De tempos que os americanos procuram utilizar convulsões políticas inseridas no Oriente Médio para avançar seus objetivos nacionais. Afinal, esses objetivos incluem, entre outros, garantir o fornecimento de petróleo a partir do golfo Pérsico, apoiar Israel e estabelecer relações próximas com governos árabes moderados, de forma a conter a influência do Irã. Para além disso, Washington também observa de perto quaisquer desenvolvimentos que envolvam a questão dos curdos na Turquia, a evolução (ou involução) política no Iraque pós-Saddam Hussein e o andamento da presença russa e chinesa na região.
Com tantos interesses distintos em torno de uma mesma área do planeta, é de se esperar que qualquer força externa – ainda que essa força seja os Estados Unidos – encontre dificuldades em direcionar o curso dos eventos no Oriente Médio, o que não quer dizer que Washington tenha desistido dessa tarefa. Em particular, vemos que a turbulência política na região tem crescido nas últimas décadas, apesar das tentativas da comunidade internacional de conter os efeitos dos diversos conflitos locais. Essas tentativas falham muitas das vezes, pois, em primeiro lugar, há que se considerar a grande presença militar americana no Oriente Médio por meio de bases instaladas em países como Arábia Saudita, Catar e Bahrein. Washington também emprega esforços na construção e manutenção de um amplo sistema de alianças político-militares com governos amigáveis, servindo de elemento dissuasório para qualquer país que pretenda contestar os interesses americanos, como é o caso da Síria e do Irã.
Ao mesmo tempo, temos a questão de Israel. Desde meados da Guerra Fria, o apoio e o comprometimento dos Estados Unidos com Israel têm se mostrado constantes, mesmo quando Tel Aviv se comporta de maneira excessivamente agressiva e até mesmo injustificável para com seus adversários. Foi o caso, por exemplo, da primeira guerra israelo-libanesa de 1982, quando apenas o veto americano impediu o Conselho de Segurança da ONU de tomar medidas duras contra Israel para conter o Exército israelense nos subúrbios ao sul de Beirute. Os Estados Unidos, vale lembrar, são os principais fornecedores de ajuda econômico-militar a Israel, sem nunca abandonar sua aliança com o Estado judeu, assim como uma pessoa não abandona um amigo próximo ou familiar em apuros, mesmo quando esse comete um erro capaz de prejudicar seus próprios interesses.
Após o fim da Guerra Fria, por sua vez, o papel do Estado de Israel na política externa dos Estados Unidos continuou sendo importante, apesar de países como o Egito e a Jordânia terem deixado a chamada frente anti-israelense, graças à conclusão de tratados de paz com Tel Aviv em 1979 e 1994, respectivamente. Com a derrubada de Saddam Hussein em 2003 no Iraque, a ameaça à existência do Estado judeu enfraqueceu visivelmente e, de fato, passou a ser substituída pelo problema de garantir a segurança de Israel contra o fortalecimento de outras ameaças regionais. Nesse ínterim, autoridades em Tel Aviv demonstraram que não fariam concessões políticas em questões que pudessem colocar em risco sua própria segurança. Tal situação, como vemos, trouxe sérias repercussões até os dias atuais.
Seja como for, com a chegada dos acontecimentos envolvendo a Primavera Árabe em 2011, Washington se viu obrigado a reconsiderar sua política para o Oriente Médio, dada a velocidade das mudanças em curso, que pareciam à época incontroláveis. A aposta da Casa Branca então foi na derrubada de regimes autoritários que não lhe agradavam, visto como uma forma de atender à demanda das populações árabes locais por melhores perspectivas econômicas e sociais. É possível dizer, aliás, que a Primavera Árabe se tornou um laboratório e uma oportunidade para a política externa americana no Oriente Médio, que empregou esforços econômicos e militares para destronar governos, como foi o caso de Muammar Kadhafi na Líbia. Quando foi a vez de fazer o mesmo com Bashar al-Assad na Síria, no entanto, Washington precisou lidar com a oposição de Moscou, que não só contribuiu para a derrocada do grupo extremista Daesh (organização terrorista proibida na Rússia e em vários outros países) como contribuiu para a manutenção da integridade territorial síria e de seu governo.
De todo modo, passada a Primavera Árabe a orientação estratégica dos Estados Unidos continuou voltada para a cooperação com governos autoritários considerados amigáveis (como é o caso da Arábia Saudita), apesar da retórica pró-democrática da Casa Branca. A lógica era simples: se um governo autoritário no Oriente Médio fosse próximo dos americanos, esse era considerado bonzinho. Caso não fosse próximo dos americanos, seria considerado pertencente ao "Eixo do Mal" (para usar a expressão de George W. Bush). Aproveitando-se dessa lógica, no segundo semestre de 2020, Washington patrocinou um processo de reaproximação entre Israel e vários Estados árabes, a saber: Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Marrocos, por meio dos Acordos de Abraão. Os acordos acabaram por diminuir a pressão política sobre Israel, que agora contava com maior margem de manobra para lidar com a ameaça de grupos como o Hamas (em Gaza) e o Hezbollah (no sul do Líbano). A situação, segundo a interpretação de parte da administração americana, também serviria para postergar uma eventual resolução da questão envolvendo Israel e a Palestina.
Contudo, o público árabe nunca esqueceu a importância da causa palestina, qualquer que fosse o relacionamento de seus governos com os Estados Unidos. Hoje, em vista dos acontecimentos em torno de Gaza, restou demonstrado que o sofrimento dos palestinos nunca saiu nem nunca poderá sair de pauta no Oriente Médio. Por sua vez, as ações coordenadas de Israel e dos Estados Unidos em Gaza só tem feito crescer a insatisfação das populações árabes e o antiamericanismo que há tempos se instalou na região. Administrar o caos em seu próprio benefício pareceu ter sido uma alternativa atraente para os americanos no passado. No entanto, fato é que: não há caos que possa ser controlado.
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