Seja para
aliviar dores crônicas, tratar problemas psiquiátricos ou formas graves de acne, esses remédios são controlados porque podem deixar sequelas graves e
até mesmo matar. A lista é extensa e inclui
opioides, antibióticos, entorpecentes, psicotrópicos, entre outros.
O problema parece não ter solução no curto e médio prazos, como sugere a nota da Anvisa enviada à Sputnik Brasil, na qual a agência diz que "está estudando as soluções viáveis e necessárias para o restabelecimento do sistema".
Mas o que essa lacuna de dados nacionais de prescrição e venda ao consumidor desse tipo de remédio representa, na prática, para a saúde pública do país?
Para tentar mensurar esse impacto, a Sputnik Brasil ouviu o médico sanitarista e ex-diretor-presidente da Anvisa Gonzalo Vecina e a farmacêutica e especialista em farmácia hospitalar pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e em saúde pública pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Michele Costa Caetano.
Entre as
consequências imediatas dessa carência de informação, os entrevistados destacam o
enfraquecimento de fiscalização mais eficaz para conter
o consumo abusivo, a automedicação, desvios para uso ilícito e fraudes.
Vecina, que foi um dos idealizadores do
Sistema Único de Saúde (SUS) e a
primeira pessoa a presidir a Anvisa, explica que o SNGPC passou a ter uma
plataforma digital a partir de 2007 e desde 2014 monitorava movimentações, compras, vendas, transformações, transferências e perdas desses medicamentos
comercializados em farmácias e drogarias privadas do país.
Na nota enviada à Sputnik, a Anvisa argumenta que o SNGPC é apenas uma das ferramentas de suporte ao controle e fiscalização e que a escrituração da venda de medicamentos controlados "segue sendo realizada pelos estabelecimentos e pode ser confrontada com os documentos armazenados".
Os entrevistados, entretanto, ponderam que a estimativa que se tem do consumo atualmente baseia-se unicamente nos dados sobre a produção, o que é insuficiente para um diagnóstico fidedigno desse consumo.
De acordo com a Anvisa, a realização de fiscalizações não está vinculada ao SNGPC e utiliza outros dispositivos de controle, "como a escrituração da movimentação e os documentos comprobatórios da movimentação, dentro das mesmas regras sanitárias existentes anteriormente".
Cerca de
104,6 mil farmácias no país estão
autorizadas para a atividade de "dispensação de medicamentos contendo substâncias sujeitas ao controle especial". Como o
Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) é descentralizado, com ações específicas para União, estados e municípios, a
fiscalização de farmácias compete às vigilâncias sanitárias locais. Logo
não há hoje um diagnóstico nacional dessas fiscalizações. Os dados estão disponíveis apenas localmente, segundo a Anvisa.
Outro ponto, não menos importante, diz respeito às políticas públicas, que precisam de dados e evidências para serem eficazes:
Michele Caetano conta que os dados do SNGPC
foram muito importantes para sua tese de doutorado, que investigou o uso ambulatorial de antimicrobianos no Brasil e sua associação com a
resistência microbiana, que, segundo a
Organização Mundial da Saúde (OMS), está entre as principais ameaças para a saúde global.
O monitoramento dos hábitos de prescrição e consumo desses medicamentos contribui para decisões regulatórias e ações educativas, frisam os especialistas.
Nesse sentido, a farmacêutica comenta que a própria Anvisa identificou, com auxílio dos dados disponibilizados pelo sistema, que estavam ocorrendo abusos de prescrição de inibidores de apetite, por exemplo, com destaque para a sibutramina. "Isso resultou em mudanças na regulamentação da prescrição desses medicamentos", diz ela. Além disso, conta, vários estudos foram feitos sobre o consumo de benzodiazepínicos (ansiolíticos), municiados pelo sistema da Anvisa:
A interrupção dos dados foi uma "perda muito grande" para a pesquisa, conta ela:
O problema brasileiro impacta também a saúde pública mundial, ressalta a especialista, uma vez que a OMS faz estimativas e relatórios com base nas informações providas por seus Estados-membros.
Assim como Caetano, Vecina defende a imediata restauração do SNGPC para que discussões importantes sobre saúde pública possam ser travadas nacionalmente e internacionalmente, fundamentadas em estatísticas e evidências. Uma delas, destaca ele, diz respeito à medicação de pacientes em estado de grande sofrimento: