Nos últimos meses, Israel, por meio de ações retaliatórias após os ataques do Hamas em outubro do ano passado, vem sendo acusado por diversos observadores internacionais por práticas caracterizadas como genocídio, em particular, pelo número de vítimas civis entre a população palestina na Faixa de Gaza. Nesse sentido, Israel tem sido acusado do descumprimento de normas de direito internacional, que compelem os Estados a não violarem, sob quaisquer circunstâncias, a dignidade e a integridade da vida humana.
O governo de Tel Aviv, por sua vez, justifica suas operações em Gaza como uma ação antiterrorista voltada para neutralizar o grupo Hamas, que vitimou centenas de cidadãos israelenses durante seu ataque do dia 7 de outubro. Na ocasião, certas associações – em caráter de extrapolação, é verdade – foram feitas entre os ataques do Hamas e o Holocausto, de modo a galvanizar a opinião pública, em especial nas chamadas democracias ocidentais, a favor de Israel. Diante de tal contexto, forças políticas progressistas e anti-imperialistas, especialmente presentes no Sul Global, mas também no Ocidente, optaram por interpretar as ações do Hamas como um sintoma da realidade precária vivida pelos palestinos na região. Segundo essa interpretação, o Hamas (em uma análise mais restrita) e o povo palestino (de forma mais ampla) estariam na verdade em busca de sua libertação perante uma potência ocupante, a saber, Israel, que conta com um poderio militar e capacidade bélica muitas vezes mais amplos. Por outro lado, as elites políticas no Ocidente e, em especial, forças políticas mais à direita do espectro ideológico ou com maior afinidade a grupos religiosos protestantes têm afirmado seu apoio quase que incondicional a Israel.
Essas e outras questões constituem o cerne do debate em torno do futuro não somente de Gaza, como também da Palestina e do Estado de Israel, fundado de forma controversa em 1948, nos estertores da Segunda Guerra Mundial. Um dos principais líderes históricos da causa palestina, Yasser Arafat, defendia, por exemplo, a necessidade de se respeitar a autodeterminação nacional. Arafat e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) sugeriam que certas causas políticas eram suficientemente nobres para justificar inclusive a violência por agentes não estatais para o cumprimento de seus objetivos. Seja como for, as desigualdades em termos de oportunidades econômicas, bem-estar social e de padrão de vida entre os palestinos — tanto de Gaza quanto da Cisjordânia - e os moradores de Israel servem como instigadores para as ações radicais e violentas do Hamas, que alguns consideram a única opção viável para tornar pública as demandas políticas do povo palestino.
Outra questão que compete avaliar em relação a isso tudo é a solução de dois Estados (um judeu e um árabe), proposta pela ONU na década de 1940 e endossada por boa parte dos países do sistema. Existem hoje várias entidades políticas no mundo que possuem território, população e governo, sendo até mesmo capazes de estabelecer relações com outros Estados, mas que, por razões políticas ou históricas, não são amplamente reconhecidas internacionalmente. Essa falta de reconhecimento significa que tais entidades não estão em pé de igualdade — do ponto de vista jurídico e prático — com outros Estados soberanos, levando-os a, consequentemente, buscar esse reconhecimento seja pela via diplomática seja por outros meios. A Autoridade Palestina, por sua vez, anseia justamente pelo dia em que o Estado Palestino possa adquirir novamente esse pleno reconhecimento por parte da comunidade internacional. A sua existência e estatuto futuros, no entanto, dependerão da resolução ou — pior — da não resolução do atual conflito em Gaza.
Em vista de tudo o que tem ocorrido nos últimos meses, os palestinos mais do que nunca procuram o estabelecimento de uma entidade política que seja funcional e estável, justamente para a proteção de seus cidadãos de violações a seus direitos humanos. Um Estado palestino reconhecido pela comunidade internacional é um caminho para esse fim. Afinal de contas, a criação de um Estado enquanto mecanismo de segurança e de proteção foi uma das principais razões pelas quais os judeus procuraram estabelecer uma pátria para si após os horrores do Holocausto. Por outro lado, os europeus, envergonhados do que fizeram aos judeus especialmente durante a primeira metade do século XX, impulsionaram a criação desse Estado judaico após a Segunda Guerra Mundial, mas às custas da população palestina que morava na região onde esse o Estado de Israel fora instalado. É a partir desse contexto que partem as principais discussões acerca do acirramento do nacionalismo judaico — ou sionismo — que se baseava, entre outras coisas, na noção de que, para evitar a continuada perseguição e alienação dos judeus na Europa, era necessário criar um Estado judaico onde os judeus pudessem se reunir e viver em segurança.
No entanto, o Estado de Israel foi fundado, como já se mencionou, em um território onde se habitava uma grande população palestina, o que provocou migrações forçadas de famílias inteiras, sendo este o fator crucial para o surgimento de rancores e animosidades até os dias atuais entre israelenses, palestinos e os vizinhos árabes de Israel na região. O exemplo de Israel, portanto, ilustrou uma situação na qual a criação de um Estado para um povo perseguido por séculos na Europa culminou na perseguição e no sofrimento de outro povo, a saber, dos palestinos no Oriente Médio. Seja como for, retomar à situação anterior – pré-1948 – desarticulando o Estado de Israel e, no limite, forçando a migração dos judeus e demais cidadãos da região para outros locais do globo é algo inviável do ponto de vista prático e – no limite – igualmente condenável do ponto de vista humanitário. Sim, não há uma solução simples para problemas complexos. Apesar de triste, essa é a realidade com a qual precisamos lidar.
Compensar uma injustiça cometendo outra nunca é uma solução sustentável no longo prazo. A formação de Israel é apenas um desses exemplos. Rancor, agruras, vingança e punição, são sentimentos que se retroalimentam, são como rodas que nunca param de girar. Por isso das incertezas quanto ao futuro de Gaza, por isso da (im)possibilidade de paz.
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