Mas afinal, um confronto — desta vez direto — entre OTAN e Rússia seria uma possibilidade ou um devaneio? Os comentários de Macron no final da noite de segunda (26) enquadram-se bem na sua reputação de político que gosta de quebrar tabus e desafiar o pensamento convencional. Entretanto, poderia ser esse um desejo real de alguma outra liderança da OTAN ou apenas um caso isolado?
Para que um outro país concorde com a proposta de Macron, ele precisa estar ciente dos riscos de se ver diante de uma catástrofe humanitária e militar de inimagináveis proporções. Fora os Estados Unidos, as capacidades de defesa dos países europeus (talvez com a exceção da França e do Reino Unido) estão bem aquém do ideal.
No mais, o envio de tropas à Ucrânia por parte da OTAN demonstraria de forma cabal que os próprios ucranianos não foram capazes de lidar com a Rússia sozinhos, comprometendo a própria reputação de Zelensky e da elite governante em Kiev. Se os demais países europeus pertencentes à OTAN decidirem renunciar ao bom senso e embarcar em tal aventura, há de se ter em conta também que a própria sobrevivência de suas entidades políticas estará em risco, dada a possibilidade de que o conflito escale para uma conflagração nuclear.
É dever dos estadistas europeus preocupar-se, em primeiro lugar, com as nações cujos destinos foram confiados a eles, e não com uma guerra por procuração que, apesar de acontecer em solo europeu, tem como principal financiador os Estados Unidos da América.
Entrar em guerra direta com a Rússia também dará o direito a Putin de, para garantir a segurança do povo russo, utilizar-se de quaisquer meios disponíveis para manter a integridade territorial do país e salvaguardar a sobrevivência do Estado.
Seja como for, parece improvável que essa sugestão de Macron seja seguida na prática. Sabe-se que há milhares de mercenários internacionais lutando a favor da Ucrânia desde o começo do conflito, mas até aí eles não operam na qualidade de representantes oficiais de seus respectivos Estados. São apenas pessoas que, por razões absolutamente fora da compreensão, optaram por buscar uma morte rápida.
No mais, apesar de toda a polêmica envolvendo a proposta do líder francês, continua sendo verdade que a segurança internacional depende de todos os Estados se sentirem seguros no sistema. Esse conceito chama-se "indivisibilidade da segurança" e foi justamente o que a Rússia defendeu antes da eclosão do conflito na Ucrânia em fevereiro de 2022.
Em termos práticos, isso se reflete no reconhecimento de que as grandes potências — como é o caso da Rússia — têm um interesse comum, por exemplo, em evitar um confronto nuclear direto, o que justifica todos os esforços para aumentar a confiança e a previsibilidade de suas relações.
Não há garantias de que um confronto entre a OTAN e a Rússia não escale para uma hecatombe nuclear, e caso tal hipótese se confirme, verdadeiramente não haverá vencedores de nenhum dos lados. Moscou, por sua vez, já mostrou que não pode sofrer coação de nenhuma coalizão de Estados, nem mesmo pela utilização de sanções econômicas draconianas, como as que foram aplicadas à Rússia em tempos recentes.
Aliás, essas mesmas sanções tiveram custos altíssimos para os próprios países ocidentais, na forma de inflação e do aumento geral de preços na economia, prejudicando diversas indústrias e sobretudo as populações mais pobres.
Em caso de um hipotético "confronto global" provocado pela entrada direta de tropas da OTAN na Ucrânia, todas as grandes potências europeias perigam ver suas economias colapsarem de vez, dado o esperado aumento de preços das commodities energéticas, como petróleo e gás, além do pânico nas bolsas de valores e na própria população. Na ausência de prognósticos mais felizes com relação às capacidades do Exército ucraniano, parece que a sugestão de Macron vem no sentido de dizer que "Olha, já percebemos que a Ucrânia sozinha não conseguirá derrotar a Rússia no campo de batalha".
A contraofensiva tão alardeada por Zelensky em meados de 2023 não deu resultados concretos, e muitos começam a se questionar sobre os rumos do dinheiro que vem sendo enviado a Kiev desde o início do conflito. Ainda assim, poderíamos dizer que o mundo se encontra hoje mais próximo de uma catástrofe do que esteve no período da Guerra Fria?
O que se pode dizer é que: apesar da "corrida armamentista" e da tensão constante entre a União Soviética e o bloco capitalista liderado pelos Estados Unidos após o final da Segunda Guerra Mundial, ao contrário do que muitos imaginavam, nenhum tipo de confronto direto acabou acontecendo entre Moscou e a OTAN.
O mundo testemunhou, na verdade, um cenário de certa "estabilidade" entre as superpotências, dado que ambas sabiam serem capazes de destruir uma à outra em caso de confronto nuclear direto. Em resumo, ambas tinham a certeza de que ao saírem de uma guerra fria para a guerra quente, estariam fadadas a uma "destruição mútua assegurada". Hoje parece que algumas lideranças europeias se esqueceram das lições da história.
Parecem não mais temer a possibilidade de uma escalada nuclear entre grandes potências que, no limite, implicaria numa tragédia de proporções globais. Esquecem-se também que Moscou conta atualmente com mísseis nucleares de velocidade hipersônica, capazes de transpor qualquer elemento de defesa antimísseis existente em solo europeu e mesmo nos Estados Unidos. Tais armas, compete lembrar, não foram criadas para utilização, mas sim como uma resposta russa ao abandono unilateral dos tratados de controle de armas por parte de Washington desde o começo dos anos 2000.
Será que o Ocidente não tomou nota disso? Parece que não.
E parece também que, dia após dia, o bom senso vem sendo cada vez mais deixado de lado. Prova disso é justamente a sugestão de Macron de enviar tropas da OTAN para a Ucrânia. Esperemos que tudo isso não passe de um desvairado devaneio francês.
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