Panorama internacional

Ucrânia, Taiwan, Iêmen, Palestina e Equador: como o Brasil enfrentará ano de alto risco geopolítico?

Os conflitos no Iêmen e Equador agravam o cenário geopolítico mundial já tensionado pelos atritos na Ucrânia e em Gaza. Fora do Conselho de Segurança, o Brasil precisará escolher as suas batalhas e ativar recursos de poder para manejar os ventos da política internacional a seu favor.
Sputnik
O ano de 2024 se inicia com uma série de desafios para a paz e segurança internacionais: à manutenção do conflito ucraniano e palestino foram adicionados ataques norte-americanos no Iêmen e desestabilização sem precedentes no Equador.
Ao contrário de décadas passadas, nas quais a agenda era dominada por crises econômico-financeiras e liberalização comercial, o mundo contemporâneo testemunha a volta dos conflitos militares clássicos, de disputas territoriais interestatais e do aumento de tensões entre grandes potências.
Para o diretor do Clube de Discussões Valdai e professor de Relações Internacionais do Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou (MGIMO), Andrei Sushentsov, os pontos mais sensíveis para as relações internacionais em 2024 serão Taiwan, Palestina e Ucrânia.
"Ainda vemos um renascimento de conflitos de longa data na Eurásia [Nagorno-Karabakh, Palestina, Kosovo, Iêmen e Síria], porque ressurgiu a convicção de que objetivos podem ser alcançados através de meios militares", escreveu Sushentsov. "Os países que sobreviverão à crise atual são aqueles que conseguirem evitar sucumbir à instabilidade interna."
Para o doutorando em Ciência Política pelo IESP-UERJ e pesquisador do Núcleo de Estudos de Atores e Agendas de Política Externa (NEAAPE), Eduardo Morrot, apesar de as agendas de Taiwan, Palestina e Ucrânia serem de extrema relevância, o Brasil terá bastante trabalho diplomático a fazer na sua própria região.
"Ucrânia, Palestina e Taiwan são conflitos que opõem grandes potências mundiais, e por isso são fundamentais para a geopolítica global. Mas, no caso brasileiro, temos que adicionar o olhar específico para as questões regionais", disse Morrot à Sputnik Brasil. "Recentemente tivemos que lidar com o caso de Essequibo [entre Venezuela e Guiana], e agora temos o conflito no Equador, ligado ao narcotráfico – um assunto internacional por excelência."
A saída do Brasil do Conselho de Segurança da ONU, onde esteve representado como membro não permanente durante o ano de 2023, não deve diminuir a sua capacidade de influenciar os assuntos internacionais, acredita o pesquisador da UERJ.
Membros das Forças Armadas do Equador revistam homens durante operação em meio à crise de segurança que assola o país. Quito, 10 de janeiro de 2024
"O Brasil mantém a sua rede de embaixadas e ainda alguns trunfos na manga, como a presidência do G20 – que trará representantes das principais economias do mundo ao Brasil durante todo o ano de 2024", considerou Morrot.
A liderança brasileira na agenda ambiental também deve garantir a influência do país, que sediará a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30) em Belém, no ano de 2025.
Presidente dos EUA, Joe Biden, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e o presidente do Brasi, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a cúpula do G20 em Nova Deli, 9 de setembro de 2023
"Temos ainda um papel muito importante da diplomacia presidencial. Lula é bastante conhecido internacionalmente e tem um lastro de relações globais que o permite ter capacidade de diálogo e procura incomensurável", acredita Morrot. "Isso dá ao Brasil espaço e influência, mesmo fora do Conselho de Segurança."

Agenda da paz

A escalada das tensões internacionais e inclusão de novos atores em conflitos militares deverão fortalecer a agenda brasileira de mediação e defesa da resolução pacífica de controvérsias.
"O Brasil tem motivos específicos para ser um ator em busca da paz regional. Claro que a paz é um valor a ser defendido por definição, mas a diplomacia brasileira tem interesses pragmáticos na manutenção da paz", disse o pesquisador da UERJ. "Temos relações muito próximas tanto com os EUA e a China, que são dois parceiros comerciais centrais para o Brasil, então não há nenhum interesse de nossa parte em um conflito entre essas partes."
O cruzador de mísseis guiados da classe Ticonderoga, o USS Antietam, navega no mar do Sul da China, 6 de março de 2016.
Nesta quarta-feira (10), o Fórum Econômico Mundial publicou o seu Relatório de Riscos Globais para 2024, elencando a possibilidade de conflito entre China e Taiwan como um dos pontos mais sensíveis para a paz e segurança internacionais. Os EUA já declararam mais de uma vez que interfeririam em um eventual conflito ao lado de Taiwan.
"Um conflito entre a China e Taiwan geraria prejuízos econômicos sérios para o Brasil, que deixaria de receber recursos e investimentos de Pequim", disse a diretora do curso de Relações Internacionais da PUC-Campinas, Kelly Ferreira, à Sputnik Brasil. "Mesmo se continuássemos exportando para a China, precisaríamos desses recursos, afinal a nossa cadeia de produção é muito internacionalizada."
Assim como a maioria dos países do mundo, o Brasil não reconhece a independência de Taiwan e considera a sua disputa com Pequim um assunto doméstico chinês. O Itamaraty, no entanto, insiste na necessidade de solução pacífica desse conflito asiático.
Primeiro submarino de Taiwan, 28 de setembro de 2023
"O Itamaraty faz um excelente esforço diplomático para mostrar que o Brasil não toma as dores de nenhum dos lados", acredita Ferreira. "Temos uma relação pragmática com Taipé, que envolve comércio, intercâmbio cultural e troca de tecnologias."
O pesquisador da UERJ Morrot concorda que o conflito em Taiwan traria prejuízos econômicos significativos, mas acredita que os olhos do governo brasileiro também devem estar voltados para as disputas regionais.
"O Brasil tem muito menos influência sobre Taiwan e China do que sobre Venezuela e Guiana, por exemplo. Então o Itamaraty poderia, caso quisesse, se omitir sobre o conflito na Ásia. Mas, quando o assunto são os conflitos na América do Sul, somos compelidos a tomar posição", concluiu Morrot.
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