Relatos de brasileiros barrados em aeroportos argentinos e obrigados a voltarem para o Brasil vêm aumentando, de acordo com uma investigação feita pelo UOL.
Segundo a mídia, agentes da imigração argumentam que os brasileiros são "falsos turistas" e não deixam as pessoas entrarem no país, mesmo aquelas com documentação comprovativa de que vão começar estudos ou, de fato, fazer turismo.
A mídia afirma que em um grupo impedido de entrar no dia 30 de janeiro, duas pessoas disseram à migração argentina que foram estudar nas universidades do país; outras duas afirmaram que foram fazer turismo.
Os quatro não tiveram permissão para entrar — além da classificação como "falsos turistas", também receberam como justificativa "documentação insuficiente". Outros casos também foram relatados em fevereiro, escreve a mídia.
No entanto, os argumentos não eram válidos, visto que as pessoas tinham documentação. Um dos casos foi o da estudante Natalia (nome fictício usado pela mídia) que foi para o país estudar Artes e impedida de entrar.
"Como falsa turista? Eu vim estudar Artes, tenho minha matrícula na faculdade, hospedagem na residência estudantil, todos os documentos, cartões de crédito, tudo. Me colocaram em um avião e não me deixaram saber o número do voo. Me fizeram sentir uma bandida. Foi muita humilhação. Era meu sonho. Todas as minhas economias foram para estudar na Argentina", afirmou a jovem à mídia.
O argumento de "falso turista" foi amplamente usado na época da ditadura, quando o setor de migrações se baseava em uma ideia abstrata sobre quem entra na Argentina por turismo ou por razões distintas.
A suspeita de "falso turista" recaía, principalmente, sobre o estrangeiro latino-americano, disse o advogado Diego Morales, do Centro de Estudos Legais e Sociais da Argentina.
Porém, além de já se ter passado bastante tempo desse momento, Morales lembra os acordos estabelecidos entre Brasília e Buenos Aires no âmbito do Mercosul, sob a nova Lei de Imigração e o convênio Brasil-Argentina que "mudaram a resolução da ditadura".
"Não está previsto na normativa que se pode expulsar alguém na figura de falso turista porque veio estudar […]. Se a pessoa tem a documentação necessária, é a autoridade migratória quem tem que explicar as razões pelas quais o cidadão não pode entrar na Argentina. Esses casos podem ser reclamados diplomaticamente, porque há um acordo entre Brasil e Argentina. O Brasil deveria estar preocupado em como os seus nativos são tratados em território argentino", afirmou o advogado ouvido pelo UOL.
Ao menos 10 mil brasileiros são universitários na Argentina, em comunidade de 90 mil residentes, aproximadamente, segundo dados do Itamaraty de 2022.
Além de brasileiros, outros estrangeiros sul-americanos também foram impedidos. A imprensa equatoriana divulgou que em janeiro ao menos 20 cidadãos foram expulsos do aeroporto com o argumento de falso turista.
Segundo a Comissão Argentina para Refugiados e Migrantes (Caref), em Buenos Aires, desde dezembro de 2023 aumentaram os casos de estrangeiros sul-americanos impedidos de entrar, principalmente equatorianos e chilenos. No entanto, por ser recente, a comissão não tem ainda dados oficiais das expulsões.
Para a advogada e coordenadora do Caref, Lucia Galoppo, o uso da resolução de "falso turista" está em consonância com o governo de Milei.
"A atual gestão tem se manifestado em duas linhas: por um lado, limitando o acesso de imigrantes a direitos como educação e saúde […]. Por outro lado, instala um discurso de criminalização da imigração […]. Ambos os discursos são dirigidos a imigrantes sul-americanos. É muito provável que isso tenha relação com o endurecimento dos controles", afirmou.
A Argentina recebe milhares de turistas o ano todo. Em 2023, de acordo com dados oficiais do Ministério do Turismo, 20% dos estrangeiros que visitaram o país eram brasileiros. De acordo com a apuração do UOL, a passagem de volta - pedida para alguns brasileiros recentemente - não era uma prática exigida aos turistas brasileiros em anos anteriores.