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Vice-líder do governo na Câmara à Sputnik: não há país com tanta emenda parlamentar como o Brasil

Em entrevista ao podcast Jabuticaba Sem Caroço, da Sputnik Brasil, o deputado Bohn Gass (PT-RS) critica o que aponta como excesso e distorção no uso de emendas parlamentares.
Sputnik
Em seu discurso de abertura do ano legislativo, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que parlamentares não podem ser apenas "carimbadores" do Orçamento apresentado pelo Executivo. Lira disse que o Orçamento pertence a todos os brasileiros, não apenas ao Poder Executivo.

"Não fomos eleitos, nenhum de nós, para sermos carimbadores, para carimbar. Não é isso que o povo brasileiro espera de nós. O orçamento da União pertence a todos e todas, e não apenas ao Executivo, porque se assim fosse, a Constituição não determinaria a necessária participação do Poder Legislativo em sua confecção e final aprovação", afirmou Lira.

A crítica de Lira tinha como alvo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que na semana passada sancionou a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024, com um veto de R$ 5,6 bilhões às emendas parlamentares de comissão, que são apresentadas por cada comissão permanente do Congresso. Com isso, o orçamento para as emendas de 2024, antes previsto em R$ 53 bilhões, caiu para R$ 47,4 bilhões. Mesmo com o veto do presidente, ainda a ser analisado pelo Congresso, o valor destinado para emendas ainda é o maior já previsto em um único ano.
Em entrevista ao podcast Jabuticaba Sem Caroço, da Sputnik Brasil, o deputado federal Bohn Gass (PT-RS), vice-líder do governo no Congresso, comentou a fala de Lira e a decisão de Lula ao vetar parte das emendas de comissão.

Como administrar os recursos de emendas parlamentares?

Gass afirma que está havendo nos últimos anos "uma distorção política sobre o orçamento da União" e ressalta que a decisão sobre o Orçamento em regime presidencialista cabe ao Executivo, enquanto a função do Parlamento é fiscalizar a administração dos recursos. Ele também aponta que em nenhum país do mundo há uma apresentação tão vasta de emendas parlamentares como no Brasil.
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"Nós estamos em um regime presidencialista. Cabe ao Executivo administrar esses recursos, decidir sobre eles. E cabe ao Parlamento fiscalizar, votar, acompanhar, sugerir […]. Em nenhum lugar do mundo há uma indicação tão forte de emendas de parlamentares no Orçamento, que é do Executivo. E inclusive [emendas] impositivas, o governo é obrigado — não são indicativas, são impositivas, do parlamentar individualmente. Também existem emendas de bancadas estaduais, e agora existem de comissões. Então essa é a distorção, em nenhum lugar do mundo existe isso nessa proporção, então por que o Brasil teria isso?", questiona o deputado.
Ele lembra ainda que no governo anterior foi preciso acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir as chamadas emendas secretas, que impediam a transparência do uso das verbas destinadas no Orçamento, e diz que a gestão atual realizou um Plano Plurianual (PPA) — documento que orienta as ações do governo federal — participativo.

"Mas no momento em que o parlamentar indica de forma fragmentada o recurso para alguma área, isso prejudica diretamente os programas estruturais do governo, da educação, da saúde. Por isso que nós tivemos uma destruição praticamente do SUS, porque não tinha dinheiro para o SUS e [o montante para o SUS] era contabilizado como recurso que o parlamentar ajudava aqui e acolá", diz o deputado.

"Então essa é a grande distorção, estava se destruindo o SUS, se reduziu o acesso à educação, abandonaram a agricultura familiar, e daí o parlamentar ajudava de forma fragmentada. […] isso está errado. O que nós estamos trabalhando novamente agora? É para ter programas estruturantes, e um grande programa que todos sempre têm lembrança é o PAC, é o Programa de Aceleração do Crescimento. São recursos estruturantes para todas as áreas, de infraestrutura, de saúde, de reorganização da nossa indústria nacional, de geração de emprego, de programas sociais. O Brasil entrou no Mapa da Fome — ele já estava fora do Mapa da Fome, então nós temos que ter programas estruturantes, e as emendas parlamentares não vão tirar o Brasil do Mapa da Fome. A emenda parlamentar não vai salvar o SUS, a emenda parlamentar não vai colocar mais jovens na educação", complementa.
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Ano eleitoral pode influenciar na aplicação de recursos?

O deputado aponta que em ano eleitoral há risco de a emenda parlamentar ser usada como ferramenta para angariar votos, com os recursos sendo destinados não às principais áreas necessitadas de investimentos, mas àquelas que trariam mais votos.

