da contraofensiva, acreditava-se que os ucranianos estavam fazendo uma boa campanha, muito em parte graças aos equipamentos e à assessoria recebidos com generais norte-americanos, britânicos e de outros países da OTAN vindos a público para reivindicar a participação nos planejamentos das operações.

"Recentemente, os generais americanos Ben Hodges e Mark Milley admitiram ter ajudado os oficiais ucranianos a traçarem planos para essa contraofensiva, cuja ideia era avançar para o sul e cortar as linhas russas ao meio."

"Se a gente olhar no mapa", explica Tito, "nós temos um contínuo que engloba o sul e o sudeste da Ucrânia, que conecta a península da Crimeia ao leste ucraniano. A ideia da ofensiva era cortar esse território ao meio, separando novamente a Crimeia de Donbass."
Ricardo Cabral vê nessa assessoria ocidental uma desvantagem para as Forças Armadas da Ucrânia, que se viram forçadas a lutar com táticas e mentalidades até então desconhecidas.

"Isso é um erro. Impuseram aos ucranianos táticas ocidentais, estratégias ocidentais que são incompatíveis com o pensamento militar ucraniano e o equipamento que eles tinham."

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Rússia e Ucrânia: negociações de paz já foram por água abaixo antes

Tito Pereira lembra que a Ucrânia e a Rússia já sentaram na mesa de negociações antes. David Arakhamia, deputado líder do Servo do Povo, partido de Zelensky, afirmou em entrevista à TV ucraniana e à BBC que os oficiais do país desistiram de um eventual cessar-fogo após pressões dos aliados ocidentais e, especialmente, do ex-premiê britânico Boris Johnson.
"Quando o assessor do Zelensky fala da volta da delegação ucraniana da viagem à Turquia, o primeiro-ministro Boris Johnson, do Reino Unido, vai pressionar o presidente Zelensky para que ele continue na guerra e inflija a maior quantidade de dano às tropas russas, consiga recuperar os seus territórios e ganhe tempo para barganhar uma posição mais vantajosa."
Agora, contudo, a Ucrânia não se encontra mais no cenário que estava no ano passado. O país possui menos equipamentos e menos auxílio financeiro do Ocidente, como menos tropas aptas. A idade média das tropas ucranianas é de 41 anos, aponta Cabral.

"Como ficará o Estado ucraniano depois desse conflito?", questiona Pereira.

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Como reconstruir a Ucrânia?

"Cada vez mais abandonada pelo Ocidente, a Ucrânia não tem um bom prognóstico caso a guerra acabe agora", avalia Cabral. "O custo de reconstrução da Ucrânia vai ser absurdo", disse. As áreas ocupadas pelos russos, destacou, estão vendo reparos e reconstruções sendo feitas pela Rússia. "Mas quem vai fazer isso no Ocidente? Eu acredito que a Europa e os Estados Unidos, neste momento, não têm recursos para isso", afirmou.
"Mas eu lembro que os árabes são grandes investidores. A China também é um grande investidor externo. E, no caso dos russos, dependendo do tipo de acordo que for feito, eles podem investir, mas teria que ser outra liderança e num acordo que garantisse [as exigências russas]."
Pereira lembra que um dos maiores motivadores do conflito foi a inclusão na Constituição ucraniana de artigos que preveem a entrada do país na União Europeia (UE) e na OTAN.
"Ou seja, você tem escrito no documento-base, no principal código de leis do Estado, que a sua meta de política externa é a integração a esses dois blocos."

"E o que mais incomoda Moscou não é nem exatamente a candidatura ucraniana à UE. Mas sim a uma organização, a uma aliança militar, herança da Guerra Fria, […] instituída com o objetivo de considerar a Rússia, na época a União Soviética, uma ameaça existencial no continente europeu", explicou.

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Está na hora da Ucrânia negociar a paz?

Para Cabral, está mais do que na hora da Ucrânia começar a discutir um acordo de paz. "As condições estão muito degradadas", afirmou.

"Grande parte da população está descontente com o governo por causa da insistência na guerra. Podia ter sido feito um acordo antes de qualquer ação militar, isso foi colocado pelos russos em algumas ocasiões."

"Na percepção de alguns analistas, diplomatas e funcionários ocidentais, para que a Ucrânia não sofra um revés muito maior, ainda mais agora que o inverno novamente se aproxima, talvez seja necessário admitir que essas províncias orientais não serão retomadas por via militar e que talvez seja necessário cessar-fogo com a Rússia", disse Pereira.
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