Panorama internacional

El Salvador: o que significa a reeleição de Nayib Bukele?

No último domingo, El Salvador testemunhou a reeleição de Nayib Bukele, com vitória que não surpreendeu os observadores políticos e que consolidou ainda mais o controle do presidente sobre o país. O líder se autodeclarou vitorioso com 85% dos votos, um "recorde mundial".
Sputnik
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, o doutorando em relações internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Victor Cabral, comenta que "a maior surpresa que poderia existir, entre quem acompanha a política na América Latina, seria o percentual de votos e quantidade de deputados que o partido dele conseguiu eleger".
Segundo dados divulgados por Bukele nas redes sociais, seu partido, o Nuevas Ideas, conquistou 58 dos 60 assentos na Assembleia, consolidando seu controle sobre o Legislativo.
Bukele se apresenta como uma figura que representa a democracia e a esperança para El Salvador.
A votação expressiva teve aval da chefe da Missão de Observação Eleitoral (MOE) da Organização dos Estados Americanos (OEA), Isabel Saint Malo, que afirmou que a vantagem registrada por Bukele no pleito não deixa dúvidas sobre sua vitória.
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Pesquisador do boletim Geocorrente, Cabral afirma que o governo de Bukele tem sido marcado por uma abordagem dura no combate à violência, um dos principais problemas enfrentados pelo país.

Como está a criminalidade em El Salvador?

A estratégia de segurança pública no país caribenho, notavelmente, conseguiu reduzir significativamente os índices de homicídios, passando de 106 para 2,4 assassinatos a cada 100 mil pessoas.
Ainda assim, para Cabral , é preciso se atentar a possíveis violações de direitos humanos. Em sua percepção, a resposta que El Salvador tem nos últimos anos é a violência como sendo a solução para a violência. Isso, segundo ele, tem um potencial de desenvolver "um ciclo interminável".
Um dos pontos críticos é o estado de exceção declarado por Bukele em março de 2022, que concedeu poderes extraordinários ao governo, incluindo detenções baseadas em denúncias anônimas. "Isso permitiu que ele pudesse reformular ainda mais o combate à violência que existia ali."
“Antes era um combate artificial, de fato por conta do acordo, e a partir do estado de exceção em março de 2022, que está em vigor até hoje, El Salvador já prendeu mais de 70 mil pessoas a partir desse estado de exceção", explica.
Apesar disso, Cabral aponta para a dificuldade em uma eventual responsabilização, dada a relativa falta de atenção internacional a El Salvador.

"A gente está falando de um pequeno país na América Central que só aparece no noticiário justamente por conta disso, violência e migração forçada. De resto, não há muito interesse de fato em olhar para esse país, pelo menos no todo", lamenta.

O discurso político do presidente de El Salvador tem gerado intenso debate não apenas em seu país, mas em toda a região latino-americana. Segundo Cabral, Bukele, em seu discurso, se posiciona como uma figura de governança e segurança exemplar, enquanto critica a falta de vontade política em outros países para combater a criminalidade.
"Ele se coloca como um modelo a ser seguido, atacando outros países por não agirem como El Salvador."
No entanto, há uma lacuna na abordagem de Bukele em relação a outras figuras políticas latino-americanas, como o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT). "Bukele fala pouco sobre Lula, o que pode ser interpretado de várias maneiras, mas mostra uma certa distância entre eles", ressalta.
Quando questionado sobre a orientação política de Bukele, o pesquisador ressalta a complexidade do espectro político latino-americano. "Bukele representa uma figura difícil de classificar dentro das tradicionais categorias de esquerda e direita. Hoje, é mais fácil identificar alguém como 'bukelista' do que lhe atribuir uma posição específica no espectro político."
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A professora e pesquisadora em relações internacionais no Centro Universitário Belas Artes de São Paulo e no IBMEC, Marcela Franzoni, destaca a popularidade de Bukele, que desafia as normas em meio a uma crise de democracia e polarização social.
"Ele apresentava níveis de popularidade perto dos 90%, o que chama atenção diante de outros casos, até por exemplo aqui no Brasil e em outros países."
Franzoni também aponta para os desafios estruturais enfrentados pelo sistema partidário tradicional no país, o que pavimentou o caminho para a ascensão de Bukele e seu partido. "El Salvador enfrenta, assim como outros países da América Latina, uma crise do seu sistema partidário tradicional."
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Apesar dos esforços de Bukele para vender suas políticas de segurança como bem-sucedidas, ela adverte para os perigos do enfraquecimento institucional.
Além disso, sobre o segundo mandato de Bukele, ela sugere que o presidente enfrentará outros desafios para avançar além da segurança pública e abordar as questões estruturais do país. "O futuro do segundo mandato dele depende dele avançar para além do campo da segurança pública", afirma.

"Acho que o grande desafio do segundo mandato vai ser olhar para a dimensão econômica e dimensão social. Acho que existe uma 'incongruência', porque por um lado, você precisa avançar na consolidação desses direitos sociais, que são a diminuição da desigualdade, a acentuação ou a possibilidade de dar o acesso das pessoas às políticas públicas", afirma.

Ela conclui afirmando que uma oposição externa ainda maior seja possível nos próximos anos e que será preciso avançar em direitos civis para garantir um equilíbrio em El Salvador.
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