"Vamos imaginar um cenário, vamos ser bem pedagógicos, está certo? O parlamentar tem um recurso para alocar a algum lugar. Qual você imagina que seja o principal critério do regime parlamentar para colocar o dinheiro? Porque falta dinheiro na educação, na saúde, na agricultura, na ciência social, no estado dele inteiro. Mas por que ele coloca só onde ele faz voto? Então o critério principal, além da distorção que eu já coloquei, que não cabe ao Parlamento, não estamos no regime parlamentarista, estamos no regime presidencialista — já foi plebiscitado, inclusive o povo votou assim. Essa é a democracia que tem que ser respeitada. Aqui eu estou falando de um outro elemento, do critério. Então qual passa a ser o principal critério quando o deputado aloca um recurso a um local?"

Questionado sobre se o chamado edital de emenda, dispositivo adotado por deputados, pode ser uma saída para tornar o critério mais técnico e menos individual ou eleitoreiro para a destinação de emendas, Gass aponta dois problemas em relação a isso. Primeiro que o mecanismo escolhido varia de acordo com cada parlamentar; segundo que a decisão final segue sendo individual.

"Cada deputado agora vai inventar o seu jeito, cada senador vai inventar o seu jeito. Uns fazem por edital, outros fazem por reuniões, outros não fazem consultando ninguém; cada um faz do seu jeito. Agora você imagina se tem 513 deputados com abertura de 513 editais para as emendas fatiadas para cada parlamentar. Qual é a conclusão objetiva, estruturante que isso vai dar para o país?", argumenta o deputado.

"Pode até ser elogioso alguém [dizer] 'Ah, estou ouvindo a comunidade sobre minhas emendas'. Maravilha, que bom. Mas cada um decide a sua cabeça. E depois ele decide para onde ele quer colocar [a verba], porque o mecanismo de colocar, mesmo que você tenha feito uma consulta, ou não, a caneta final, onde você vai indicar, qual é o ministério que indica, é de uma pessoa só, que é de um parlamentar", acrescenta.
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Sobre a fala de Lira na retomada do ano legislativo, Gass afirma que os representantes de cada um dos três Poderes estavam presentes no evento e que cada um deu sua mensagem. Ele afirma que a mensagem de Lula foi pouco comentada, porém foi clara.
"O Brasil está crescendo, o Brasil tem democracia, o Brasil tem que ter convivência, como diz a Constituição, harmoniosa entre os Poderes […]. O Brasil precisa continuar crescendo, para isso tem que ter recursos. Essa foi a mensagem do Lula. Bom, se o Congresso não aprova recursos para o Executivo e não aprova [medidas em relação a] uma grande distorção que nós temos no Brasil, que é uma taxação progressiva de impostos, que nós precisamos — tem muita gente super rica que não paga imposto sobre fortunas, sobre grandes aplicações, sobre dividendos. Então o Congresso deveria colaborar com o país. Essa foi a mensagem do Lula", diz o deputado.
Ele acrescenta que outra mensagem do presidente foi em prol de menos desonerações, "porque o Congresso pede equilíbrio das contas, mas dificulta o governo para ter maior arrecadação e amplia espaços de isenções".

"Então teve mensagem de todos os Poderes. A mensagem do Parlamento é sobre a cobrança em relação ao envio sobre as emendas."

É possível zerar o déficit nas contas públicas?

Questionado sobre se é possível alcançar a meta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de zerar o déficit nas contas públicas em 2024, Gass aponta que "o que rege muito dos liberais é um conceito fiscalista".

"O que é um conceito fiscalista? 'Ah, tem que equilibrar as contas', como se o governo fosse uma empresa. Qual é a notícia boa de uma empresa no final do ano, quando ela lança o seu balanço? Empresa tal teve tanto lucro. Isso é uma empresa. Qual é a notícia do estado, uma prefeitura de um governo? Teve tanto lucro? Não. Teve menos gente morrendo, teve mais gente comendo, o índice de mortalidade diminuiu, o índice de desemprego diminuiu, o índice de crescimento econômico foi isso, derrubamos menos mata na Amazônia, vai interferir menos no clima. Esse é o balanço de um governo. Portanto órgão público é uma coisa, empresa é outra coisa", explica o deputado.

Nesse contexto, ele acrescenta que a base do governo já entende que a busca pela meta de déficit zero não seria necessária, uma vez que o governo precisa gastar.
"Gastar em educação, para ninguém ficar fora da sala de aula, gastar em alimentação da agricultura familiar, estímulo da produção agrícola, para ninguém passar fome. Porque a notícia da empresa é ter lucro, a do governo é que ninguém passe fome", afirma Gass.

"Então esse é um outro debate que é profundo, eu estou sinalizando ele para a gente fazê-lo com toda a necessidade que exige, porque nós queremos equilíbrio fiscal e social. E essa talvez seja a diferença muito com os que são os liberais fiscalistas. Eles só querem equilíbrio fiscal", conclui o deputado.

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